segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Conhecimento em Platão



Teeteto de Platão


Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não nos contradizermos?
(…)
Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é infalível e tudo o que dela resulta é belo e bom.
(…)
Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem como a crença verdadeira não é conhecimento.
Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?
Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais indivíduos, com a sua arte, produzem convicção, não ensinando mas fazendo as pessoas acreditar no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra sejam capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou qualquer outro crime a ouvintes que não foram testemunhas?
Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.
Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto: Sem dúvida.
Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de factos que só uma testemunha ocular pode saber e mais ninguém, não é verdade que ao julgarem esses factos por ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa e dando uma sentença correcta?
Teeteto: Com certeza.
Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa, os melhores juízes não podiam ter uma crença verdadeira sem ter conhecimento.
Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão  é conhecimento e desprovida de razão , não.”

Platão, Teeteto

Tarefa 1:

 1. O que tenta demonstrar Sócrates?
 2. Qual a posição de Teeteto?
 3. Identifique e sintetize o argumento utilizado por Sócrates.
 4. Compare a definição inicial e final de conhecimento.
 5. Defina Crença, Verdade e Conhecimento.
 6. Identifique e explique o argumento de Sócrates sublinhado no texto.



Sugestão de respostas


 1. O que tenta demonstrar Sócrates? 
Sócrates tenta demonstrar que a crença verdadeira não é conhecimento.

 2. Qual a posição de Teeteto?
Defende que o conhecimento é uma crença verdadeira e infalível.

 3. Identifique e sintetize o argumento utilizado por Sócrates. 
Sócrates serve-se do exemplo dos oradores e advogados que, através da sua arte (oratória) são capazes de fazer com que as pessoas, que não testemunharam os factos, acreditem naquilo que eles querem, ainda que isso não seja verdade.
 
 4. Compare a definição inicial e final de conhecimento. 
Enquanto, inicialmente, Teeteto define o conhecimento como crença verdadeira, no final do diálogo, defende que o conhecimento é uma crença verdadeira racional e justificada.


 5. Defina Crença, Verdade e Conhecimento. 
- Acreditar é um estado mental ou psicológico de convicção ou de adesão a algo - a crença ocorre, portanto, na mente de alguém.
- Verdade é a adequação entre o que se afirma e a realidade. Ex. José Mourinho é treinador da Roma (crença verdadeira); José Mourinho é treinador do Liverpool (Crença falsa); 
Conhecimento - crença verdadeira e racionalmente justificada, segundo Platão. É necessário uma justificação que comprove a verdade da crença. Têm de existir boas razões que suportem a verdade da crença. Justificação é uma condição necessária para o conhecimento.

Nota:
Esta concepção de conhecimento em Platão designa-se por: DEFINIÇÃO TRADICIONAL DE CONHECIMENTO!

 6. Identifique e explique o argumento de Sócrates sublinhado no texto.
- O conhecimento não pode ser uma simples crença verdadeira;
-  Se uma simples crença verdadeira fosse conhecimento, os juízes que constroem crenças verdadeiras, conheceriam os factos que julgam e sobre os quais aplicam uma sentença. Ora, os juízes não conhecem os factos acerca dos quais decidem ( não estiveram no local do crime, por exemplo e necessitam de ouvir testemunhas).  Assim, uma simples crença verdadeira não é conhecimento.

Síntese
  • Platão defende que o conhecimento parte sempre de uma crença, de uma convicção.
  • Uma crença é uma atitude de adesão, é acreditar em algo.
  • Qualquer pessoa que sabe alguma coisa tem que acreditar nessa mesma coisa.
  • Para Platão, não podemos ter conhecimento de algo em que não acreditamos.
  • A crença é, portanto, a primeira condição necessária para o conhecimento, mas não é suficiente.
  • A crença é um ponto de partida para o conhecimento.
  • Se admitimos que existe a verdade temos que admitir que existe a falsidade.
  • A verdade ou a falsidade só existem relativamente a uma crença, opinião ou proposição.
  • A verdade ou falsidade de uma crença depende de algo exterior à crença.
  • Uma crença pode ser verdadeira ou falsa.
  • Uma crença falsa não poderá conduzir a qualquer conhecimento.
  • A segunda condição necessária para que ocorra o conhecimento é a verdade.
  • Para haver conhecimento, é necessário que uma pessoa acredite em algo e que este algo seja verdadeiro.
  • Contudo, podemos ter uma crença verdadeira e não se tratar de conhecimento, pois podemos ter uma crença e ela ser verdadeira por sorte ou por coincidência.
  • Assim, uma crença verdadeira ainda não é conhecimento.
  • Segundo Platão, é necessário que ocorra uma terceira condição para que haja conhecimento.
  • A terceira condição necessária para que aconteça o conhecimento é a justificação.
  • Uma opinião verdadeira só por si ainda não é conhecimento, é necessário que se possua uma justificação que comprove a verdade da crença.
  • A justificação consiste na razão (ou razões) que suporta a verdade da crença.
  • Platão defende que só quando estamos perante as três condições necessárias (crença, verdade e justificação) é que podemos afirmar estar na posse de um efectivo conhecimento.
  • Assim, só podemos conhecer aquilo que se pode justificar e não podemos conhecer aquilo que não é possível justificar.
  • Consideradas isoladamente, nenhuma das condições é suficiente para que haja conhecimento.


Tarefa 2

Assinale as afirmações V e F. Justifique as FALSAS.

1. Para Platão o conhecimento exige três condições necessárias.

2. Segundo Platão, a crença é uma condição suficiente para o conhecimento.

3. Segundo Platão, a verdade é uma condição necessária para o conhecimento.

4. Segundo Platão CRENÇA, VERDADE e JUSTIFICAÇÃO são condições necessárias e suficientes para haver conhecimento.

5. A concepção tradicional de conhecimento de Platão não suscita críticas.



Textos

«A crença é condição necessária do conhecimento.»

«Acreditar é um estado mental ou psicológico de convicção ou de adesão a algo. A crença ocorre, portanto, na mente de alguém. Mesmo que as crenças sejam acerca de objectos exteriores, nem por isso elas deixam de se encontrar apenas na mente do sujeito que acredita. Se digo que acredito que o Benfica será campeão no próximo ano, estou apenas a exprimir o que vai na minha cabeça, até porque aquilo que o Benfica conseguirá no próximo ano é algo que ainda nem sequer aconteceu.»

 (Aires Almeida e Desidério Murcho, «50 lições de filosofia, 11º ano » Didáctica Editora, pág. 108). .


Em «Os problemas da filosofia», Bertrand Russel escreveu:

 

«1. A teoria da verdade deve ser tal que admita o seu contrário, a falsidade. Alguns filósofos, e não poucos, deixaram de satisfazer adequadamente a esta primeira condição: construíram teorias segundo as quais todo o nosso pensar deveria ser verídico, o que os pôs nas maiores dificuldades para arranjar um lugar para a falsidade. A este respeito, deve diferir a teoria da crença da teoria da intimidade, já que no caso da intimidade não é necessário tomar em conta a existência de um contrário. » 

 

«2. Evidente parece que se não houvesse crença, nada poderia haver que fosse falso, nem tão-pouco haver verdade, no sentido em que a verdade é correlativa da falsidade. Se imaginarmos um mundo só de matéria, não haverá nele lugar para o falso; e, embora se contivessem nesse mundo aquilo a que podemos chamar "factos", não haveria nele verdade alguma, no sentido da palavra "verdade" em que esta última designa coisas da mesma espécie que as falsidades. O verdadeiro e o falso são, de facto, propriedades das crenças e das asserções; e, por isso, um mundo de pura matéria, não contendo crenças nem asserções, não teria verdades nem falsidades.»

 

«3. Cumpre, porém, observar em contraposição ao que acabamos de dizer aí que o verdadeiro e o falso de qualquer crença depende de algo exterior à crença.»

 (Bertrand Russell, Os problemas da filosofia, pág. 186-187,Arménio Amado, Editor Sucessor, Coimbra, 1974).


(…) a verdade ou falsidade de uma crença depende sempre de algo que está fora da própria crença. Se eu acredito que Carlos I morreu no cadafalso, acredito em verdade, não por causa de qualquer qualidade intrínseca da minha crença, que possa ser descoberta examinando apenas a crença, mas por causa de um acontecimento histórico que se deu há dois séculos e meio.

Se eu acredito que Carlos I morreu na cama, acredito falsamente: nenhum grau de vivacidade da minha crença, ou cuidado na formação da crença, impede que seja falsa, uma vez mais por causa do que aconteceu há muito tempo, e não por causa de qualquer propriedade intrínseca da minha crença. Logo, apesar de a verdade e a falsidade serem propriedades das crenças, são propriedades que dependem das relações das crenças com outras coisas, e não de qualquer qualidade interna das crenças".

 

                                                                               Bertrand Russel, 
Os Problemas da Filosofia 

Lola

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