John Rawls e a Teoria da Justiça
"Há crianças vendidas por pais extremamente pobres a quem tem dinheiro e falta de escrúpulos para as comprar; pessoas cujo rendimento não permite fazer mais do que uma refeição por dia; jovens que não têm a menor possibilidade de adquirir pelo menos a escolaridade básica; cidadãos que estão presos por terem defendido as suas ideias. Perante casos destes sentimos que as nossas intuições morais de justiça e igualdade não são respeitadas. Surge assim a pergunta: Como é possível uma sociedade justa? Este problema pode ter formulações mais precisas. Uma delas é a seguinte: Como deve uma sociedade distribuir os seus bens? Qual é a maneira eticamente correcta de o fazer? Trata-se do problema da justiça distributiva. A pergunta que o formula é a seguinte: Quais são os princípios mais gerais que regulam a justiça distributiva?
A teoria da justiça de John Rawls é a resposta mais influente a este problema!"
(Faustino Vaz in Critica)
Quem é John Rawls?
Ø John Bordley Rawls (1921 – 2002), filósofo norte americano é
autor da mais importante teoria de
justiça social do século XX.
Ø Constata que a população negra de Baltimore (região onde morava) vivia em
condições muito diferentes da população branca.
Ø Rawls contactou com os
brancos pobres da região do Maine, onde passava férias.
Ø Em 1961, Rawls é convidado e vai para Harvard em
1962, onde deu aulas até 1991, ano em que se aposentou.
Ø Os anos seguintes, em
Harvard, foram dedicados a acabar de escrever Uma Teoria
da Justiça.
Ø No final da década de 60, Rawls faz parte de movimentos contra a Guerra do Vietname.
Ø Toda essa polémica levou Rawls a reflectir sobre questões como a desobediência
civil e a ética nas relações internacionais.
Qual o seu objectivo?
Ø Criar um conjunto de ideais
para formar uma sociedade justa, respondendo a questões como: será possível uma
sociedade justa? Serão as desigualdades justas? Como deve uma sociedade
distribuir os seus recursos? Qual a maneira ética e socialmente justa de o
fazer?
Ø Porque reconhece diferenças
na sociedade, Rawls procura que esta seja julgada com direitos iguais na
diferença.
Ø Defende a liberdade
individual.
Ø Propõe-se apresentar uma teoria alternativa ao utilitarismo de Stuart Mill.
ØNa obra “Uma teoria da
Justiça”, Rawls defende uma perspectiva contratualista.
"A teoria da justiça
como equidade é um exemplo daquilo a que chamei teoria contratualista. Pode
objetar-se ao uso do termo «contrato», ou de termos semelhantes, mas creio que
ele é útil. (…) Como já afirmei, para compreender o conceito é preciso ter presente
que ele implica um certo grau de abstração. Em particular deve ter-se presente
que o conteúdo do acordo não está na adesão a uma sociedade dada ou na adoção
de uma certa forma de governo, mas na
aceitação de certos princípios morais. Por outro lado, os compromissos a
que ele se refere são puramente
hipotéticos: a conceção contratual defende que certos princípios serão
adotados numa situação inicial devidamente definida".
John Rawls, Uma
teoria da justiça,
Editorial Presença.
Quais as suas influências?
Ø John Rawls baseia a sua
teoria politica em Kant e John Locke.
Ø Critica a teoria utilitarista de Stuart Mill.
Posição de Rawls face ao utilitarismo.
John Rawls discorda do Utilitarismo:
Ø Não há um critério único e
universal que permita distinguir boas e más acções;
Ø Não há o reconhecimento de
direitos fundamentais do Homem;
Ø Não é levada em consideração
a forma justa ou injusta como a felicidade é distribuída.
Rawls e Kant.
Ø Rawls defende uma
perspectiva contratualista, ou seja, uma ideia renovada do contrato social que
tem uma influencia de Kant;
Ø Tal como Kant, Rawls considera a pessoa um ser
livre, racional, igual e um fim em si mesmo.
Ø Ambas as teorias apresentadas de Kant e
Rawls baseiam-se no dever ser, em princípios que estão já definidos
e segundo os quais cada ser humano deve reflectir antes de agir, são
assim teorias
deontológicas – a primeira de natureza moral, a segunda de natureza
política.
Ø Ambas as
teorias abdicam do carácter útil e consequencialista das acções - ambos
estão em desacordo com o utilitarismo de Stuart Mill.
Ø Os dois
filósofos defendem a universalidade o homem é um ser de dignidade.
Porquê a
necessidade de uma sociedade justa?
Ø Embora todos nós
tenhamos uma concepção de justiça, a maioria de nós reconhece a necessidade de
um conjunto de principios para a atribuição de direitos e deveres e para a
correcta distribuição dos encargos e beneficios da vida em comum, considerando
o que é justo e injusto e normalmente objecto de disputa.
Ø O homem é, para Rawls,
um ser social que obtém vantagens a partir da vida em sociedade.
Ø Contudo, esta vida em
sociedade pode trazer conflitos que levam à
necessidade de definição de princípios que sirvam como critérios para
atribuir direitos e deveres.
Ø A definição de
princípios pode ser uma tarefa difícil pois como se podem criar regras que
garantam a imparcialidade, a justiça e evitem o conflito de interesses se
o Homem é, por natureza, egoísta?
Ø Rawls soluciona o
problema com a "Posição Original".
O que é a Posição
Original?
Ø A Posição Original é uma situação hipotética inicial que coloca os Homens numa base de igualdade, despidos das suas características, dos seus interesses e dos seus objectivos e se aprovam os principios que governarão a vida em comum e as instituições sociais.
Ø Ignorando as suas vontades pessoais, o Homem e optar pelo seu melhor que acaba por ser o melhor para todos visto estarem todos na mesma base de igualdade. (recorda Kant e o imperativo categórico)
Ø A Posição Original
garante então a igualdade, imparcialidade e a universalidade.
Ø A posição original
pressupõe o “véu de ignorância”.
Supõe-se que as partes não conheçam certos tipos de determinados factos. Antes de mais, ninguém conhece o seu lugar na sociedade, a sua posição ou classe social; também não sabe qual será a sua sorte na distribuição de talentos e capacidades naturais, a sua inteligência e a sua força, etc. Igualmente, ninguém conhece a sua concepção pessoal de bens, nem pormenores do seu plano racional de vida, nem mesmo os traços particulares da sua constituição psicológica, tais como a sua versão ao risco, ou a sua tendência para o pessimismo ou optimismo. Mais ainda, suponho que as partes não conhecem as circunstâncias peculiares da sua própria sociedade. Isto é, não conhecem a sua situação política ou económica, nem o nível de cultura e civilização que foram capazes de alcançar. As pessoas na posição original não possuem qualquer informação a respeito da geração a que pertencem.
O que é o véu de
ignorância?
Ø Situação imaginária que
caracteriza a posição original.
Ø O véu de ignorância é uma construção
conceptual que significa que se desconhecem as características, vontades,
desejos, interesses, estatutos dos homens e leva-os a ignorar também a
situação dos seus parceiros.
Ø O véu de ignorância tem como objectivo levar os Homens a optar sempre com
imparcialidade
Ø O véu de ignorância é uma barreira contra os interesses dos homens e dos grupos porque “esquece” toda a informação (Condição social e económica, etnia, sexo, religião, orientação sexual, nível de instrução, profissão, talentos, aspectos psicológicos, valores e concepção de bem).
Ø Qual será utilidade deste ponto de partida?
Ø Muitas vezes, as pessoas têm uma concepção de justiça muito parcial
porque são influenciadas pelos seus interesses particulares.
Ø O véu de ignorância anula as contingências naturais e sociais de cada uma
e obriga à imparcialidade, condição básica de qualquer sociedade justa.
Ø Se cada um de nós desconhecer a situação em que se encontra ou poderá vir
a encontrar-se, será imparcial, isento e defenderá o bem comum.
Ø O véu de ignorância permite que, ao tentarmos estabelecermos os princípios
de um acordo imaginário, somos tentados a procurar o maior benefício de todos,
tendo em conta que a lotaria natural ou social foi eliminada.
Ø Trata-se de uma situação imaginada para que o acordo ou negociação
aconteça em situação de absoluta de equidade.
Ø Equidade é a
reciprocidade ou simetria de relações garantida pelo véu de ignorância, dado
que ninguém se encontra numa situação de vantagem ou desvantagem aquando da
escolha dos princípios da justiça.
Ø Mas como é que uma
pessoa num estado de ignorância poderá pensar em alternativas e fazer escolhas?
Ø As partes que se
encontram na situação original, apesar de estarem cobertas pelo véu de ignorância,
têm informação necessária e suficiente para decidir quala concepção de justiça
que mais vantagens lhe traz.
Ø São seres livres, e
racionais que sabem que devem proteger a liberdade, garantir oportunidades e
alargar benefícios.
Ø Possuem uma teoria fraca
do bem – querem bens primários e preferem ter mais do que menos.
"Suponhamos que, num futuro não
muito distante, deixa de haver oferta de árbitros de futebol. (…) Para muitos
jogos, torna-se impossível descobrir um árbitro neutro. Suponhamos que foi isto
que se passou no jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Benfica e suponhamos
também que o único árbitro qualificado a assistir ao desafio é o presidente do
Futebol Clube do Porto.
Compreensivelmente, o Benfica não aceita a proposta de
que seja ele a arbitrar o jogo. Contudo, a Liga de Futebol sabe que este
problema surge de tempos a tempos e, por isso, inventou um fármaco. Quando
tomamos esta substância, a nossa conduta é perfeitamente normal, com excepção
de um aspecto: temos uma perda muito seletiva de memória. Deixamos de ser
capazes de dizer qual o clube de futebol de que somos presidentes (…). Tendo
tomado o fármaco em questão, como iria o presidente do Futebol Clube do Porto
arbitrar o jogo?
A resposta é: poderia ser imparcial. Sabe que é
presidente de um dos dois clubes, mas não qual. Assim, se escolher favorecer aleatoriamente
uma equipa, pode vir a descobrir que prejudicou o seu próprio clube. Se
presumirmos que ele não quer correr o risco de malograr injustamente as
perspectivas do seu clube, só lhe restará agir tão justamente quanto lhe seja
possível e deixar o jogo desenrolar-se de acordo com as regras. A ignorância
gera imparcialidade.
Com isto em mente, podemos analisar a concepção de
Rawls da posição original. As pessoas na posição original – os contratantes
hipotéticos – têm à sua frente um «véu de ignorância» que não lhes permite
aperceberem-se das suas circunstâncias particulares. Devido a esta ignorância,
não sabem como ser parciais a seu favor e, assim, vêem-se obrigadas a agir
imparcialmente."
Wolf,
Introdução à Filosofia Política (adaptado)
A regra maximin
(maximizar o mínimo)
Ø Se para Stuart Mill
a distribuição correcta dos bens sociais primários será sempre aquela que
maximize o bem, a felicidade.
Ø De acordo com o
principio da maior felicidade é possível que perdas menores para algumas
pessoas possam ser justificadas pelos ganhos maiores de outras.
Ø Rawls discorda
porque um ser livre e racional colocado na posição original não estaria
disposto a aceitar e reconhecer como justo o principio da utilidade ou da maior
felicidade.
Ø Como escolher,
então os princípios da justiça?
Ø Sabendo que:
queremos bens sociais primários, que preferimos ter mais a ter menos, que os princípios
que escolhermos formarão a estrutura básica da nossa sociedade, que não temos
conhecimento algum acerca da sociedade e do lugar que nela ocuparemos, temos de
imaginar a pior situação possível e estabelecermos princípios de justiça,
garantindo um mínimo satisfatório.
Ø A alternativa que
devemos adoptar é selecionar a pior consequência das piores consequências.
Ø UM EXEMPLO:
Há 100 unidades de bens sociais
primários para distribuir por três pessoas. Sabendo que há quatro decisões possíveis,
qual das opções estaria mais de acordo com a regra maximin?
|
Rosa |
Paulo |
Rui |
Decisão 1 |
45 |
40 |
15 |
Decisão 2 |
15 |
5 |
80 |
Decisão 3 |
20 |
55 |
25 |
Decisão 4 |
60 |
15 |
25 |
Ø A regra maximin exige
que optemos pela decisão 3, uma vez que o pior que pode acontecer é ficarmos
com 20 unidades de nens sociais primários, o que é melhor do que 15 (1ª e 4ª
condição) e 5 (na 2ª condição).
Ø Regra maximin é um
principio de decisão que nos recomenda, por prudência, que consideremos os
piores resultados possíveis e optemos pelo menos mau – Maximizar o ganho mínimo
e minimizar a perda máxima.
O princípio maximin é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa situação de incerteza. É a estratégia do menor mal. São preferíveis princípios de justiça que estejam na base de uma sociedade em que o pior não será muito mau do que uma sociedade que, por exemplo, haja muita pobreza e muita riqueza. A sociedade preferível é aquela em que a pobreza e a riqueza sejam moderadas. Se escolher uma sociedade em que a pobreza extrema convive com a riqueza extrema corro o risco de fazer parte do grupo de pessoas que serão extremamente pobres
O conceito de justiça de Rawls desenvolve-se em torno de dois princípios:
Ø Que princípios surgiriam se fossemos colocados sob o
véu da ignorância?
Ø Rawls defende que seres racionais e independentes,
colocados numa posição original de equidade, escolheriam 2
"Os sujeitos colocados na situação inicial
escolheriam dois princípios[...]:
O primeiro[ - o princípio da liberdade igual - ] exige a igualdade na
atribuição dos direitos e deveres básicos, enquanto o segundo [ - o princípio da diferença - ] afirma que as
desigualdades económicas e sociais, por exemplo as que ocorrem
na distribuição da riqueza e poder, são justas apenas se resultarem em
vantagens compensadoras para todos e, em particular, para os mais
desfavorecidos membros da sociedade.
Decorre destes princípios que as instituições não
podem ser justificadas pelo argumento de que as dificuldades de alguns são
compensadas por um maior bem total. Pode, em certos casos, ser oportuno
que alguns tenham menos para que outros possam prosperar, mas tal não é justo.
Porém, não há injustiça no facto de alguns conseguirem benefícios maiores
que outros, desde que a situação das pessoas menos afortunadas seja, por
esse meio, melhorada.
A ideia intuitiva é a seguinte: já que o bem-estar de
todos depende de um sistema de cooperação sem o qual ninguém poderia ter
uma vida satisfatória, a divisão dos benefícios deve ser feita de modo a
provocar a cooperação voluntária de todos os que nele tomam parte,
incluindo os que estão em pior situação. No entanto, tal só pode acontecer
se os termos propostos forem razoáveis.
Os dois princípios atrás mencionados
parecem constituir uma base equitativa para um acordo, na base do qual os mais bem
dotados, ou os que tiveram mais sorte na sua posição social — vantagens
essas que não foram merecidas —, podem esperar obter a colaboração
voluntária de outros, no caso de um sistema efectivo de cooperação ser uma
condição necessária para o bem-estar de todos.
Quando tentamos encontrar uma concepção de
justiça que elimine os acasos da distribuição natural de qualidades e as
contingências sociais como vantagens na busca de benefícios económicos
e políticos, é a estes princípios que somos conduzidos. Eles são o
resultado do facto de excluirmos os aspectos da realidade social que parecem
arbitrários de um ponto de vista moral.
JOHN
RAWLS, Uma Teoria da Justiça
.
A- O Princípio de Liberdade.
Ø Cada pessoa deve
ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja
compatível com um sistema de liberdades idêntico para os outros.
Ø Este
princípio defende a liberdade individual e esta tem de ser compatível com
a liberdade individual dos outros.
Ø Os Homens têm igual
liberdade na política, na justiça, na opinião, na propriedade, no respeito pela
dignidade humana - todos devem ter liberdades básicas iguais...
Ø Há igualdade nos
direitos e deveres básicos.
Ø O conjunto de liberdades
básicas para todos é condição necessária mas não suficiente para uma sociedade
justa.
Ø Este princípio nunca
deve ser quebrado sob nenhuma circunstância.
Ø Se há justiça, a liberdade deverá estar garantida, mas
muitas vezes a sociedade garante liberdades iguais mas predominam injustiças
decorrentes da lotaria natural e social.
Ø Para eliminar essas
injustiças, Rawls apresenta-nos o principio da oportunidade justa e o da
diferença.
B1 - O Princípio da Oportunidade Justa.
Ø As desigualdades
sociais e económicas devem ser distribuídas de forma a que estejam ligadas a
funções e posições abertas a todos em situação de igualdade equitativa de
oportunidades.
Ø Rawls não exclui as
desigualdades.
Ø Uma sociedade
justa admite a desigualdade desde que esta traga benefícios para a
sociedade e, principalmente, para os mais desfavorecidos.
Ø Este princípio
refere a igualdade nas oportunidades ou oportunidade justa.
Ø Todos têm o mesmo
direito a aceder a posições e cargos.
Ø Este princípio não é
suficiente para anular as desigualdades decorrentes de acasos naturais e
sociais, daí ele introduzir o princípio da diferença.
B2 - Princípio da Diferença
Ø As desigualdades
sociais e económicas devem ser distribuídas de forma a que propiciarem a maior
expectativa de beneficio às pessoas menos favorecidas.
Ø Este princípio
defende a distribuição desigual da riqueza, para que os mais
desfavorecidos sejam mais beneficiados.
Ø Os ricos devem dar
auxílios e contribuições aos mais pobres e devem combater o número de pessoas que
nascem mais desfavorecidas - o grande objectivo é contrariar a diferença entre
muito rico e muito pobre.
Ø Rawls defende que o
facto de alguns de nós nascermos com certos talentos ou socialmente mais
favorecidos não são merecidos (no sentido moral)mas um bem comum.
Ø Assim, quem ganha mais tem a obrigação de contribuir
para melhorar a vida das pessoas menos afortunadas natural e socialmente.
ESTES DOIS PRINCÍPIOS GARANTEM A COEXISTÊNCIA PACÍFICA DE UMA
SOCIEDADE JUSTA E SÃO HIERÁRQUICOS POIS SE SUCEDER UM CONFLITO ENTRE
OS DOIS PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA AS LIBERDADES BÁSICAS (PRINCIPIO DA
LIBERDADE) TEM PRIORIDADE ABSOLUTA SOBRE OS DOIS PRINCÍPIOS SEGUINTES
(PRINCIPIO DA DIFERENÇA E DA OPORTUNIDADE JUSTA).
Exemplo: a perda de liberdades básicas em nome de vantagens económicas não
tem sentido para o liberalismo de Rawls.
Importância dos dois princípios
Ø Os princípios são hierárquicos;
Ø A liberdade tem prioridade sobre o princípio
da diferença;
Ø Enquanto as exigências da liberdade
não estiverem satisfeitas, o outro princípio não pode ser invocado;
Ø Não há, porém, liberdades básicas
absolutas;
Ø Todas as liberdades básicas podem
ser limitadas, ajustadas e melhoradas;
Ø A liberdade, no entanto, só poderá
ser restringida se tal for benéfico para a própria liberdade;
Ø Em nenhuma situação a redução de
liberdades básicas pode comprometer o sistema global de liberdades iguais para
todos;
(…) Neste ponto os
dois princípios de justiça têm uma vantagem clara. As partes não só protegem as
suas liberdades básicas como obtêm uma garantia contra a ocorrência das piores
de todas as eventualidades possíveis. Não correm o risco de virem a ter de
consentir numa perda da liberdade para que outros possam gozar de um bem maior
(…).
(…) Quando os dois princípios são cumpridos, as
liberdades básicas de cada sujeito estão garantidas e, de um modo definido pelo
princípio da diferença, cada sujeito é beneficiado pela cooperação social.
Deste modo, é possível explicar a aceitação do sistema social e dos princípios
que ele cumpre através da lei psicológica de que as pessoas tendem a amar,
proteger e apoiar aquilo que defende o seu próprio bem. Dado que o bem de todos
é defendido, todos estarão inclinados a defender o sistema.
Quando o princípio da
utilidade é cumprido, no entanto, não existe a garantia de que todos
beneficiem. A obediência ao sistema social pode obrigar a que alguns, em
particular os menos favorecidos, devam renunciar a benefícios para que um bem
maior esteja à disposição do conjunto. (…) Mesmo quando não somos muito
afortunados devemos aceitar as maiores vantagens dos outros como uma razão
suficiente para termos expectativas mais reduzidas ao longo da vida. Trata-se
de uma exigência excessiva. (…) É evidente que os utilitaristas destacam o
papel da simpatia e da aprendizagem moral, bem como o lugar central da
benevolência, entre as virtudes morais. A conceção utilitarista da justiça é
ameaçada pela instabilidade, a não ser que a simpatia e a benevolência sejam
cultivadas de forma geral e intensa. Ao olhar a questão do ponto de vista da
posição original, as partes rejeitarão o princípio da utilidade e adotarão a
ideia mais realista de conceberem uma ordem social com base no princípio da
vantagem recíproca. Não devemos, evidentemente, supor que, na vida quotidiana,
as pessoas nunca fazem sacrifícios substanciais pelos outros, já que, movidas
pelos laços de afeição e de sentimento, tal ocorre com frequência. Mas tais
ações não são exigidas, em nome da justiça, pela estrutura básica da sociedade.
John Rawls, Uma
teoria da justiça, Editorial Presença, 2013, pp. 148-149.
Rawls e a desobediência civil.
Ø No desenvolvimento da
ideia do Contrato Social de John Locke, Rawls tem como funções:
Ø Organizar a sociedade
civil com base nos princípios da justiça;
Ø Harmonizar as liberdades
individuais com a igualdade
Ø Respeitar os princípios
de justiça.
Ø Se tal não
acontecer, Rawls assume a possibilidade de desobediência civil.
Ø A desobediência civil
consiste num movimento público não violento (manifestação,
desfile, ocupação de instituições…) que visa o não cumprimento da lei a
fim de provocar alterações na lei do governo.
Ø Para Rawls, este acto de
gravidade considerável deve ser bem ponderado e as suas consequências têm de
ser medidas. Nunca deve resultar anarquia e desordem de um acto de
desobediência civil.
Aspectos a ser ponderados quando a ela se
recorre
Ø Visto a desobediência
civil constituir um acto grave, é necessário ponderar as circunstâncias e
condições até onde pode ser justificada.
Ø A desobediência civil
pode ser aplicável se tiverem sido violados os dois princípios de justiça
(liberdade básica e diferença), se for a última alternativa, isto é,
se nenhum dos apelos feitos anteriormente resultou e se não houver riscos de
advir desordem ou anarquia com consequências negativas para todos (por exemplo,
o funcionamento normal das instituições deve ser respeitado).
O papel da
desobediência civil
Ø Só existe desobediência
civil numa sociedade quase justa. Se uma sociedade fosse totalmente justa,
todos os direitos dos cidadãos seriam assegurados e estes nunca teriam de
reivindicar.
Ø Assim, a desobediência civil vêm
contribuir para o melhoramento e aperfeiçoamento das leis de uma sociedade,
garantindo que todos os direitos dos cidadãos são cumpridos.
Ø É afastada a ideia de
anarquia e desordem se a desobediência civil for apenas usada como último
recurso e se foram ponderados todos os riscos.
Ø A desobediência civil é
um acto público.
A objecção de consciência.
Ø Trata-se de um acto
individual, pessoal e privado que consiste na recusa do cumprimento da lei
por motivos de consciência. O objector pode alegar motivos políticos,
ideológicos, morais religiosos, ambientais, …
Ø Por exemplo, recusar
realizar um aborto por parte de um médico é uma questão de objecção de
consciência por motivos religiosos. Por exemplo: a recusa de alguns militares
norte americanos em participar na guerra do Vietname.
Ø Para o objector de
consciência há o primado da consciência em relação à lei.
Ø É um principio de liberdade de consciência e,
por isso mesmo, uma questão ética.
Sintese:
Ø Rawls defende uma
teoria contratualista como resposta ao problema da organização de uma sociedade
justa.
Ø Rawls considera que
os princípios corretos de justiça seriam aqueles que seriam escolhidos num
acordo entre os interessados.
Ø Para descobrirmos
os princípios da sociedade justa devemos imaginar uma situação de
partida, Posição Original, hipotética, em que indivíduos racionais (contratantes
hipotéticos) estão a coberto de um Véu de Ignorância desconhecem a
sua posição na sociedade e as suas características particulares.
Ø A experiência
mental de situação original, sob um véu de ignorância, garante a
imparcialidade na escolha dos princípios.
Ø Na posição original
desconhecemos se somos homem ou mulher, qual a nossa raça, nacionalidade,
classe social ou projetos de vida ;
Ø
Não serão escolhidos princípios que favoreçam apenas alguns.
Ø Desconhecendo a
situação em que se encontram, os contratantes preferem maximizar o mínimo (Regra
maximin).
Ø De acordo com o contrato surgem 2 princípios: o principio da liberdade igual e um segundo principio da diferença que se subdivide em: princípio da oportunidade justa e princípio da diferença.
Pontos de contacto e divergência
entre as perspectivas de Rawls, Kant e
Stuart Mill.
Ø É notório o
afastamento entre a teoria utilitarista de Stuart Mill e a teoria
política de Rawls. Rawls critica a falta de um critério absoluto e
universal na definição de boas e más acções e o relativismo com o qual as
acções são tratadas.
Ø Para Rawls a felicidade tem o preço da justiça e não pode ser reduzida à ausência de dor.
Ø Por outro lado, Rawls tem como grande influência Kant. As suas teorias convergem na universalidade pois Rawls defende que aquilo que é bom para um tem de ser bom para todos através da Posição Original e Kant defende o mesmo princípio através do seu Imperativo Categórico (“Age sempre segundo uma máxima tal que esta se possa tornar lei universal”).
Ø Os pontos de vista destes dois filósofos são semelhantes também na forma como encaram o Homem. O Homem é para eles um ser livre, igual e fim em si mesmo.
Ø Ambos
apresentam teorias deontológicas baseadas no dever ser: a teoria
de Kant é moral e a teoria de John Rawls é uma teoria social ou de Justiça.
Criticas à Teoria
de Justiça de John Rawls.
Ø
Algumas objecções à teoria da Justiça de Rawls são:
Ø Incentivos- terão
as pessoas mais talentosas incentivos para trabalharem mais ou de forma mais
exigente?
Ø Esforço - Não
merecerão as pessoas que se esforçam mais, verem o resultado do seu esforço
recompensado?
Ø Correr riscos - como garantir que as pessoas colocadas na posição original optam pelo seguro? Porque não imaginar que algumas estarão dispostas a jogar e a correr riscos?
Então...
Ø Vários autores opõem-se
à ideia do autor de que nunca merecemos o beneficio retirado dos nossos
talentos e esforço.
Ø Rawls responde aos seus
críticos afirmando que, quer os talentos, quer a capacidade de lutar por
um objectivo são de tal maneira influenciados por factores naturais e
sociais que escapam ao controlo individual e que não faz sentido falar em
merecimento de recompensa.
CONCEITOS
Contrato Social: A teoria de Rawls é contratualista, isto é, fundamenta a legitimidade do funcionamento do Estado num acordo ou pacto entre indivíduos livres. Nesse acordo todos se comprometem autonomamente em troca da reciprocidade de benefícios.
Véu da Ignorância: Significa uma situação hipotética em que os homens teriam de escolher os princípios de uma sociedade justa sem saberem qual a situação particular em que se encontram. Deste modo sem nada saberem sobre a sua situação particular - sexo, condição sócio-económica, saúde, etc- poderiam escolher com imparcialidade.
Crítica ao utilitarismo, na medida em que esta teoria utilitarista, considera que a igualdade é justificada pelo bem que pode proporcionar a um maior número de pessoas, a posição de Rawls apela, pelo contrário, à qualidade intrínseca do valor da igualdade. A igualdade é uma condição humana primária, é um "a priori", garantido pela posição original do homem.
Posição original: Para descobrirmos os princípios da sociedade justa devemos imaginar uma situação de partida - Posição Original - hipotética, em que indivíduos racionais estão a coberto de um Véu de Ignorância desconhecendo a sua posição na sociedade e as suas características particulares. É equivalente ao Estado de natureza em que os indivíduos se encontram numa posição de igualdade uns em relação aos outros e têm os mesmos direitos básicos.
Equidade: Quer dizer que a igualdade se faz segundo a diferença, isto é, diminuindo as desigualdades iniciais de nascimento, condição social e sorte. Corresponde ao ideal de justiça de Rawls em que se pressupõe que, para a dar a todos o acesso igual aos bens primários, há que ter em conta estas diferenças iniciais e tentar equilibrá-las, pois se o indivíduo não tem responsabilidade moral por ter nascido pobre não deve ser penalizado socialmente por essa "lotaria".
"Maximin": significa maximizar o mínimo. Rawls considera que a coberto do "véu da ignorância", os indivíduos consideram mais justa a sociedade P, mais pobre mas mais igualitária em termos de distribuição de riqueza, do que a sociedade X, mais rica mas onde há grandes diferenças entre riquezas. Na sociedade X, os mais pobres são muito pobres e os ricos muito ricos, enquanto na sociedade P, mais justa os mais pobres são menos pobres e os mais ricos menos ricos, comparativamente.
Bens Básicos: São aqueles a que todos têm direito e devem ter acesso em condições de igualdade: liberdades, oportunidades, rendimentos e princípios de dignidade.
Princípios da justiça: Igual Liberdade para todos; Oportunidade justa (Igualdade de oportunidades) e Princípio da diferença; isto é, a justificação da diferença, por exemplo de rendimentos, se esta contribuir para a diminuição das desigualdades.
Hierarquização dos princípios: Em casos de conflitos entre os princípios da justiça, o princípio da liberdade igual é prioritário em relação ao princípio das oportunidades justas e este, por sua vez, prioritário em relação ao princípio da diferença.
Crítica ao utilitarismo: a teoria utilitarista, considera que a igualdade é justificada pelo bem que pode proporcionar a um maior número de pessoas enquanto que a posição de Rawls apela, pelo contrário, à qualidade intrínseca do valor da igualdade. A igualdade é uma condição humana primária, é um "a priori", garantido pela posição original do homem. Os utilitaristas defendem que devemos maximizar a felicidade geral, ora, é possível haver mais felicidade geral numa sociedade em que há uma minoria de pessoas que vivem muito mal, para que a maior parte delas viva muito bem, do que noutra sociedade em que todos vivem moderadamente bem.Exemplo: Imaginemos uma sociedade em que quase todos vivem bem e são felizes à custa da de meia dúzia de escravos - esta quantidade de felicidade pode ser maior do que numa sociedade em que não há escravos. Rawls não concorda pois esta situação viola o princípio da liberdade e da diferença (até porque cada um de nós pode estar do lado dos escravos). Isto não acontece quando se aplica a regra MAXIMIN.
Princípio da oportunidade justa: as desigualdades económicas e sociais devem estar ligadas a postos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade de oportunidades. De acordo com este princípio, deve-se promover a igualdade de oportunidades, e as desigualdades na distribuição de riqueza são aceitáveis apenas na medida em que resultam desta igualdade de oportunidades.
Princípio da diferença: a sociedade deve promover a distribuição igual da riqueza, exceto se a existência de desigualdades económicas e sociais gerar o maior benefício para os menos favorecidos. A ideia é que se as desigualdades na distribuição da riqueza acabarem por beneficiar todos, especialmente os mais desfavorecidos, então justificam-se.
(a) as partes não têm conhecimento de probabilidades;
(b) as partes têm aversão ao risco;
(c) as partes estão especialmente interessadas em garantir a exclusão de resultados absolutamente inaceitáveis.
MUNDO A - 10, 8, 2 MUNDO B - 6, 5, 5 MUNDO C - 9, 7, 3 |
Na posição original, com o véu de ignorância e seguindo a regra maximin, as partes escolheriam viver no MUNDO B, pois o pior que lhes poderia acontecer seria melhor do que nas outras sociedades. As partes, ao seguirem a regra maximin, olham apenas para os mais desfavorecidos, querendo-lhes oferecer as melhores condições possíveis.
Lola
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