O sentido da vida
O sentido da vida é um tema obscuro, e no entanto
central para a filosofia. Frequentemente associada à questão de os seres
humanos fazerem parte de um desígnio mais vasto ou divino, a pergunta “qual é o
sentido da vida?” parece pedir uma resposta religiosa. No entanto, grande parte
das discussões filosóficas questiona a necessidade desta associação. A atenção
dedicada à inevitabilidade da morte parece muitas vezes tornar a questão do
sentido da vida problemática, mas não é óbvio que a imortalidade pudesse fazer
a diferença entre o sentido e a sua ausência. O tema do absurdo é recorrente
nas discussões entre quem pensa que o universo é indiferente aos nossos
destinos. Embora as nossas vidas não tenham sentido, defendem que devemos viver
como se tivessem. Perante este absurdo, alguns propõem o suicídio, outros a
rebelião, outros ainda a ironia. Também é possível virar as costas à questão do
sentido cósmico e procurar um sentido para a vida noutro lugar.
1. O que significa “o sentido da vida”?
A pergunta “qual é o sentido da vida?” é
provavelmente a que causa ao mesmo tempo mais desprezo e mais respeito pela
filosofia. Por um lado é uma pergunta notoriamente vaga e deu azo a muitos
disparates pomposos. Por outro, a necessidade de compreender o sentido da nossa
existência é profunda e universal, apontando qualidades da mente que são
possivelmente centrais para a existência humana.
Uma
dificuldade significativa que rodeia este tópico é a falta de clareza do
próprio tema, e as comparações que podemos fazer com outros contextos nos quais
procuramos encontrar um sentido tendem a aumentar a confusão. Quando procuramos
o sentido de palavras ou frases tentamos averiguar a forma como normalmente são
usadas para comunicar. Porém, a vida não é um elemento num sistema de comunicação.
Nada indica que seja usada ou que sirva para representar alguma coisa para além
de si própria. Em certas circunstâncias, também falamos sobre o sentido de
elementos não-linguísticos: as pegadas indicam a presença de alguém; as pintas
vermelhas na pele de uma criança significam que tem sarampo. No entanto, as
analogias com estes usos da palavra “sentido” não nos ajudam a responder à
nossa pergunta.
A
religião, e particularmente o judeo-cristianismo, proporciona um contexto
natural para a questão do sentido da vida. Se acreditarmos que um ser
sobrenatural criou o mundo de acordo com um plano grandioso, então a nossa
pergunta procura saber qual é a finalidade desse plano ou qual é o lugar que a
vida nele ocupa. No entanto, não se pode reduzir o tópico filosófico do sentido
da vida — ou, melhor, o conjunto de tópicos inter-relacionados que ao longo do
tempo têm vindo a ser associados à nossa pergunta — a questões que só fazem
sentido no âmbito da religião.
As
preocupações centrais que subjazem a este tópico incluem questões sobre a
existência de um objectivo para a vida, sobre o valor da vida e sobre a
existência de uma razão para viver, independentemente das circunstâncias e
interesses individuais. Qualquer destas questões pode ser aplicada à vida, normalmente
à vida humana, mas também às vidas individuais, particularmente às nossas
próprias vidas. Podemos procurar motivações, razões e valores aceitáveis a
partir de pontos de vista que nos são exteriores, ou podemos restringir a nossa
atenção ao campo dos desejos e objectivos das nossas psiques ou das nossas
comunidades, indiferentes a possíveis perspectivas que possam existir além da
esfera humana. Embora a expressão “o sentido da vida” pareça pressupor apenas
um sentido para a vida, podemos ser levados a rejeitar este pressuposto sem ser
preciso concluirmos que a vida não tem sentido. Muitas vezes o próprio objecto
da pergunta vai-se transformando ao longo do próprio processo de lhe dar uma
resposta.
Portanto,
indagar sobre o sentido da vida é como envolvermo-nos numa busca em que só
estamos certos daquilo que procuramos quando o encontramos. Qualquer tentativa
de arranjar uma paráfrase inequívoca para a expressão “o sentido da vida” está
sujeita, tal como a própria expressão, a excluir certas opções e suprimir
caminhos de questionamento que não deveriam ser abandonados de antemão.
2. A relevância da morte
O sentimento de que estamos perante um
problema quando pomos a questão do sentido da vida é frequentemente induzido
pela contemplação da morte. Na verdade, muitas vezes pensa-se — como
Schopenhauer (1851) e Tolstoi (1886) — que a questão emerge precisamente do
facto de as nossas vidas acabarem com a morte. No entanto, como alguns
filósofos observaram, a ligação entre a nossa finitude e o sentido da vida é desconcertante.
Se o pressuposto de que todos morremos faz a vida parecer sem sentido, de que
maneira o pressuposto contrário — de que viveremos eternamente — melhora a
situação?
Uma
possível explicação para a ligação entre o pensamento da morte e o medo de que
a vida não tenha sentido é que quando enfrentamos a nossa própria mortalidade
destruímos os nossos ideais de felicidade. Se a felicidade plena fosse
verosímil, ou mesmo possível, poderíamos não sentir a necessidade de encontrar
um sentido — não precisamos de ter uma razão para viver enquanto a vida é
agradável, e o objectivo de atingir a felicidade plena, se esta fosse
atingível, já seria suficiente. No entanto, para alguns, a ideia de que um dia
morrerão torna a felicidade impossível. De uma maneira algo diferente, o
reconhecimento da inevitabilidade da morte da nossa cultura e da nossa espécie,
tal como de nós próprios, pode dar agora a ideia de que os interesses e os
objectivos que tínhamos são destituídos de valor ou vãos.
Uma
vez mais, a crença num Deus pode aliviar estas preocupações. A promessa de uma
vida após a morte, na qual pelo menos alguns atingem a felicidade eterna,
renova a possibilidade de procurar obter a felicidade plena. Por si só, a
existência de um ser eterno e superior que cuida de nós e através do qual
pautamos as nossas vidas alivia a preocupação com a insignificância dos nossos
objectivos e da nossa conduta.
3. Absurdo
Muitos filósofos defendem que se Deus
não existe, a vida humana é um absurdo. Segundo eles, a condição humana conteria
assim uma desarmonia fundamental e imutável. Albert Camus concentrou-se sobre o
conflito entre a nossa exigência de que o mundo seja razoável, ordeiro e atento
a nós e a realidade do mundo, isto é, o facto de o mundo ser mudo, inexpressivo
e indiferente. Thomas Nagel acentua a discrepância entre a insignificância
objectiva das nossas vidas e dos nossos projectos e a seriedade e a energia que
lhes dedicamos. Como devemos então reagir?
Uma
vez que o reconhecimento da indiferença do universo pode ser uma experiência
aniquiladora, a ideia do suicídio emerge naturalmente. Se todos os nossos
objectivos forem baseados no pressuposto de que a nossa existência ou as nossas
acções dizem respeito a uma entidade ou processo mais abrangentes e menos
necessitados de validação do que nós próprios, então a descoberta da
inexistência de uma tal entidade deixa-nos sem qualquer direcção a seguir. E se
além disso pensarmos que qualquer direcção que tomarmos reintroduzirá
necessariamente o pressuposto que agora sabemos ser falso, então nessa altura
poderá parecer-nos que a única opção que evita a contradição é o suicídio. No
entanto, Camus (1955) pensava que há um modo de vida que não é contraditório.
Descreveu o “homem absurdo” como aquele que vive “sem apelo”, desafiando a
indiferença que o mundo lhe oferece. Uma pessoa assim abraça a vida o mais
plenamente possível, mas sem nunca esquecer ou negar a ausência de algum
fundamento racional para a mesma.
Nagel
dá-nos uma resposta mais suave (1971): o reconhecimento da nossa insignificância
é uma função da capacidade distintamente humana de adoptarmos uma perspectiva
externa sobre nós próprios; como tal, não há qualquer razão para tentar negá-la
ou para dela fugir. Ao mesmo tempo, se as nossas vidas são cosmicamente
insignificantes, também o é a maneira como respondemos a este facto. À luz
deste argumento, sugere Nagel, a atitude de desafio parece excessivamente
exagerada e dramática, sendo a ironia mais apropriada.
Richard
Taylor (1970) retira uma moral diferente do silêncio do universo: o
reconhecimento de que a vida seria, por assim dizer, objectivamente desprovida
de sentido, deveria convencer-nos a deslocar a nossa procura de sentido para o
interior. O tipo de sentido da vida que importa ter em consideração é um
sentido para nós. A vida tem sentido se pudermos ocupar-nos de actividades que
achamos serem significativas; de outro modo, não.
Todos
estes filósofos partilham a ideia de que se não há nada mais vasto e mais
intrinsecamente válido do que nós próprios, algo a que nos possamos ligar de
uma forma positiva, então a vida não tem sentido pelo menos numa acepção
importante. Nisto concordam com quem tem uma ideia positiva do sentido da vida
baseada na existência de um Deus benevolente. Uma vez que também acreditam que
a condição para o sentido não pode ser encontrada, e que ainda assim devemos
viver como se a vida tivesse sentido, concluem que a vida humana é absurda. No
entanto, e tal como Joel Feinberg (1992) assinala, há uma diferença entre uma
situação absurda e uma pessoa absurda. Ao tomarmos uma atitude face ao nosso
dilema, quer desafiante quer irónica, ou uma qualquer terceira alternativa,
pelo menos podemos livrar-nos de ser ridículos.
Porém,
em termos racionais, não é claro que tenhamos que fazer até esta concessão relativamente
não pessimista ao pensamento de que a vida humana é absurda. Tal como vimos,
esta concepção assenta na ideia de que há um conflito inelutável entre o que
exigimos ou que inevitavelmente pressupomos acerca do nosso lugar no universo e
a realidade da nossa situação. Todavia, a tendência para desejar ou insistir na
nossa importância cósmica pode ser menos profunda e inevitável do que estes
filósofos pensam. Enfrentar as dificuldades da vida e tentar realizar projectos
com energia e dedicação são práticas que não precisam de ser baseadas numa
megalomania. Não é pelo menos óbvio que quando o atleta olímpico se esforça até
ao limite na tentativa de atingir um recorde mundial, ou quando uma mãe põe de
lado o seu sono e o seu conforto para alimentar a sua criança, o façam com base
na crença de que estes feitos terão um significado cósmico.
4. Sentido subjectivo e objectivo
Embora as discussões sobre o sentido da
vida estejam muitas vezes associadas a considerações sobre o nosso lugar no
universo, também há contextos em que a inteligibilidade do contraste entre
vidas com sentido e vidas sem sentido parece ser totalmente independente da
questão cósmica.
Já
mencionámos antes a ideia de que o tipo de sentido que importa ter em
consideração é o sentido objectivo. Alguns filósofos, como David Wiggins
(1976), pensam que uma explicação totalmente subjectiva sobre o sentido não
pode fazer justiça ao uso corrente do termo. Como Wiggins assinala, a ideia de
uma distinção entre uma vida com sentido e uma vida sem sentido não é
equivalente à diferença mais óbvia e incontroversa entre uma vida que é
subjectivamente satisfatória ou enriquecedora e outra que não o é. Quando
perguntamos se as nossas vidas têm sentido não estamos a fazer algo totalmente
introspectivo, e quando procuramos uma forma de dar sentido às nossas vidas,
não estamos à procura do comprimido da felicidade. A vida de Sísifo,
perpetuamente condenado a carregar um pedregulho por um monte acima que depois
caía outra vez, tem sido caracterizada, pelo menos desde os escritos de Camus,
como um paradigma da ausência de sentido. Se imaginarmos que Sísifo encontrava
uma perversa satisfação nesta actividade repetitiva e inútil, então não é claro
se pensamos que nesse caso a sua vida tem mais sentido, ou se pelo contrário é
mais miserável.
Todavia,
as explicações sobre o sentido da vida não têm de ser reduzidas a alternativas
puramente subjectivas e puramente objectivas. Os paradigmas mais naturais de
vidas com sentido são tanto subjectivamente bastante enriquecedores como dignos
de admiração e válidos se julgados de pontos de vista externos aos próprios
agentes. O tipo de vida que é mais confortavelmente descrita como tendo sentido
parece ser uma vida em que há uma ligação feliz entre os interesses reais de
uma pessoa e o conjunto de coisas que são dignas de interesse. O sentido parece
emergir quando a atracção subjectiva se interliga ao que é objectivamente
atraente.
Se
este tipo de existência de sentido está relacionada com a preocupação que mais
naturalmente parece requerer uma ligação a algum desígnio divino ou cósmico, e
como, são questões de difícil determinação. Além disso, a noção de algo
“objectivamente atraente” (ou de valia ou valor objectivo), à qual esta
concepção de existência de sentido faz referência, é notoriamente controversa.
Se, no limite, esta noção é inteligível, particularmente na ausência de uma
metafísica religiosa, é algo que constitui em si uma importante questão
filosófica. No entanto, não é surpreendente que a questão do sentido da vida
derive para outras questões filosóficas importantes e a elas se ligue. Trata-se
afinal de um dos tópicos mais profundos e fundamentais de toda a filosofia.
Susan Wolf
Publicado
em Routledge Encyclopedia of Philosophy, org. Edward Craig
(Londres: Routledge, 1998)
Referências bibliográficas e sugestões de leitura
·
Baier, K. (1957) “The Meaning of Life”,
in E.D. Klemke (org.) The Meaning of Life, Nova Iorque: Oxford
University Press, 1981, 81–117. (Originalmente publicado como a conferência
inaugural da Australian National University, em Camberra, este artigo defende a
ideia de que o sentido da vida é compatível com uma visão secular do mundo).
·
Camus, A. (1943) Le Mythe de
Sisyphe, Paris: Gallimard; ed. alargada, 1945; ed. alargada trad. J.
O’Brien, “The Myth of Sisyphus”, in The Myth of Sisyphus and Other
Essays, Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1955, 1–102. (Discussão clássica
sobre o absurdo da condição humana e a resposta que lhe é apropriada — o
desafio).
·
Feinberg, J. (1992) “Absurd
Self-Fulfillment”, in Freedom and Fulfillment, Princeton, NJ:
Princeton University Press. (Discussão especialmente clara e acessível sobre a
ideia do absurdo e o tipo de realização que é possível atingir apesar do
absurdo).
·
Klemke, E.D. (ed.) (1981) The
Meaning of Life, Nova Iorque: Oxford University Press. (Antologia de
explicações religiosas e seculares sobre o sentido da vida, incluindo excertos
dos escritos de Baier, Camus, Nagel, Taylor e Tolstoi aqui listados).
·
Nagel, T. (1971) “The Absurd”, Journal
of Philosophy 68 (20): 716-27; reimpr. em E.D. Klemke (org.) The
Meaning of Life, Nova Iorque: Oxford University Press, 1981, 151–161.
(Analisa o absurdo como o conflito entre a pretensão e a realidade, defendendo
a ironia como a resposta apropriada).
·
Nozick, R. (1981) Philosophical
Explanations, Cambridge, MA: Harvard University Press, cap. 6. (Exploração
abrangente da ideia de um sentido para a vida, analisando o sentido como a
transcendência dos limites num contexto de valor mais alargado).
·
Schopenhauer, A. (1851) “On the
Sufferings of the World”, trad. T. B. Saunders, in R. Taylor (org.) The
Will to Live: Selected Writings of Arthur Schopenhauer, Nova Iorque: Ungar,
1967. (Apresenta uma visão profundamente pessimista sobre o infortúnio e a
ausência de sentido da vida humana, propondo o suicídio como a resposta
apropriada. Ver também “On the Vanity and Suffering of Life” e “The Vanity of
Existence”, neste volume).
·
Taylor, R. (1970) Good and Evil,
Nova Iorque: Macmillan, cap. 18. (Defende que aquilo que dá sentido à vida são
as ligações dos sujeitos às actividades de que se ocupam).
·
Tolstoi, L. (1886) Smert' Ivana
Il’icha, trad. A. Maude, The Death of Ivan Il’ich, Nova Iorque:
New American Library, 1960. (Descrição intensa do sentimento de ausência de
sentido da vida perante a morte).
·
Tolstoi, L. (1884) Ispoved,
trad. A. Maude, A Confession, in A Confession, The Gospel
in Brief and What I Believe, Londres: Oxford University Press, 1971.
(Relato autobiográfico da perplexidade causada pela necessidade de compreender
o sentido da vida, e do encontro da única resposta aceitável na fé em Deus).
·
Wiggins, D. (1976) “Truth, Invention,
and the Meaning of Life”, Proceedings of the British Academy, 62:
331–378; reimpr. em G. Sayre-McCord (org.) Essays on Moral Realism,
Ithaca, NY: Cornell University Press, 1988, 127-65. (Opõe-se a uma explicação
puramente subjectiva do sentido, a favor de uma análise do valor não-subjectiva
mas antropocêntrica — de leitura difícil).
·
Wolf, S. (1997) “Happiness and Meaning:
Two Aspects of the Good Life”, Social Philosophy & Policy 14
(1): 207-25. (Explica a ideia de que a existência de sentido na vida surge do
envolvimento activo e subjectivamente realizador com projectos objectivamente
válidos).
Susan Wolf
Tradução de
Jorge Beleza
Lola
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