Intimidade
sem proximidade
Aos estudos que punham a claro a
importância da televisão e do computador como instrumentos privilegiados da
informação e da comunicação entre as pessoas, muito especialmente entre as
crianças e os jovens, juntam-se agora os que nos mostram o papel crescente que,
também aqui, desempenha o uso do telemóvel.
Uma pesquisa recentemente feita em
França evidencia que o telemóvel se tornou um meio imprescindível para a
convivência juvenil já que serve, numa significativa percentagem de casos, para
a transmissão de mensagens e de afectos que as inibições e o medo impedem que
sejam expressos sem a sua mediação. É assim que 40% das chamadas entre
adolescentes são feitas para colegas que residem num raio inferior a 10 Km e
que 60% das mesmas são dirigidas a pessoas com as quais eles se encontram
quotidianamente.
Sendo evidente que muitas vezes são as
famílias que utilizam o telemóvel enquanto recurso precioso numa sociedade
marcada pela sobreocupação, pela intensidade dos ritmos de vida e pela
insegurança, é verdade também que muitos dos jovens indagados reconheceram que
o telemóvel serve, com frequência, para transmitir sentimentos e receios que
não conseguem comunicar directamente.
Assim, seja por
razões pragmáticas, seja por preconceitos e temores, a verdade é que cada vez
são mais numerosas e poderosas as instâncias que medeiam as relações entre as
pessoas, sobretudo entre os mais novos, circunstância que ameaça tornar a tão
propalada relação face-a-face um desígnio educativo remoto ou, talvez,
quimérico ... Na verdade, a solidariedade tende a ter lugar apenas na medida
em que o outro que será ocasião da minha entrega me chegue devidamente
preparado, para me sensibilizar, através da imagem da televisão: uma
solidariedade para que sou impelido e que, no fundo, não escolho; uma
solidariedade instantânea, súbita, massificadora e, por isso,
contraditoriamente, pública (aos meus ? aos nossos - olhos) e íntima (para os
outros que não me vêem mas cuja privacidade eles me expõem). Os dramas dos meus vizinhos e até dos
que vivem dentro da minha casa, esses, eu ignoro-os porque, afinal, a televisão
não me deixa tempo, nem disposição, para com eles conversar. Só me vão
interessar se um dia alguém os fizer aparecer no ecrã, prontos para me
comoverem.
A internet permitiu,
por seu turno, a criação de redes de contacto à distância, diálogos sem rostos
e até com máscaras. Permitiu criar outras partilhas e, com elas, novas
solidões. É cada vez mais possível estar com os outros à distância tanto quanto
é indesejável estar com eles perto.
Entretanto, o toque melodioso de um telemóvel soa mais forte do que um grito: por ele,
por causa dele, por causa daquele, interrompe-se uma conversa, uma refeição,
suspende-se um silêncio ... do grito tem-se medo, suspeita-se e foge-se. Eu vou
com o outro, lado a lado, mas não é com ele que eu falo, pelo menos enquanto
ele estiver ao meu lado. Conversarei com ele quando ao meu lado estiver um
outro e ele me telefonar.
(...)
Neste contexto, a escola
corre o risco de ser um espaço social anómalo em que as crianças, os jovens e
os adultos são obrigados a enfrentarem-se, a confrontarem-se, a conviverem numa
proximidade pessoal real. Proximidade que, todavia, poderá ser pedagogicamente
impulsionada e explorada. Apesar da burocratização pedagógica dos espaços e dos
tempos escolares, estes proporcionam, mesmo assim, pontos de encontro em que é
necessário tomar decisões, construir propostas, avaliar comportamentos,
partilhar êxitos e fracassos, etc. Dentro de espaços que é preciso percorrer,
saber utilizar e adaptar; por referência a tempos em que é necessário esperar e
em que se tem de recordar ... e esquecer. A pedagogia do projecto ? esse
desafio educativo pendularmente distorcido pelas ideologias administrativistas
e pelo militantismo ideológico ? contém precisamente esta dissonância vivencial
relativamente ao universo da sociedade mediatizada. Dissonância fecunda em
termos ético-antropológicos que, sem pôr em causa a realidade tecnológica e
humana dos nossos dias, poderá, todavia, possibilitar, desde que, de facto,
educativamente aproveitada, a sua mobilização crítica.
A escola asseguraria, deste
modo, o aprofundamento da multidimensionalidade e da complexidade da sociedade
contemporânea, potenciando-as, evitando a desumanização do seu afunilamento
virtual e proporcionando, antes de mais, a construção de competências que
permitam a cada um viver com os outros e não apenas junto deles. Ou, se se quiser também, que permitam a
cada um não estar junto dos outros apenas quando não está com eles.
A comunicação,
independentemente da forma de que se reveste, só é solidária se não constituir
um fim em si e se, portanto, redundar em partilha crítica, consciente e
consequente. Se não pactuar com o marketing da solidariedade-espectáculo e,
afinal, indiferente.
A intimidade sem
proximidade que as novas tecnologias da informação e da comunicação
proporcionam, desemboca, no fundo, numa vergonha sem pudor,
numa distância que se tem medo
de vencer por ser surpreendentemente curta.Desagua num bloqueio
interpessoal que, no lugar de libertar, constrange e confrange.
Então, a educação escolar ?
precisamente esta mais do que qualquer outra ? não pode permanecer
indiferente...
Prof. Adalberto
Dias de Carvalho
In Pagina da
Educação, n° 120
Lola
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