Avaliação de Professores:
um desafio à responsabilidade social
A recente proposta de avaliação dos professores suscitou um conjunto de
reacções que vão desde o mais completo repúdio ao aplauso incondicional. Como
sempre nestas circunstâncias, exploram-se frequentemente os aspectos mais
superficiais, deixando-se para trás a substância dos problemas. Corre-se assim
o risco de se adulterar o debate em favor de declarações mais ou menos
emocionais, corporativas ou de mero confronto social. Ou seja, ajustam-se
contas, destilam-se secretas vinganças e agudiza-se o confronto sempre em busca
de um bode expiatório, tão apetecível em épocas de agudização de uma dramática
crise social e económica em que cada um, ou cada grupo, espera rever em
terceiros a responsabilidade do que recusa no seu próprio terreno.
A propósito deste caso concreto, logo vimos esboçar-se duelos entre pais e professores, entre escolas e empresas, entre sindicatos e governo e até entre sindicatos, os quais permitem de imediato que tudo aparentemente se reduza a lutas de interesses e se distorça a raiz do problema.
A nosso ver, antes de mais, nada deverá impedir a avaliação dos professores e as consequências dessa avaliação nas carreiras e nas retribuições. A meritocracia é uma condição do desenvolvimento coerente das sociedades que tem de inspirar a própria educação enquanto motor da democracia e da construção da cidadania. No fundo, para poderem avaliar o mérito dos alunos, os professores têm, eles mesmos, de ser avaliados pelo seu mérito. A avaliação deve ser vivida por todos como uma prática formativa normal para que possa ser transmitida dentro de uma concepção aprofundada da responsabilidade pessoal e social.
Porém, a avaliação não pode em caso algum ser desprendida da ideia de contrato, o que significa que todos, sem excepção, têm de ser avaliados e responsabilizados para poderem ser avaliadores. Neste caso, os professores, com certeza, mas também os alunos (não apenas em aspectos estritamente escolares mas igualmente quanto aos comportamentos cívicos) e os encarregados de educação.
Claro que para se ser justamente avaliado tem de se ter condições de formação. No que respeita aos professores, terá a Ministra razão ao dizer que é preciso que estes aprendam desde a sua formação inicial a lidar com situações problemáticas e de ruptura e que os mais experientes e competentes devem ser mobilizados para enfrentar e resolver as situações mais graves. Muitos o fazem. A questão aqui é interrogarmo-nos acerca do reconhecimento institucional que lhes é concedido? A resposta é infelizmente simples. Nenhum!
Por outro lado, embora os responsáveis governamentais assegurem que a avaliação dúvida incómoda mas incontornável: que pais vão avaliar a relação pedagógica dos professores com os seus filhos e com eles próprios? Claro que as generalizações são perigosa e injustas mas a verdade nua e crua é que muitos destes pais são, eles próprios, os responsáveis pelo abandono das crianças e jovens e pela adopção de condutas altamente deficientes ?e nada lhes acontece!
Noutros países, com o Reino Unido à cabeça, os encarregados de educação que, por exemplo, deixem os seus educandos vaguear pelas ruas ou que não acompanhem o seu trabalho escolar são por isso penalizados. Entre nós, nada disso se passa, permitindo-se que um encarregado de educação que nunca compareça na escola, inclusive mediante os sucessivos apelos dos directores de turma, que não acompanhe os tempos livres das crianças ou jovens a seu cargo ou que neles não incuta valores e comportamentos cívicos, fique precisamente na mesma: impune, incólume e irresponsável, condenando muito provavelmente os seus educandos a essa mesma irresponsabilidade que atinge mais cedo ou mais tarde todos quantos junto deles vivam: nas ruas, nos transportes, nas estradas, na escola?
O que significa isto? Que os pais e as mães deste país têm de ser formados como educadores e como cidadãos. Em principio pelas próprias escolas. Então, poderão ser avaliados e ser também avaliadores.
Mas o debate em torno da avaliação dos professores trouxe também a terreiro alguns empresários que chegaram a clamar por uma gestão das escolas orientada por quem sabe, ou seja, por empresários-mecenas que nelas incutiriam o sentido pragmático da produtividade e da responsabilidade. A este propósito, um breve comentário.
Não precisarão muitos dos nossos empresários de passar, antes de mais, pelos bancos da escola para aí adquirirem cultura e saber especializado? Claro que há empresários competentes, mas para quantas escolas dariam? Ou não será que uma fatia importante da crise que vivemos se fica a dever precisamente a uma ausência generalizada de uma cultura empresarial quer de ordem tecnológica e gestionária, quer de cariz social? Quanto a este último aspecto, a própria Igreja já repetidamente advertiu para a necessidade de as empresas reconhecerem que os seus trabalhadores precisam também de tempo justamente para a sua vida individual e familiar. Os portugueses, sabemo-lo, são dos que, na Europa, mais tempo trabalham e menos produzem. Sabemos também, contudo, que, muitas vezes, se incentivam designadamente os quadros para ultrapassarem em muito os horários normais de trabalho. Entretanto, os filhos ficam condenados ao abandono e ao insucesso escolar. Quem avalia a responsabilidade social ? e não apenas económica - dos empresários? Se assim não for, como poderão eles intervir na gestão educativa das escolas?
Não pode haver avaliação sem um contrato social alargado em que cada avaliador seja, ele mesmo, avaliado e formado. Não por castigo ou vingança mas por uma questão de responsabilidade social alargada que, no caso das escolas, a não ser cumprida, levará sistematicamente os mais favorecidos a fugirem da escola pública, condenando-a paradoxalmente a uma intolerável marginalidade. Para isso, importa não reforçar o poder de quem o não pode ou não deve exercer. Importa estar atento, isso sim, aos
A propósito deste caso concreto, logo vimos esboçar-se duelos entre pais e professores, entre escolas e empresas, entre sindicatos e governo e até entre sindicatos, os quais permitem de imediato que tudo aparentemente se reduza a lutas de interesses e se distorça a raiz do problema.
A nosso ver, antes de mais, nada deverá impedir a avaliação dos professores e as consequências dessa avaliação nas carreiras e nas retribuições. A meritocracia é uma condição do desenvolvimento coerente das sociedades que tem de inspirar a própria educação enquanto motor da democracia e da construção da cidadania. No fundo, para poderem avaliar o mérito dos alunos, os professores têm, eles mesmos, de ser avaliados pelo seu mérito. A avaliação deve ser vivida por todos como uma prática formativa normal para que possa ser transmitida dentro de uma concepção aprofundada da responsabilidade pessoal e social.
Porém, a avaliação não pode em caso algum ser desprendida da ideia de contrato, o que significa que todos, sem excepção, têm de ser avaliados e responsabilizados para poderem ser avaliadores. Neste caso, os professores, com certeza, mas também os alunos (não apenas em aspectos estritamente escolares mas igualmente quanto aos comportamentos cívicos) e os encarregados de educação.
Claro que para se ser justamente avaliado tem de se ter condições de formação. No que respeita aos professores, terá a Ministra razão ao dizer que é preciso que estes aprendam desde a sua formação inicial a lidar com situações problemáticas e de ruptura e que os mais experientes e competentes devem ser mobilizados para enfrentar e resolver as situações mais graves. Muitos o fazem. A questão aqui é interrogarmo-nos acerca do reconhecimento institucional que lhes é concedido? A resposta é infelizmente simples. Nenhum!
Por outro lado, embora os responsáveis governamentais assegurem que a avaliação dúvida incómoda mas incontornável: que pais vão avaliar a relação pedagógica dos professores com os seus filhos e com eles próprios? Claro que as generalizações são perigosa e injustas mas a verdade nua e crua é que muitos destes pais são, eles próprios, os responsáveis pelo abandono das crianças e jovens e pela adopção de condutas altamente deficientes ?e nada lhes acontece!
Noutros países, com o Reino Unido à cabeça, os encarregados de educação que, por exemplo, deixem os seus educandos vaguear pelas ruas ou que não acompanhem o seu trabalho escolar são por isso penalizados. Entre nós, nada disso se passa, permitindo-se que um encarregado de educação que nunca compareça na escola, inclusive mediante os sucessivos apelos dos directores de turma, que não acompanhe os tempos livres das crianças ou jovens a seu cargo ou que neles não incuta valores e comportamentos cívicos, fique precisamente na mesma: impune, incólume e irresponsável, condenando muito provavelmente os seus educandos a essa mesma irresponsabilidade que atinge mais cedo ou mais tarde todos quantos junto deles vivam: nas ruas, nos transportes, nas estradas, na escola?
O que significa isto? Que os pais e as mães deste país têm de ser formados como educadores e como cidadãos. Em principio pelas próprias escolas. Então, poderão ser avaliados e ser também avaliadores.
Mas o debate em torno da avaliação dos professores trouxe também a terreiro alguns empresários que chegaram a clamar por uma gestão das escolas orientada por quem sabe, ou seja, por empresários-mecenas que nelas incutiriam o sentido pragmático da produtividade e da responsabilidade. A este propósito, um breve comentário.
Não precisarão muitos dos nossos empresários de passar, antes de mais, pelos bancos da escola para aí adquirirem cultura e saber especializado? Claro que há empresários competentes, mas para quantas escolas dariam? Ou não será que uma fatia importante da crise que vivemos se fica a dever precisamente a uma ausência generalizada de uma cultura empresarial quer de ordem tecnológica e gestionária, quer de cariz social? Quanto a este último aspecto, a própria Igreja já repetidamente advertiu para a necessidade de as empresas reconhecerem que os seus trabalhadores precisam também de tempo justamente para a sua vida individual e familiar. Os portugueses, sabemo-lo, são dos que, na Europa, mais tempo trabalham e menos produzem. Sabemos também, contudo, que, muitas vezes, se incentivam designadamente os quadros para ultrapassarem em muito os horários normais de trabalho. Entretanto, os filhos ficam condenados ao abandono e ao insucesso escolar. Quem avalia a responsabilidade social ? e não apenas económica - dos empresários? Se assim não for, como poderão eles intervir na gestão educativa das escolas?
Não pode haver avaliação sem um contrato social alargado em que cada avaliador seja, ele mesmo, avaliado e formado. Não por castigo ou vingança mas por uma questão de responsabilidade social alargada que, no caso das escolas, a não ser cumprida, levará sistematicamente os mais favorecidos a fugirem da escola pública, condenando-a paradoxalmente a uma intolerável marginalidade. Para isso, importa não reforçar o poder de quem o não pode ou não deve exercer. Importa estar atento, isso sim, aos
mecanismos perversos de desregulação social que, uma vez instalados
desencadeiam uma perigosa e indesejável dinâmica de dessocialização sem recuo.
A avaliação tem de ser digna e, por isso, dignificante, neste caso, dos professores?
A avaliação tem de ser digna e, por isso, dignificante, neste caso, dos professores?
Prof. Adalberto Dias de Carvalho
In Pagina da Educação, n° 158
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário