25 de Abril - O envelope
O meu pai Zé tem cerca de oitenta e cinco anos e é reformado da
Polícia de Segurança Pública do Porto.
A minha meninice pré-liberdade continua marcada por um acontecimento, na altura, incompreensivel mas que ganhou todo o sentido com o fim da ditadura!
Aparador antigo |
A minha meninice pré-liberdade continua marcada por um acontecimento, na altura, incompreensivel mas que ganhou todo o sentido com o fim da ditadura!
Antes do 25 de Abril, na casa dos meus pais, no Porto, e em determinados dias que eu desconhecia o porquê, o meu pai, trazia de véspera, para casa, um pequeno envelope branco que colocava, com muito jeitinho, em cima da cristaleira - móvel
que juntamente com o aparador, decorava quase todas as salas de jantar da época.
Eu que era uma criança curiosa e sempre atenta a algo de diferente que viesse para casa, ficava admirada de ver ali
algo de novo e aproximava-me, em bicos de pés, para lhe tocar, desejo este prontamente reprimido pela minha mãe que, num tom imperativo, dizia:
- Não se pode mexer, é o voto do pai!
E o meu pai, no dia seguinte, levava o envelope que eu jà sentia familiar embora intocavel por ficar tão bem encostadinho à parte superior da cristaleira ou do aparador e muito afastado do alcance das duas crianças là de casa!
O meu pai sempre votou!
Cristaleira antiga |
E o meu pai, no dia seguinte, levava o envelope que eu jà sentia familiar embora intocavel por ficar tão bem encostadinho à parte superior da cristaleira ou do aparador e muito afastado do alcance das duas crianças là de casa!
O meu pai sempre votou!
A imagem do envelope ficou sempre registada nas minhas memorias de infância ingénua e modesta mas muito, muito tranquila!
Hoje, em momentos de eleições os meus filhos perguntam-me, com uma certa frequência, quando estão frente à televisão a ver os resultados:
“Em quem votaste? Quem queres que ganhe?”
Hoje, em momentos de eleições os meus filhos perguntam-me, com uma certa frequência, quando estão frente à televisão a ver os resultados:
“Em quem votaste? Quem queres que ganhe?”
Efectivamente, eu, hoje, escolho livremente em quem votar e, se entender, nem sequer vou votar.
O meu pai Zé também votava, ou melhor, era obrigado a votar, mas não
conhecia o conteúdo do envelope porque, e ao contrário da imagem, o envelope
que o meu pai Zé ía colocar na urna de voto chegava e partia de casa já fechado e o meu pai tinha
de o levar exactamente como lhe foi entregue - misteriosamente fechado.
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