Discurso de Revolta
O meu
país não é deste Presidente, nem deste Governo
Alexandra Lucas Coelho recebeu
nesta segunda-feira o prémio APE pelo romance E a Noite Roda. Este
é o texto do discurso que fez, no qual critica o actual poder político.
Quero
agradecer em primeiro lugar à equipa da Tinta da China, minha casa, Bárbara
Bulhosa, Inês Hugon, Vera Tavares, Madalena Alfaia, Rute Dias, Pedro Serpa.
Agradeço em seguida ao júri que
atribuiu este prémio: Manuel Gusmão, Luís Mourão, Clara Rocha, Ana Marques
Gastão e Isabel Cristina Rodrigues, a quem coube hoje ser porta-voz, com uma
apresentação cuidada e surpreendente de E a Noite Roda. Não conheço
pessoalmente a maioria dos jurados. Ter-me- -ei cruzado um par de vezes com Ana
Marques Gastão e entrevistei há uns 13 anos Manuel Gusmão. Sendo uma honra a
decisão deste júri, a presença nele de um poeta que tanto admiro, e trago
comigo, é umaalegria. Isto, para usar a palavra que mais associo a
Manuel Gusmão, num daqueles versos que se tornam língua geral, lugar-comum a
todos, contra todas as evidências em contrário.
Não chega dizer que foi uma
surpresa a atribuição do prémio. Começou por ser uma grande surpresa a
nomeação, que aconteceu pouco depois de outra: para o prémio do PEN. E
a Noite Roda não tinha sido dos meus livros mais bem recebidos pela
crítica, nem mais vendidos. Passara um ano e meio sobre a publicação, já nem se
encontrava nas livrarias. Eu estava ocupada com a saída de um novo livro, Vai
Brasil, e a organizar-me para retomar a escrita de um novo romance, situado
no Rio de Janeiro. Se a nomeação para o PEN já me espantara, a do APE
pareceu-me quase inverosímil. Para mais, o naipe de finalistas era não menos
que excelente: um dos grandes prosadores da língua portuguesa, Mário de
Carvalho; dois autores próximos da minha geração que sigo com respeito,
Patrícia Portela e Afonso Cruz; e um poeta, dramaturgo e novelista que é dos
meus mais queridos amigos, Jaime Rocha. Fico muito contente por ele estar aqui
hoje. Fosse eu a decidir, o prémio seria dele, e da sua novela A
Rapariga sem Carne. Foi isso que senti ao saber da nomeação.
Semanas depois, estava eu sentada
no carro da minha editora, Bárbara Bulhosa, quando me ligam da APE a anunciar a
decisão do júri. Pânico, seguido de alerta: está a brincar comigo, certo?,
perguntei ao cavalheiro do outro lado da linha, que se apresentara como José
Correia Tavares, presidente do júri sem direito a voto. Ele assegurava que não
e dava detalhes, que o júri se reunira três vezes, que a decisão fora por
unanimidade, e por aí fora até que eu já não estava a ouvir, porque só pensava
que aquilo não podia ser a sério. E nos momentos em que acreditava que era,
voltava o pânico: aquilo não me podia estar a acontecer. Como assim o prémio
APE para este romance: um primeiro romance e este romance?
Antes que eu começasse a explicar
ao interlocutor que estava enganado, a Bárbara decidiu intervir, dando-me
ordens em surdina: que aceitasse, que agradecesse, muito obrigada. E subimos
para um consultório, que era ao que íamos, acabando com a paz da recepcionista,
porta-dentro, porta-fora, mal começaram os telefonemas.
Ninguém ainda se tornou dono do que é, ou não chega a ser, um romance, e é
por isso que continua a ser interessante fazer romances, e que cada um faça o
seu
Recentemente, a Tinta da China
fez uma edição de bolso de E a Noite Roda, de que gosto mais do que
a primeira, como objecto. Gosto do tamanho, dos cantos redondos, da capa mole.
É maneira, como dizem os brasileiros. Mas nem a folheei, custa-me olhar para o
texto. Na Tinta da China, a Inês Hugon e a Madalena Alfaia, que com uma
paciência oriental asseguram as revisões, sabem como por mim ficava a cortar provas
até à décima, porque mal entrego o livro já não o posso ver, tudo me parece
mal, as bengalas, os tiques, o excesso.
Sendo a minha primeira
experiência de romance, sinto essa distância de hoje em relação ao texto
de E a Noite Roda mais do que em relação a qualquer outro
livro meu, talvez porque nos outros a linguagem esteja mais estabilizada num
território com regras.
O que me interessa no romance não
é o género, mas a ausência de género. Não é poesia e pode ser poesia, não é
reportagem e pode ser reportagem, não é viagem e pode ser viagem, não é teatro,
cinema, música, arquitectura, agricultura, cosmogonia, correspondência,
folhetim, banda desenhada, arquivo, e pode ser tudo isso. Um romance é a
liberdade em extensão. Um território de experimentação com um fôlego
considerável, que ninguém conseguiu ainda circunscrever além disto: prosa,
criativa, de extensão longa, escrita para ser lida.
Uso a palavra romance, não uso a
palavra ficção. Tenho dito e repetido — porque a um jornalista que escreva
romances pergunta-se isso continuamente — que o que distingue o jornalismo e a
literatura não é um ser real e a outra ficção, mas sim um ser um campo sujeito
a regras estabelecidas e a outra, idealmente, inventar as suas próprias regras.
Por isso, interessa-me pouco o
debate sobre o que neste romance ainda é jornalismo ou já é romance, ainda é
real ou já é ficção, como se houvesse uma espécie de grau de pureza, que é
sempre o princípio de um pensamento autoritário. Ninguém ainda se tornou dono
do que é, ou não chega a ser, um romance, e é por isso que continua a ser
interessante fazer romances, e que cada um faça o seu. Na verdade, neste campo,
quanto à criação, não há outro lema em que me reconheça tanto: que cada um faça
a sua coisa. Faça o que tem a fazer, contra tudo, contra todos: crime e
castigo, doença e cura, transmigração da alma ou biografia derradeira.
O que me levou a fazer este
romance? O que o distinguia dos livros anteriores? A possibilidade de um
território sem regras para o qual eu transportasse vários materiais
biográficos: amorosos, políticos, sociais, profissionais. O texto agora
entregue a si mesmo, inventando as suas regras, é que estabeleceria a transição
para o romance. Um não-género fazendo uso de vários géneros, incluindo a
reportagem.
Jerusalém era uma coisa minha,
Gaza era uma coisa minha, a experiência de cobrir o conflito
israelo-palestiniano era uma coisa minha, eu queria transportá-los para o campo
literário porque me interessa transportar para o campo literário tudo o que a
experiência tenha tornado coisa minha. Dito de outra forma, aquilo que é a
identidade em movimento.
Não é diferente do que fará um
médico que escreva romances (ou um arquitecto, um historiador de arte, um
diplomata, um advogado, um professor, um burocrata), sempre com menos
explicações do que as que são cobradas a um jornalista. Nunca começarei a
entender porque se estranha que alguém cujo trabalho é escrever decida escrever
outras coisas.
E a Noite Roda não é sequer o melhor
romance que eu podia ter escrito entre 2010 e 2011, os meus últimos meses em
Portugal e o meu primeiro ano no Brasil. Não foi, certamente, o que muita gente
achava que eu devia ter feito. É apenas o que eu precisava de fazer naquele
momento para sair do ponto em que estava. O importante não será fazer o melhor
que sabemos, mas o que precisamos de fazer, mesmo não sabendo, para sair do
nosso limite. Aquilo que nos desloca se estamos fixos, que nos fixa se estamos
deslocados.
Recentemente, numa entrevista,
perguntaram-me quem gostaria eu que escrevesse a minha biografia. É uma
daquelas perguntas a que só podemos responder desabridamente. Respondi que
esperava que as personagens tratassem do assunto e não sobrasse nada. Penso
nisso como uma espécie de teia de Penélope em que o autor se vai construindo nos
livros, ao mesmo tempo que desaparece na vida.
Tudo o que faço é biografia,
idealmente cada vez mais real, independentemente de as personagens tomarem as
minhas circunstâncias, como acontece em E a Noite Roda, ou não
tomarem de todo, como acontece no romance que estou a escrever. Ninguém
pergunta a um poeta se o que está no poema é real ou ficção. Aquilo é o que é,
é dentro da cabeça dele.
O que cada um vive é seu
património inalienável, seu único real património, e é seu direito fazer disso
o que quiser, na intersecção com os outros e o mundo, tendo como único limite,
para mim, não devassar o património de um outro, de forma reconhecível
publicamente.
De resto, o criador não deve
conhecer limites e quanto mais escuro, mais difícil e mais indevassado melhor.
Aquilo que não se pode escrever é o que há a escrever, é o que falta. Não
estamos cá para nos repetirmos nem para nos pouparmos. Pouparmo-nos para quê?
Não acredito na vida além da vida.
Sempre quis escrever, desde que
me lembro. Os livros tinham todas as vidas. Passei a adolescência a ler
romances. Lia os portugueses, os franceses, os ingleses, os russos, os alemães,
mais tarde os americanos, os japoneses, os levantinos. O mundo não acabava, eu
lia e queria sair pelo mundo. O jornalismo era a possibilidade disso, uma bela
possibilidade quando eu tinha 17 anos e as rádios piratas explodiam, ainda nem
havia TSF, nem PÚBLICO, nem telemóveis, nem computadores pessoais. A minha
geração viveu essa promessa de aventura no trabalho, que hoje parece
arqueológica.
Só fui ler poesia compulsivamente
depois dos 20. E a poesia, como a rádio, mudou, moldou a minha relação com a
escrita. Questão de som, de ritmo, mas também de montagem, de elipse. Não que
escrever poemas fosse a minha coisa, tentei, não era. Ler poemas, sim, seria
parte do que eu tinha para escrever.
Sempre achei que seria uma
questão de tempo começar a fazer livros, e acabei por publicar o primeiro aos
39 anos. Como seria uma questão de tempo o romance chegar. Não há abandono de
uma coisa por outra, não deixei de ter na cabeça livros de viagem, reportagem
ou crónica, entre os vários romances que quero fazer. É o jardim dos caminhos
que se bifurcam, para citar um daqueles autores que sempre admirei à distância,
porque Borges é de outra galáxia, de um mundo, digamos, não-carnal. Sou mais do
lado Moby Dick, até ao trespassar da última carne, a do caçador. Moby Dick
agora sem género, ou transgénero. Moby Dick-Orlando, homem e mulher, humano e
animal, deus e demónio. Um Moby Dick antropofágico, depois de ter morado no
Brasil.
Não me interessa a fuga,
interessa-me o confronto, o embate, o arpão no corpo que sempre fugirá.
Chamemos-lhe Moby Dick – ou amor – ou real. A vida verdadeira que é estar aqui
a desejar além. A pulsão da guerra, qualquer espécie de guerra, é a sobrevida:
vida conquistada à morte.
Nenhuma arte é panfleto, se é
panfleto, não era arte. Ao mesmo tempo, toda a arte é política, no sentido em
que não existe sem um outro, que pode ser apenas um. O determinante não é que
sejam muitos, mas que exista uma relação. Que algo actue entre um e outro.
Este livro é político, como todos
os que fiz, como tudo o que faço, pelo simples facto de me pôr em relação com
outros. Estar aqui hoje é político, falar em público é político. Onde há um
colectivo há política.
O meu feitio seria mais não
estar, mas encaro isto como parte de um trabalho que aceitei fazer desde que
comecei a publicar, por acreditar que podia, devia, contribuir para os livros
chegarem a mais alguém, respeitando eu tanto quem se recusa a fazer isso como
quem o faz, por razões que são de cada um e de mais ninguém.
A minha opção é política,
digamos. Uma forma de participação, de agir além da militância partidária. A
militância não é a minha coisa, ainda bem que é a coisa de pessoas que admiro,
entre as quais conto amigos. A minha coisa é escrever, falar dos livros,
conseguir fazer disso uma acção.
Estou a voltar de três anos e
meio a morar no Brasil. Um dia, a meio dessa estadia brasileira, pediram-me que
gravasse um excerto de um conto de Clarice Lispector para o site do Instituto
Moreira Salles. Era um conto em que a protagonista era portuguesa, daí o
pedido, que a voz coincidisse com o sotaque. Como detestei aquela portuguesa do
conto da Clarice. Tudo na boca dela era inho e ito. Era o Portugal dos
Pequenitos com a nostalgia das grandezas. Aquele que diz “cá vamos andando com
a cabeça entre as orelhas”, mas sofre de ressentimento. O Portugal que durante
40 anos Salazar achou que era seu, pobre mas honesto-limpo-obediente, como
agora o Governo no poder quer Portugal, porque acha que Portugal é seu.
Estou a voltar a Portugal 40 anos
depois do 25 de Abril, do fim da guerra infame, do ridículo império. Já é mau
um governo achar que o país é seu, quanto mais que os países dos outros são
seus. Todos os impérios são ridículos na medida em que a ilusão de dominar
outro é sempre ridícula, antes de se tornar progressivamente criminosa.
Entre as razões por que quis
morar no Brasil houve isso: querer experimentar a herança do colonialismo
português depois de ter passado tantos anos a cobrir as heranças do
colonialismo dos outros, otomanos, ingleses, franceses, espanhóis ou russos.
E volto para morar no Alentejo,
com a alegria de daqui a nada serem os 40 anos da mais bela revolução do meu
século XX, e de o Alentejo ter sido uma espécie de terra em transe dessa
revolução, impossível como todas.
Este prémio é tradicionalmente
entregue pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político,
Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao salazarismo
do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos obedientes que
dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem ao cara-cara, mantêm-se
pela calada. Nada estranho, pois, que este Presidente se faça representar na
entrega de um prémio literário. Este mundo não é do seu reino. Estamos no mesmo
país, mas o meu país não é o seu país. No país que tenho na cabeça não se anda
com a cabeça entre as orelhas, “e cá vamos indo, se deus quiser”.
Não sou crente, portanto acho que
depende de nós mais do que irmos indo, sempre acima das nossas possibilidades
para o tecto ficar mais alto em vez de mais baixo. Para claustrofobia já nos
basta estarmos vivos, sermos seres para a morte, que somos, que somos.
Partimos então do zero, sabendo
que chegaremos a zero, e pelo meio tudo é ganho, porque só a perda é certa.
O meu país não é do
orgulhosamente só. Não sei o que seja amar a pátria. Sei que amar Portugal é
voltar do mundo e descer ao Alentejo, com o prazer de poder estar ali porque se
quer. Amar Portugal é estar em Portugal porque se quer. Poder estar em Portugal
apesar de o Governo nos mandar embora. Contrariar quem nos manda embora como se
fosse senhor da casa.
Eu gostava de dizer ao actual
Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem
do Governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho
Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao
longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o Governo de Portugal
se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura,
Sobrinho Simões dizendo que este Governo rebentou com tudo o que fora
construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “total
anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles
grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé
de página”.
Este país é dos bolseiros da FCT
que viram tudo interrompido; dos milhões de desempregados ou trabalhadores
precários; dos novos emigrantes que vi chegarem ao Brasil, a mais bem formada
geração de sempre, para darem tudo a outro país; dos muitos leitores que me
foram escrevendo nestes três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos
podia eu dar ao filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar.
Eu estava no Brasil, para onde
ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu Governo disse aquela coisa
escandalosa, pois que os professores emigrassem. Ir para o mundo por nossa
vontade é tão essencial como não ir para o mundo porque não temos alternativa.
Este país é de todos esses, os
que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem a morrer, e levam
um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo. Conheci-os, estão lá no Rio
de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de Portugal, mais pela relação
Portugal-Brasil do que qualquer discurso oco dos políticos que neste momento
nos governam. Contra o cliché do português, o português do inho e do ito, o
Portugal do apoucamento. Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo
o mal que ela deixou, desde a colonização, da escravatura.
Este país é do Changuito, que em
2008 fundou uma livraria de poesia em Lisboa, e depois a levou para o Rio de
Janeiro sem qualquer ajuda pública, e acartou 7000 livros, uma tonelada, para um
11.º andar, que era o que dava para pagar de aluguer, e depois os acartou de
volta para casa, por tudo ter ficado demasiado caro. Este país é dele, que
nunca se sentaria na mesma sala que o actual Presidente da República.
E é de quem faz arte apesar do mercado,
de quem luta para que haja cinema, de quem não cruzou os braços quando o
Governo no poder estava a acabar com o cinema em Portugal. Eu ouvi realizadores
e produtores portugueses numa conferência de imprensa no Festival do Rio de
Janeiro contarem aos jornalistas presentes como 2012 ia ser o ano sem cinema em
Portugal. Eu fui vendo, à distância, autores, escritores, artistas sem dinheiro
para pagarem dívidas à Segurança Social, luz, água, renda de casa. E tanta
gente esquecida. E, ainda assim, de cada vez que eu chegava, Lisboa parecia-me
pujante, as pessoas juntavam-se, inventavam, aos altos e baixos.
Não devo nada ao Governo
português no poder. Mas devo muito aos poetas, aos agricultores, ao Rui Horta,
que levou o mundo para Montemor-o-Novo, à Bárbara Bulhosa, que fez a editora em
que todos nós, seus autores, queremos estar, em cumplicidade e entrega, num
mercado cada vez mais hostil, com margens canibais.
Os actuais governantes podem
achar que o trabalho deles não é ouvir isto, mas o trabalho deles não é outro
se não ouvir isto. Foi para ouvir isto, o que as pessoas têm a dizer, que foram
eleitos, embora não por mim. Cargo público não é prémio, é compromisso.
Portugal talvez não viva 100
anos, talvez o planeta não viva 100 anos, tudo corre para acabar, sabemos. Mas
enquanto isso estamos vivos, não somos sobreviventes.
Este romance também é sobre Gaza.
Quando me falam no terrorismo palestiniano confundindo tudo, Al-Qaeda e
Resistência pela nossa casa, pela terra dos nossos antepassados, pelo direito a
estarmos vivos, eu pergunto o que faria se tivesse filhos e vivesse em 40km por
seis a dez de largura, e antes de mim os meus antecedentes, e depois mim os
meus filhos, sem fim à vista. Partilhei com os meus amigos em Gaza
bombardeamentos, faltas de água, de luz, de provisões, os pesadelos das meninas
à noite. Depois de eu partir a vida deles continuou. E continua enquanto aqui
estamos. Mais um dia roubado à morte.
Alexandra Lucas Coelho, In Publico de 08/04/2014
Lola
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