terça-feira, 7 de julho de 2020

Leibniz e o Argumento da contingência





Argumento da contingência - Leibniz


"Até aqui, falámos apenas como simples físicos; importa agora elevar-se à metafísica, recorrendo ao grande princípio, comummente pouco usado, o qual afirma que nada se faz sem razão suficiente; isto é, que nada sucede sem que seja possível àquele que conhece assaz as coisas fornecer uma razão suficiente para determinar porque é assim, e não de outro modo. Posto este princípio,a primeira questão que se tem direito a fazer será: porque há alguma coisa em vez do nada? Afinal, o nada é mais simples e mais fácil do que alguma coisa. Ademais, na suposição de que as coisas tenham de existir, é necessário que se possa explicar porque é que elas devem existir assim, e não de outra forma. (M. § 32)8. Ora esta razão suficiente da existência do universo não se pode encontrar na série das coisas contingentes, isto é, nos corpos e nas suas representações nas almas; porque sendo a matéria indiferente em si mesma ao movimento e ao repouso, e a este ou àquele movimento, não pode nela achar-se a razão do movimento, e ainda menos de qualquer movimento em particular. E embora o movimento presente que existe na matéria derive do precedente, e este também de outro anterior, não se avançou muito, ainda que se fosse tão longe quanto se desejou; pois persiste sempre a mesma questão. É necessário, assim, que a razão suficiente, a qual não carece de qualquer outra razão, resida fora da série das coisas contingentes e se encontre numa substância que dela seja a causa, e que seja um Ser necessário, possuindo em si a razão da sua existência; de outro modo, não se teria ainda uma razão suficiente onde se pudesse parar. E esta razão derradeira das coisas chama-se Deus. (M.§§ 37; 3)"


Leibniz, Princípios da natureza e da graça, p.8, 
Tradução Artur Mourão,



Gottfried Leibniz (1646-1716)  filósofo e matemático alemão, etudioso do cálculo integral e do cálculo binário, que seria futuramente importante para o estabelecimento dos programas de computadores. Também foi criador da teoria das Mônadas. É considerado uma das mentes mais brilhantes da história.

Análise do Argumento da Contingência

Este é, com certeza, um dos argumentos mais poderosos a favor da existência de Deus. O argumento de contigência, também conhecido como o argumento cosmológico modal é, ao meu ver, um dos argumentos mais consistentes que já fora criado. Esse argumento tenta provar que coisas contigentes [como o nosso universo], precisam de uma causa de existência, que seja, sobretudo, necessária em si mesma.

Em tese, existem três premissas no argumento:
 1.Tudo o que existe tem uma explicação para sua existência (ou na necessidade de sua própria natureza ou em uma causa exterior).
2.Se o universo tem uma explicação para a sua existência, esta explicação é Deus.
3. O universo existe.
O que se segue logicamente destas três premissas?
De 1 e 3, segue-se logicamente que:
4. O universo tem uma explicação para sua existência.
E, de 2 e 4, infere-se logicamente a conclusão:
5. Portanto, a explicação para a existência do universo é Deus.
Este é um argumento sólido. Se o ateu quer negar a conclusão, ele tem que dizer que uma das três premissas é falsa. Mas qual ele irá rejeitar? A premissa três é inegável para qualquer pessoa que procure sinceramente a verdade. Então o ateu tem que negar a 1 ou a 2 se ele quer continuar ateu e ser racional. Então toda questão se resume a isto: as premissas 1 e 2 são verdadeiras, ou são falsas? Bom, vamos olhar para elas.
De acordo com a premissa 1, existem dois tipos de coisas: (a) coisas que existem necessariamente e (b) coisas que existem contingentemente. Coisas que existem necessariamente existem por uma necessidade de sua própria natureza. Muitos matemáticos pensam que números, conjuntos e outras entidades matemáticas existem desta maneira. Elas não foram causadas à existência por alguma coisa; elas apenas existem por uma necessidade de suas próprias naturezas. Por contraste, coisas contingentes são causadas à existência por alguma outra coisa. Elas existem porque alguma outra coisa as produziu. Objetos físicos comuns como pessoas, planetas e galáxias pertencem a esta categoria.
Então, que razão pode ser oferecida para se pensar que a premissa 1 é verdadeira? Bem, quando você pensa sobre o assunto, a premissa 1 tem uma espécie de natureza auto- evidente. Imagine que você esteja caminhando na floresta um dia e você encontre uma bola translúcida repousando sobre o chão da floresta. Você iria naturalmente imaginar como ela foi parar ali. Se um dos seus companheiros de caminhada dissesse, “ela apenas existe inexplicavelmente. Não se preocupe sobre isso!”, você iria pensar que ele está louco ou iria imaginar que ele apenas queria que você continuasse andando. Ninguém iria levar a sério a sugestão de que a bola está ali sem nenhuma explicação.
Agora, suponha que você aumente o tamanho da bola nesta história até que se torne do tamanho de um carro. Isto não faria nada para satisfazer ou remover a exigência por uma explicação. Suponha que ela fosse do tamanho de uma casa. Mesmo problema. Suponha que ela seja do tamanho de um continente ou de um planeta. Mesmo problema. Suponha que ela seja do tamanho do universo inteiro. Mesmo problema. Simplesmente aumentar o tamanho da bola não irá fazer nada para mudar a necessidade de uma explicação.
A premissa 1 é aquela que o ateu tipicamente rejeita. Alguns ateus irão responder à premissa 1 dizendo que ela é verdadeira sobre tudo dentro do universo, mas não sobre o universo em si mesmo. Mas esta resposta comete o que tem sido chamado apropriadamente de “falácia do táxi”. Como o filósofo do século XIX Arthur Schopenhauer satirizou, a premissa 1 não pode ser abandonada como um veículo de aluguel assim que você chegou ao seu destino!
Seria arbitrário para o ateu dizer que o universo é exceção à regra. A ilustração da bola na floresta mostra que apenas aumentar o tamanho do objeto a ser explicado, até que se torne do tamanho do universo inteiro, não faz nada para remover a necessidade de uma explicação para a sua existência.
Note, também, como a resposta deste ateu não é científica. Pois a cosmologia moderna é dedicada à busca para uma explicação sobre a existência do universo. A atitude do ateu iria mutilar a ciência.
Alguns ateus tentaram justificar o transformar o universo em uma exceção à premissa 1, ao dizerem que é impossível para o universo ter uma explicação para sua existência. Pois a explicação do universo deveria ser um prévio estado de coisas em que o universo ainda não existia. Mas isso seria nada, e nada não pode ser a explicação de alguma coisa. Então, o universo deve existir inexplicavelmente.
Esta linha de pensamento é obviamente falaciosa. Pois ela assume que o universo é tudo o que existe, então se não houvesse o universo, não haveria nada. Em outras palavras, a objeção assume que o ateísmo é verdadeiro! O ateu está, assim, cometendo petição de princípio, argumentando em círculos. Eu concordo que a explicação para o universo deve ser um prévio estado de coisas em que o universo não existia. Mas eu argumento que este estado de coisas é Deus e Sua vontade, não o nada.
Então, parece-me que a premissa 1 é plausivelmente mais verdadeira do que falsa, e isso é tudo de que precisamos para um bom argumento.
E quanto à premissa 2? Ela é mais plausivelmente verdadeira do que falsa?
O que é mais estranho para o ateu neste ponto é que a premissa 2 é logicamente equivalente à resposta ateísta típica para o argumento da contingência. Duas asserções são logicamente equivalentes se é impossível para uma ser verdadeira e a outra ser falsa. Elas sobrevivem ou sucumbem juntas. Então, o que o ateu quase sempre diz em resposta ao argumento da contingência? O ateu tipicamente afirma o seguinte:
A. Se o ateísmo é verdadeiro, então o universo não tem explicação para sua existência.
Isto é precisamente o que o ateu diz em resposta à premissa 1. O universo existe inexplicavelmente. Mas isto é logicamente equivalente a dizer:
B. Se o universo tem uma explicação para a sua existência, então o ateísmo não é verdadeiro.
Então você não pode afirmar (A) e negar (B)
Mas (B) é virtualmente sinônimo da premissa 2! Então, ao dizer em resposta à premissa 1 que, dado o ateísmo, o universo não tem explicação, o ateu está implicitamente admitindo a premissa 2 que, se o universo tem uma explicação, então Deus existe.
Além disso, a premissa 2 é muito plausível por si própria. Pois pense no que o universo é: toda realidade espaço-temporal, incluindo toda matéria e energia. Segue-se que, se o universo tem uma causa para a sua existência, esta causa deve ser um ser não-físico, imaterial, além do espaço e do tempo. Ora, há apenas duas espécies de coisas que podem adequar-se a esta descrição: ou um objeto abstrato, como um número, ou uma mente sem corpo. Mas objetos abstratos não podem causar nada. Isto é parte do que significa ser abstrato. O número 7, por exemplo, não pode causar nenhum efeito. Então a causa da existência do universo deve ser uma Mente transcendente, que é o que os crentes entendem que Deus seja.
O argumento, assim, demonstra a existência de um Criador do Universo necessário, não- causado, atemporal, não-espacial, imaterial e pessoal. Isto é, de fato, alucinante!
O ateu tem uma alternativa aberta para ele neste ponto. Ele pode retraçar seus passos, abandonar sua objeção à premissa 1, e dizer que, sim, o universo tem uma explicação para sua existência. Mas esta explicação é: o universo existe por uma necessidade de sua própria natureza. Para o ateu, o universo poderia servir como um tipo de substituto de Deus que existe necessariamente.
Ora, isto seria um passo bem radical para o ateu dar, e não consigo pensar em nenhum ateu contemporâneo que tenha, de fato, adotado esta linha. Há alguns anos na conferência de Filosofia do Tempo no City College, Santa Barbara, pareceu para mim que o professor Adolf Grünbaum, da Universidade de Pittsburgh, um filósofo da ciência ateu e vociferador, estava flertando com esta ideia. Mas quando eu levantei a questão do auditório se ele pensava que o universo existia necessariamente, ele ficou bem indignado com a sugestão. “Claro que não!”, ele repreendeu, e continuou a dizer que o universo simplesmente existe sem nenhuma explicação.
A razão pela qual os ateus não estão ávidos para abraçar esta alternativa é clara. Assim que olhamos para o universo, nenhuma das coisas que o compõe – sejam estrelas, planetas, galáxias, poeira, radiação, ou o que você quiser – existe necessariamente. Elas poderiam deixar de existir; de fato, em algum ponto no passado, quando o universo era muito denso, nenhuma delas existia.
Mas, você poderia dizer, e quanto à matéria de que estas coisas são feitas? Talvez a matéria exista necessariamente, e todas estas coisas são apenas diferentes configurações contingentes da matéria. O problema com esta sugestão é que, de acordo com o modelo padrão das partículas subatômicas, a matéria em si é composta de minúsculas partículas denominadas “quarks”. O universo é apenas uma coleção destes quarks ordenados de maneiras diferentes. Mas, então, surge a questão: uma coleção diferente de quarks não poderia existir em vez desta? Será que cada quark e todos eles existem necessariamente?
Note o que o ateu não pode dizer neste ponto. Ele não pode dizer que os quarks são apenas configurações da matéria que poderiam ser diferentes, mesmo que a matéria de que os quarks são compostos exista necessariamente. Ele não pode dizer isto, porque os quarks não são compostos de nada! Eles são apenas unidades básicas de matéria. Então, se um quark não existe, a matéria não existe.
Ora, parece óbvio que uma coleção diferente de quarks poderia ter existido em vez da coleção que existe. Mas, se fosse este o caso, então um universo diferente poderia ter existido. Para ver a questão, imagine sua mesa. Sua mesa poderia ser feita de gelo? Note que não estou perguntando se você poderia ter uma mesa de gelo no lugar de sua mesa de madeira e aquela teria o mesmo tamanho e estrutura. Em vez disso, estou perguntando se sua própria mesa, a feita de madeira, se esta mesa poderia ser feita de gelo. A resposta é obviamente não. A mesa de gelo seria uma mesa diferente, não a mesma mesa.
Similarmente, um universo feito de diferentes quarks, mesmo que identicamente ordenados como neste universo, seria um universo diferente. Segue-se, então, que o universo não existe por uma necessidade de sua própria natureza.
Então, os ateus não têm sido tão ousados a negarem a premissa 2 e dizerem que o universo existe necessariamente. A premissa 2 também parece plausivelmente ser verdadeira.
Mas dada a verdade das três premissas a conclusão é logicamente inevitável: Deus é a explicação para a existência do universo. Além disso, o argumento implica que Deus é uma Mente sem corpo, não causada, que transcende o universo físico e até mesmo o espaço e o tempo, e que existe necessariamente.
William Lane Craig – Reasonable Faith








Lola

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