Karl Popper e o Falsificacionismo
Falsificacionismo
O filósofo Karl Popper oferece uma
solução radical para o “problema da indução” de Hume e para a nuvem de dúvida
que este problema lança sobre as teorias científicas. De acordo com Popper, a
ciência não se baseia na indução, progredindo em vez disso através da
“falsificação” de teorias.
Eliminar o erro
Suponhamos que acredito que todos os
gansos são brancos. Mas depois, numa visita à Nova Zelândia, vejo um ganso
negro. A minha observação de que existe um ganso negro falsifica — quer dizer,
torna falsa — a minha teoria original de que todos os gansos são brancos.
Note-se
que aqui o raciocínio é dedutivo e não indutivo.
Observo que é verdadeiro que existe um ganso não branco. A verdade desta
afirmação implica que a minha teoria “Todos os gansos são brancos”. é falsa.
A
perspectiva de Karl Popper é que a ciência, em vez de progredir através de
teorias que são confirmadas indutivamente, progride na verdade
através de teorias que são falsificadas por raciocínio dedutivo. Os
cientistas constroem teorias a partir das quais deduzem certas consequências
que podem ser submetidas a testes. As teorias que não são falsificadas pelos
testes mantêm-se, as que são falsificadas põem-se de parte, construindo-se no
seu lugar teorias que escapam a essa falsificação. Também estas são depois
testadas e aquelas que se mostram falsas, postas de parte, e assim
sucessivamente. Note-se que, como a falsificação não envolve raciocínio
indutivo, o problema da indução de Hume é contornado. A concepção de Popper
sobre o modo como a ciência funciona em vez de resolver o problema da indução,
evita-o.
Encontrar boas teorias
A teoria de Popper não diz que são
igualmente boas todas as teorias que ainda não foram falsificadas. Algumas
teorias são melhores do que outras. O que faz uma teoria não falsificada ser
preferível a outra é o facto de poder ser mais facilmente falsificada. Mas o
que faz uma teoria ser mais facilmente falsificada do que outra? Uma forma de
uma teoria ser mais facilmente falsificada deve-se à sua maior abrangência.
Consideremos estas duas teorias acerca da gravidade:
Todos os objectos caem em direcção ao centro da Terra.
Em Londres todos os objectos caem em direcção ao centro da Terra.
A primeira teoria é mais abrangente.
Prevê tudo o que a segunda prevê e prevê ainda muito mais. Sendo que prevê
mais, é mais fácil de falsificar do que a segunda teoria.
Uma
teoria é também mais facilmente falsificada se fizer previsões mais precisas.
Consideremos a afirmação:
Todas as pessoas felizes usam cores brilhantes.
Trata-se de uma asserção bastante vaga.
O que é exactamente a felicidade e como podemos medi-la? Onde está precisamente
a fronteira entre ser feliz e não o ser? O que se deve considerar brilhante?
Estas e outras questões levantam-se assim que resolvemos testar a afirmação. E
é claro, dada a sua vagueza, alguém que esteja interessado em defendê-la pode
sempre fugir ao que parece uma falsificação, dizendo “Bem, não era propriamente
isso que queria dizer com “brilhante"”, ou “Esta pessoa não é propriamente
alguém que eu consideraria “feliz"”. A vagueza faz uma afirmação ser muito
mais difícil de falsificar.
Uma
teoria que faz previsões precisas e sem ambiguidades acerca de fenómenos
quantificáveis e mensuráveis é muito mais fácil de falsificar. Por exemplo, a teoria
de que todas as pedras pesam precisamente 500g pode ser facilmente falsificável
com a ajuda de uma simples balança. Os instrumentos de medida, como os
manómetros ou os termómetros, fornecem aos cientistas ferramentas eficazes para
testar as suas teorias.
Karl Popper sobre a ciência genuína
De acordo com Karl Popper, qualquer
teoria científica genuína será falsificável. Quer dizer, haverá uma possível
observação que poderá falsificá-la. Na opinião de Popper, uma teoria
verdadeiramente científica faz uma afirmação positiva acerca do modo como o
mundo funcionará. Corre o risco de ser falsa — o mundo pode não funcionar como
a teoria diz. As posições não falsificáveis não permitem fazer este tipo de
afirmações, pois são compatíveis com qualquer modo de ser do mundo, seja ele
qual for. Por isso, carecem de qualquer conteúdo empírico. Por exemplo, dizer
que “As esmeraldas são verdes ou não são verdes” é uma afirmação não
falsificável — o que quer que seja que observemos será compatível com a sua
verdade. Portanto, não é genuinamente científica. Popper sugere que esta é a
maneira de distinguir entre as teorias que são genuinamente científicas e as
que são apenas pseudocientíficas. As teorias genuinamente científicas são
falsificáveis. Teorias que dizem ser científicas, mas que não são
falsificáveis, são falsa ciência. De acordo com Popper, nem a teoria da
história de Marx, nem a teoria do inconsciente de Freud podem ser sujeitas ao
teste da falsificabilidade. Popper argumenta que qualquer que sejam os
contra-indícios que possamos recolher contra as teorias de Marx ou de Freud, há
sempre uma maneira de a teoria se lhes acomodar. Segundo Popper, estas teorias
não são más teorias científicas. Não são sequer teorias científicas.
Evitar o “ad hoc”
Suponhamos que acredito que “toda a
madeira arde”. Faço então uma encomenda de lenha e nenhum tronco arde. Esta
observação falsifica a minha teoria de que toda a madeira arde. Como posso
ripostar? Uma possibilidade seria emendar a minha teoria original para:
Toda a madeira arde excepto a que foi encomendada no
último Domingo.
Contrariamente à minha teoria original,
esta nova teoria não pode ser falsificada pela lenha recebida no Domingo. Mas
os falsificacionistas não consideram desejável este género de modificação.
Quanto mais falsificável melhor. Uma
teoria não falsificável que faz previsões precisas e mensuráveis é melhor do
que uma que é vaga e confusa. Instrumentos calibrados ajudam-nos a falsificar
algumas teorias.
E a razão disso é que se trata de uma
solução ad hoc (um termo do latim que significa “para este
propósito”). É inaceitável porque nada acrescenta à teoria original em termos
de consequências futuras testáveis — não posso, na verdade, dispor de outra
encomenda de lenha entregue no mesmo Domingo de modo a fazer um teste.
Porém,
nem todas as modificações são ad hoc. Suponhamos que observo que a
madeira que não arde está molhada. Posso testar amostras de madeira seca e
molhada para examinar se a minha nova hipótese é correcta.
Um
exemplo concreto de um desses raciocínios ad hoc liga-se à
teoria de Aristóteles de que todos os corpos celestes são perfeitamente
esféricos. Galileu desenvolveu um telescópio que mostrava a existência de
montanhas e vales na superfície lunar. Esta observação parecia falsificar a
teoria de Aristóteles, visto que parecia provar que pelo menos a Lua não era
perfeitamente esférica. Mas alguns tentaram defender a teoria de Aristóteles
modificando-a ligeiramente. Afirmaram que tem de existir uma substância
invisível que preencha os vales lunares até ao topo das montanhas. Portanto, a
Lua é, afinal de contas, esférica. Este desenvolvimento da teoria de
Aristóteles foi ad hoc porque nada acrescentou a essa teoria
em termos de possíveis consequências que pudessem ser testadas. Ninguém podia
fazer o que quer que fosse na altura para testar a existência ou não da dita
substância invisível. De modo algo sarcástico, Galileu afirmou então que essa
substância realmente existia, só que em cima das montanhas, fazendo com que a
lua fosse ainda mais acidentada do que parece.
Onde falha a falsificação
Uma dificuldade óbvia que se pode
levantar ao falsificacionismo é a sua aceitação da ideia de que não temos
quaisquer justificação para supor qualquer teoria científica como verdadeira.
Esta ideia é, no mínimo, altamente contra-intuitiva. Não seria preferível se
pudéssemos divisar outra solução para o problema da indução, uma solução que
nos permitisse evitar esta conclusão bizarra? É claro que, em resposta, o
falsificacionista pode insistir que não há uma solução melhor.
Outra
dificuldade é que o falsificacionismo não fornece uma descrição adequada do
modo como a ciência progride ou deve progredir. Tomemos, por exemplo, a teoria
de Copérnico de que a Terra se move em redor do Sol. Quando foi pela primeira
vez proposta, os críticos apontavam duas observações que pareciam falsificar a
teoria de Copérnico. Primeiro, se a Terra se move, um objecto que cai de uma
torre alta devia cair fazendo um ângulo e não a direito, pois se a Terra se
move durante o período da queda, o objecto devia cair a uma distância
equivalente relativamente ao ponto exactamente abaixo de foi largado. Porém, é
claro que os objectos caídos de torres caem sempre na vertical. Esta observação
parece imediatamente falsificar a teoria copernicana.
Segundo,
se a Terra anda em volta do Sol, as estrelas fixas deviam ter um movimento
aparente para trás e para diante ao longo do nosso campo de visão durante o
período de um ano (do mesmo modo que se olhássemos directamente para norte
andando à volta de um poste de iluminação, as casas ao longo da rua se moveriam
para trás e para diante ao longo do nosso campo de visão). Mas nenhum movimento
desse género, a paralaxe, foi observado. A não observação da paralaxe também
parece falsificar a teoria copernicana. Alguns tentaram defender a teoria
copernicana insistindo que as estrelas estão demasiado longe para que a
paralaxe seja detectada pelos instrumentos da época (o que se mostrou ser
verdade). Mas, é claro, foi um argumento ad hoc. Não havia nesse
tempo maneira de poder falsificar esta nova ideia sobre a distância das
estrelas fixas.
Apesar disso, a teoria de Copérnico não foi rejeitada e ainda bem. Os cientistas provaram nos anos seguintes que Copérnico estava certo e que ambas as objecções eram infundadas. Uma vez que o falsificacionismo implica que a teoria de Copérnico devia ter sido rejeitada, parece que o próprio falsificacionismo está errado, pois não consegue descrever correctamente o modo como a ciência funciona.
Mesmo que o falsificacionismo não forneça uma descrição correcta do modo como a ciência procede ou deve proceder, o teste da falsificação mantém a sua importância. Muitos teorizadores que se afirmam “científicos” são dificilmente falsificados porque não fazem previsões claras e sem ambiguidades. Como resultado, aconteça o que acontecer, podem sempre afirmar que as suas teorias não foram falsificadas. Os astrólogos, por exemplo, podem habitualmente sustentar que se mostrou que a sua previsão é verdadeira.
Stephen Law
Philosophy (Londres,
2007), pp. 179-189.
(O sublinhado é nosso)
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