quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Comunicação e Argumentação

O PROCESSO COMUNICATIVO E A ARGUMENTAÇÃO


O QUE É ARGUMENTAR? 
Em primeiro lugar, é um acto de comunicação, uma vez que toda a situação argumentativa é situação comunicativa. No acto de argumentação, qualquer ser humano partilha perante outros os seus pontos de vista, expõe as suas ideias e opiniões sobre um dado assunto. Sendo assim, no acto de argumentar, encontramos os mesmos elementos do acto de comunicar. A argumentação é uma técnica de comunicação que, como qualquer outro processo comunicativo, implica: um emissor ou orador ou falante; um receptor, ou ouvinte, ou auditório e uma mensagem (a matéria da comunicação ou da argumentação) – tese. Como no acto de comunicação argumentativa há intervenção de várias pessoas, podemos também acrescentar que a argumentação é um acto ou um fenómeno social.



Em segundo lugar, constatamos que o acto de argumentar é um acto quotidiano, um acontecimento de todos os dias, um evento que ocorre ou pode ocorrer várias vezes ao dia ( a experiência que temos da argumentação pode ser como espectadores ou como actores).
Em terceiro lugar, argumentar é um acto de razãode pensamento e de discurso. Acto de fala por excelência, o acto de argumentar implica a produção de enunciados, de teses, de opiniões, aos quais se juntam as respectivas justificações e explicações, recorrendo a exemplos, a provas ou a factos, a que podemos chamar, neste contexto, argumentos explicativos ou justificativos. E ao fazer intervir justificações, elementos de prova, em favor da tese defendida, a argumentação apresenta-se como um processo englobante de elementos racionais, em estreita ligação com o raciocínio e com as regras da lógica.
Em quarto lugar, salientamos que a verdadeira argumentação, desenvolve-se essencialmente à volta de temas-problemas sobre os quais recai a dúvida, sobre os quais não se verifica um consenso ou unanimidade, ou sobre os quais é possível defender a posição A e também a sua contrária, a posição B, havendo razões ou argumentos para sustentar tanto uma quanto a outra. Não discutimos obviamente sobre a verdade de afirmações do tipo: 2´3 = 6 ou o triângulo tem três lados.
Em quinto lugar, temos de reconhecer que ‘ o domínio da argumentação é o do verosímil, do plausível, do provável, na medida em que tal domínio escapa às certezas do cálculo.’ (Chaim Perelman – um dos autores que mais contribuiu no nosso século para a valorização da argumentação). Realmente, a maior parte dos problemas com que nos debatemos no nosso dia a dia, assim como as grandes questões com que se defronta a humanidade, recaem justamente sobre o incerto, o discutível, o preferível, o viável. Os grandes debates da actualidade sobre a pena de morte, a clonagem, o aborto, a eutanásia, o ambiente, a engenharia genética, etc., originam-se devido à necessidade de comunicação e argumentação entre os humanos para encontrar as respostas mais adequadas, mais consensuais e as soluções mais proveitosas.
  Na vida quotidiana quando falamos com outras pessoas, não estamos propriamente a fazer demonstrações, antes pretendemos convencê-las do bom fundamento das nossas ideias ou pontos de vista, queremos sim que adiram às nossas posições.

Então, que diferenças existem entre argumentar e demonstrar?

1º- O que é demonstrar?

Demonstrar é antes de mais apresentar provas lógicas irrecusáveis, é encadear juízos/proposições de tal modo que a partir do primeiro se é racionalmente constrangido a aceitar a conclusão.
A demonstração diz respeito à verdade de uma conclusão tida como consequência necessária das premissas. Se o raciocínio é conduzido em função da relação de implicação lógica em que um consequente deriva inevitavelmente de um antecedente, então a conclusão aparece com um carácter obrigatório.
Sendo assim, a demonstração é impessoal, pois qualquer sujeito lógico a pode realizar de modo igual; a sua validade em nada depende da opinião do sujeito que a executa.


Para a demonstração em nada interessa a situação existencial da pessoa que a faz, esta é exclusivamente uma ‘cabeça pensante’ que realiza rigorosamente deduções, segundo leis lógicas. Em nada interfere com a validade da demonstração, o facto de ser feita no século X, XX, ser feita em Macau ou em São Pedro do Sul.
A demonstração exige rigor, para tal, precisa de evitar os equívocos da linguagem natural, daí o recurso a linguagem artificiais (simbolismo), da lógica ou do cálculo, das quais em princípio se exclui toda a ambiguidade. A demonstração possui um aspecto formal, isto é, a validade das proposições resulta apenas da sua forma.


2º- O que é argumentar?

Para clarificar e delimitar o que é a argumentação, vejamos primeiro o que ela não é:



 « 1- Argumentar não é apenas afirmar uma ideia, uma opinião (...).
   2- Argumentar não é demonstrar, segundo as exigências da demonstração científica; esta, com efeito requer uma prova absoluta, perfeitamente rigorosa, situada no domínio do verdadeiro (...).
   3- Argumentar não é comandar ou ordenar no plano relacional.

                                                 R e J. Simonet (1990) L’Argumentation, Strtégie et Tactiques

Em contraposição, diremos que:

A – É provar e justificar o que se diz.
B – É apresentar provas relativas e aceitar uma margem de incerteza e de subjectividade.
C – É apresentar razões para convencer.

Argumentar é, portanto apresentar razões pró ou contra uma certa tese, é dar os ‘motivos’ racionais em que se funda uma determinada posição, para convencer alguém.
A argumentação visa provocar a adesão das pessoas a uma determinada conclusão ou tese que lhes aparece como razoável. A argumentação é, pois, pessoal, dado que o emissor dirige-se a indivíduos de quem procura obter adesão. Por isso coloca uma certa intensidade nos seus argumentos, variável em função do auditório a que se dirige.
Sendo assim, a argumentação é sempre situada, visto que para ser eficaz requer um contacto entre os sujeitos. A argumentação não pode por isso esquecer o contexto em que decorre pois, como é óbvio, se se pretende exercer uma acção, uma influência sobre o auditório, não se pode adoptar uma atitude impessoal, de distância ou de frieza. Sendo contextualizada, a argumentação pressupõe que os destinatários estejam dispostos a sofrer a influência ou acção do emissor e se este argumenta de um modo impessoalizado provoca uma reacção contrária àquela que deseja.
A pessoalidade e a contextualidade da argumentação obrigam a reconhecer que os auditores possuem as capacidades próprias das pessoas com quem se pode comunicar e, portanto, a relação que se estabelece terá de ser mais próxima e igualitária.
A argumentação implica assim, que se renuncie a relações de força. Se queremos captar a adesão intelectual dos destinatários, então, tem que se ter em conta as suas reacções, isto é, o discurso argumentativo tem de ser maleável, tem de se adaptar ao teor dessas reacções para que se possa estabelecer uma espécie de ‘corrente de simpatia’ entre o emissor e os destinatários. Por outras palavras, a argumentação não é um monólogo, mas um diálogo através do qual se predispõem pessoas a uma certa acção.
A argumentação usa a linguagem comum (linguagem natural) e, de preferência, adaptada, ou seja tendo em conta os receptores ou auditório. Não se pode obter adesão de ninguém usando uma linguagem incompreensível ou demasiado densa. Só com uma linguagem que seja ‘familiar’ aos receptores é que estes podem ser convencidos a aceitar uma determinada tese.
Na argumentação, uma tese é aceite não só por ser verdadeira ou falsa, mas também, por exemplo, porque é oportuna, útil, justa ou equilibrada. Deste modo na argumentação podem contrapor-se duas teses simultaneamente ‘verdadeiras’. Na argumentação, a opção por uma tese não obriga a que a outra perca o seu valor; o facto de a tese preterida conservar o seu valor possibilita que, a qualquer momento, se re-questione a opção feita, isto é, se conteste a tese admitida.
Deste modo, quando o objectivo é influenciar um auditório de modo a convencê-lo das nossas razões, levando-o a aderir aos nossos pontos de vista, parece claro que a intenção do orador não é demonstrar uma tese, mas persuadir, isto é convencer, argumentando de um modo convincente, mesmo que para isso tenha, às vezes, que desrespeitar as regras da lógica. Muitas vezes na tentativa de persuadir/convencer o auditório a aderir aos nossos pontos de vista, apela-se aos sentimentos, às emocões, aos desejos e necessidades do auditório e menos à razão e à inteligência. Mas para que a nossa argumentação seja persuasiva, seja uma boa argumentação, há que atender a alguns aspectos que se revelam necessários. 

 REFUTAÇÃO

Os discursos argumentativos, por diferentes que sejam, para serem argumentativos devem ser abertos, isto é, permitir que qualquer pessoa possa sempre recusar a sua conclusão.
Um discurso só é argumentativo se for susceptível de contra-argumentação e de refutação. Por conseguinte, argumentar, para além de implicar apresentar provas, razões, argumentos, em favor de uma tese proposta, é também refutar (rebater, demolir, contradizer) o ponto de vista oposto.
A refutação faz então parte integrante da argumentação. Se à partida já se sabe que a argumentação é passível de ser objectada, que pode levantar resistências no auditório a quem se destina, então a argumentação deve prever a contra-argumentação e incluí-la na sua própria estratégia. Tal como numa fábrica de automóveis se simulam situações de acidentes para testar a segurança dos modelos a serem lançados no mercado, assim também na argumentação se ‘simulam’ contra-argumentos adversos para testar a força dos argumentos próprios, para testar a sua resistência às objecções.
Refutar é rebater argumentativamente uma determinada tese, recorrendo a contra-argumentos e a contra-exemplos, tentando mostrar que a tese em questão é falaciosa ou contrária a determinados princípios e  valores..

 « Qual o estatuto da refutação? (...)

     -          toda a refutação é um modo de negar um argumento;
     -          toda a refutação pertence, ela mesma à panóplia dos argumentos;
     -          toda a refutação depende, em grande parte, do argumento ao qual 
   responde;
     -          toda a refutação tem um carácter predominantemente improvisado, 
   portanto, menos elaborado que a argumentação propriamente dita.
   Deste modo, no decurso de uma discussão, o argumentador ataca e defende.
   Chama-se refutação, a resposta a um argumento que se pretende contrariar. 
   A refutação coloca o interlocutor na posição de contra-refutação. Finalmente, 
    o que caracteriza o estatuto da refutação é a sua forte dependência de um
    enunciado prévio. A refutação não é mais do que um ‘argumento de reenvio’.
   Quando as sequências argumentativas são desenvolvidas, as refutações 
    podem ser construídas. Isto exige escutar, pensar e preparar a resposta. 
   Este trabalho intelectual é delicado. Para o realizar bem pode organizar-se 
   assim:
   1º Escutar e tomar notas dos argumentos adversos;
   2º Intervir reformulando-os sumariamente com o acordo do interlocutor 
(‘se compreendi bem...’);
3º Enunciar a refutação essencial que se constituiu;
4º Desenvolver a argumentação de suporte em função da reacção adversa;
5º Concluir repetindo o essencial da refutação. »

FALÁCIAS DE ARGUMENTAÇÃO

Na tentativa de ganhar a adesão dos outros para as nossas convicções, também utilizamos estratégias argumentativas consideradas falaciosas. Vejamos alguns exemplos:

ARGUMENTUM AD HOMINEM – ATAQUE PESSOAL:

 Esta falácia comete-se quando alguém tenta refutar o argumento de uma outra pessoa atacando não o argumento mas sim a pessoa. Em vez de uma contra-argumentação (oposição de um argumento a outro), temos um ataque pessoal, ou seja, em vez de apresentar razões adequadas ou pertinentes contra determinada opinião ou ideia, pretende-se refutar tal opinião ou ideia, censurando, desacreditando ou desvalorizando a pessoa que a defende. Consiste em atacar o adversário, sem contudo discutir o que está em causa. Ataca-se o homem e não as suas ideias. O ataque pode ser feito em razão da idade, da raça, do seu passado, dos seus hábitos e costumes, da sua profissão, da religião que professa, etc.
 Exemplos:
 ‘Esse senhor diz que presenciou o crime! Mas que confiança nos pode merecer um pobre bebedolas?’
‘ Agradecemos muito os conselhos do presidente do seu partido. Mas ele é ainda muito novo! Que cresça e apareça!’
‘ Você diz que o futebol português está mal, mas eu digo-lhe que a sua opinião não merece crédito porque você está é muito mal disposto e desiludido com os resultados do seu clube.’

« Os julgamentos nos americanos dão-nos muitas vezes exemplos de ataques pessoais destinados a desacreditar as testemunhas aos olhos do juíz. Por exemplo, no caso de O. J. Simpson, o advogado de acusação referiu-se a uma testemunha de defesa, Ronald Shipp, dizendo que tinha cometido adultério. Não se conseguiu encontrar nenhuma evidência acerca do que o advogado dissera e o que interessa para o nosso caso é que a verdade ou a falsidade do seu testemunho não dependia em nada de ser ou não infiel à sua mulher. O objectivo de tal ataque sem escrúpulos era criar nos jurados, dúvidas sobre o testemunho de uma pessoa que aparentemente era moralmente condenável.»        
W. Ward Fearnside, About Thinking 

ARGUMENTUM AD VERECUNDIAM – APELO A AUTORIDADE NÃO QUALIFICADA: 

Quando, para provarmos a verdade de uma certa ideia ou conclusão, nos apoiamos na reputação de uma pessoa que não é uma autoridade nem um especialista no assunto em causa, ou na opinião da maioria, cometemos a falácia do apelo à autoridade não qualificada.

É evidente que em muitos assuntos, o nosso saber é nulo ou ninadequado e por isso recorremos a quem julgamos ser especialista ou autoridade na matéria: consultamos advogados, médicos, professores, livros, enciclopédias, etc. O necessário recurso à autoridade e ao testemunho de outros, envolve riscos. Com efeito, sabemos que para resolver um problema que afecta o nosso bebé, a autoridade indicada é um pediatra e não um físico. Mas nenhum pediatra é infalível. Por isso, quando argumentamos que dada conclusão é correcta com base no facto de que uma autoridade ou especialista na matéria em causa chegou a essa conclusão corremos o risco de ser falaciosos.. Devemos ser prudentes e não declarar essa conclusão necessariamente verdadeira mas simplesmente digna de confiança dada a reputação e competência de quem a atingiu.
Se mesmo as autoridades legítimas não estão ao abrigo da dúvida (e inclusive acerca de um mesmo assunto, os especialistas têm posições opostas ou mesmo divergentes) há, contudo, casos, em que o apelo à autoridade é claramente falacioso ou abusivo. É o caso quando estrelas de cinema, desportistas consagrados e músicos famosos são apresentados como autoridades em produtos como dentífricos, pastilhas elásticas, shampôs, seguros automóveis, iogurtes e outros assuntos que, salvo raríssimas excepções, estão fora do campo das suas comprtências.
Exemplos:
‘ F. Nietzsche, grande filósofo alemão, disse que o Cristianismo foi o acontecimento mais funesto da história europeia. Logo, o Cristianismo foi uma desgraça.’
‘Pete Sampras, o maior tenista do mundo, afirmou que as máquinas de barbear Bick, são as melhores. Logo, é verdade que não há melhor máquina de barbear.’


ARGUMENTUM AD BACULUM – APELO À FORÇA

A falácia do apelo à força, verifica-se quando quem argumenta a favor de uma conclusão, sugere ou afirma que algum mal ou algum problema acontecerá a quem não a aceitar. Portanto, este tipo de argumentação baseia-se em ameaças explícitas ou implícitas ao bem estar físico e inclusive psicológico do ouvinte ou do leitor seja ele um indivíduo ou um grupo de indivíduos.

Exemplos:

‘As minhas opiniões estão correctas porque mandarei prender quem discordar de mim.’
‘Permitam-me que vos lembre, caríssimos deputados, que o vosso voto a favor da legalização do aborto é inaceitável. 80% dos votantes no nosso círculo eleitoral são católicos e não vão esquecer a patifaria que vocês fizeram.’
‘ Mereço um aumento de salário para o próximo ano. Além de mais, sabe como eu sou amiga da sua mulher, chefe, e tenho a certeza de que você não gostaria que ela viesse a saber das suas reuniões de trabalho com aquela rapariga que conheceu no ano passado.’
‘ Porta-te com juízo...se não, já sabes como elas te mordem!




                                               Lola 




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