Felicidade e sofrimento
em educação
Felicidade e sofrimento em educação
Cada vez mais, educar para a felicidade é educar para o sofrimento já que
ser feliz implica a capacidade de sofrer. Isto não significa, contudo, que se
privilegie a dor física ou moral como estratégia, nem que se a represente como
uma finalidade em si. Implica, isso sim, que, por um medo atávico ou por
confusionismo ideológico não se contorne a realidade antropológica do
sofrimento e não se pondere nas práticas o impacto educativo que, por isso, lhe
está associado.
Sabemos bem que, na tradição ocidental, por força da matriz cristã que nela
está tão presente, a ideia de um princípio agónico na educação adquiriu
importância em virtude de uma implícita perspectivação religiosa da vida
enquanto via salvífica a impor, por isso, expiação do mal em função de uma
purificação e de uma redenção. Sabemos bem igualmente que ao trabalho, enquanto
categoria antropológica, está associada, também por via da matriz
judaico-cristã, esta ideia de pena que os textos bíblicos do Genesis lhe
imprimiram e de que resulta a sua representação sacrificial.
A laicização das nossas sociedades trouxe naturalmente consigo a fragilização
destes princípios, mas não é este fenómeno que está aqui em causa. Como também
não está em causa a evolução pedagógica que procurou transformar as escolas, as
famílias e, de uma forma geral, todas as instâncias educativas - formais e
informais ? em espaços atraentes de convivialidade e de acolhimento. Acho até
que a obsessão pela aplicação do castigo, pela criação de dificuldades na
aprendizagem através da própria opacidade dos processos de ensino bem como por
um autoritarismo patológico atingiu mesmo, em muitas das frentes da educação
tradicional, patamares de uma intolerável perversidade a merecer condenação
pelo tribunal da história.
Já quando o consumismo e o hedonismo se combinam para legitimar práticas
educativas que tendem a secundarizar e até a ocultar, designadamente, o esforço
e a frustração como vertentes da vida com que, em maior ou menor grau, nos
temos de confrontar, então, em vez de proporcionarmos a felicidade às nossas
crianças e aos nossos jovens, estamos demagogica e contraditoriamente a
torná-los incapazes de lidar construtivamente com as contrariedades. A
prazo, estamos, afinal, a condená-los à infelicidade.
É evidente que a demissão de muitas famílias imposta pelos ritmos de trabalho,
pelos níveis de sobreocupação e por uma alteração objectiva dos padrões sociais
de referência, a par da concorrência do poder de atracção de uma felicidade
virtual e fácil que, por exemplo, a televisão impõe, colocam à escola
dificuldades acrescidas se ela quiser assumir o projecto educativo como um
projecto de vida integral. Mas é também claro que se ela assim não proceder
tornar-se-á progressivamente desnecessária já que precisamente os seus mais
directos concorrentes na sociedade dispõem de meios de sedução bem mais
eficazes e atraentes.
Além disso, trata-se, de facto, de uma questão de ética e não tanto de
moralismo como à primeira vista poderia parecer. Na verdade, não se trata de
impor normas mas apenas de explorar pedagogicamente situações próprias ou
alheias inerentes, inclusive, aos processos de aprendizagem em que a avaliação
exigente de resultados e de objectivos obriga, desde logo, a acolher tanto a
recompensa dos êxitos como o desalento dos fracassos. Importa a partir daqui,
isso sim, ser capaz de retomar as iniciativas, de renovar as estratégias e de
reequacionar os próprios objectivos em vez de se sucumbir perante um desalento
exacerbado.
Na realidade, a vida tece-se com projectos que constróem e descobrem
sentidos. Em nós, nos outros, com os outros. Projectos que pressupõem e
organizam a esperança em função de uma ponderação das situações, das suas
virtualidades, das nossas potencialidades, das nossas realizações e dos nossos
limites. Ora, tal implica mobilização e criação de recursos; perspectivação,
planificação, implicação e perseverança; gestão tanto dos êxitos como das
contrariedades; capacidade de sofrer perante a adversidade que, desde logo, a
morosidade dos processos acarreta pela sua natureza diacrónica.
A escola não pode trair aqui os seus alunos, iludindo-os. Deixando-os
desarmados diante dos difíceis desafios que o domínio dos conhecimentos
científicos exige, que as competências técnicas acarretam e que o mundo
do trabalho levanta. Se o fizer, o imediatismo do êxito e da felicidade vai,
uma vez mais, acabar por reforçar as discriminações ao deixar ainda mais
desprotegidos aqueles que a roleta da felicidade afinal não contemplou:
na sociedade, na família e agora, por ironia, na escola ...
Prof.
Adalberto Dias de Carvalho
Lola
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