O
homem sujeito de múltiplas possibilidades
Texto
“A deficiência física
(o facto de ter nascido sem braços e sem pernas) não constituiu obstáculo para
uma vida normal. Aliás, normalidade é o lema pelo qual pauta a sua existência.
A diferença caracteriza-o, mas não o define. Eu nunca quis ser olhado como coitadinho,
sublinha repudiando esse rótulo.
Aos 27 anos, Paulo
Azevedo cumpre o objectivo que sempre o mobilizou: ser actor. Integra o elenco
da novela Podia acabar o mundo onde
dá corpo ao advogado Raimundo. Está a ser
uma experiência muito positiva, diz. As expectativas que depositou não
saíram defraudadas. O actor revela ter ainda um projecto no cinema. Fui seleccionado para um filme, mas nada
posso adiantar. Admite saudades do teatro e se alguém o aliciar, não
descarta a hipótese. Com uma condição: Não
se tratar de algo que enfatizasse a minha fragilidade. Recentemente
mergulhou nos meandros da literatura escrevendo um livro: Paulo Azevedo – Uma
vida normal”.
Jornal de Notícias,
30 de Novembro de 2008
1 – Partindo
do texto, confronte determinismo e liberdade enquanto formas de interpretar
o agir humano.
2 – Sabendo que toda a acção humana é
condicionada, poderá o homem continuar a afirmar que é um ser capaz de
livre-arbítrio? Justifique.
1 – Paulo
Azevedo é um ser humano extraordinário. Nasceu com um conjunto de limitações
físicas mas isso não o impediu de querer ultrapassá-las, já que, como sabemos o
homem é o único ser com capacidade de ultrapassar obstáculos criando novas
possibilidades no seu agir: apesar de não ter mãos, parte dos braços nem pernas
ele rejeita ser apelidado de coitadinho.
Enfrenta uma sociedade de preconceitos e recusa viver de subsídios de invalidez
ou de esmolas. Perante essa situação poderemos pensar que o Paulo (seguindo o
determinismo) ficaria imobilizado no seu aspecto físico e entenderia que a
nossa vida está pré-determinada por uma força abstracta (o destino) ou divina
(Deus quis assim) mas ele como ser livre que é encontrou outras possibilidades
no seu agir e assim, projectou o seu futuro de forma criativa, inventiva, fez
novas escolhas, tirou um curso de treinador de futebol, frequentou o curso de
jornalismo na Universidade de Coimbra, lutou pela namorada que teve a oposição
feroz dos pais, quer fazer teatro, é actor numa novela, escreveu um livro, joga
futebol, pratica desportos radicais e natação. Paulo Azevedo é um exemplo de
que o homem é um ser inacabado, livre, responsável, aberto ao futuro, capaz de
vencer barreiras (condicionantes) que mais que o limitar devem para que, cada
vez mais, termos consciência de que somos seres projectivos – um projéctil.
2 – Sim. Só o homem é um ser dotado de livre-arbítrio, ou seja, tem
capacidade de se elevar acima das suas determinações biológicas, sociais,
culturais e históricas em que vive. Porque é um ser de livre-arbítreo, o homem
assume-se como ser inteligente, racional, com projectos, planos, com valores
éticos e morais. Livre-arbítrio pode ser entendido como a vontade de um sujeito
livre, consciente e responsável capaz de escolher entre o Bem e o Mal. A
liberdade, no sentido de livre-arbítrio tem, inevitavelmente, limites. Há
realidades que não dependem da nossa vontade. Não podemos sair do sistema
solar, não podemos viver duzentos anos nem estar em dois lados ao mesmo tempo.
Há determinismos insuperáveis. Mas temos de ter consciência de que o facto de
sermos livres não significa que possamos obter algo de forma absoluta. A
liberdade consiste em escolher dentro do possível e não se poderá confundir com
omnipotência (que significa poder divino).Se há aspectos que dependem da nossa vontade,
há, no entanto, outros que não. O homem que é um ser inacabado, constrói-se a
si próprio a partir das características biológicas e das influências culturais.
A liberdade humana não é absoluta, é situada, contextualizada e condicionada
por factores físicos, biológicos, socioculturais e pessoais. No nosso agir há
limites legais, morais e absolutos pois somos seres imperfeitos e finitos.
A quem interessar...
U
Paulo Azevedo nasceu sem mãos e sem pernas em Outubro de 1981.
Nessa altura ainda não havia ecografias em Portugal e,
por isso, a família soube das características do bebé apenas depois do
nascimento. A dúvida sobre o que poderá ter causado a malformação persiste
até hoje.
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Depois do choque inicial, a família mais
próxima iniciou com Paulo um longo e díficil
caminho para uma vida normal.
Durante longos meses percorreram centenas de quilómetros
entre a Redinha, em
Pombal, e o centro de reabilitação de Alcoitão, em Sintra.
Contrariaram os presságios mais negros que
diziam que a criança nunca conseguiria sequer
sentar-se, muito menos andar
com próteses.
O rapazinho com quem a mãe ralhava por
esconder os braços debaixo da mesa cresceu depressa.
Aprendeu que a ironia é a melhor forma de
combater o desconforto perante a diferença.
Paulo Azevedo tem hoje 26 anos e é uma
pessoa absolutamente autónoma.
Já foi treinador de futebol, mas agora sonha
com outros palcos.
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Lola
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