Um dos mais belos textos que li , ao longo da vida!
Um dos melhores professores que tive na Faculdade de Letras da Universidade do Porto!
Saudades das suas aulas, Prof. Levi!
Saudades das suas aulas, Prof. Levi!
DETESTO FILOSOFIA!
Detesto
Filosofia! São horas e horas dum lado para o outro, ninguém se entende, não
sabemos em que é que ficamos e ainda por cima conta para a média, a gente nem
foi ouvida nem achada, "aquilo" devia era ser de "opção" e
só para aqueles que querem seguir "isso", o que quer que seja essa
desgraça que nos caiu em cima a partir do 10º ano...
A relação entre professores e alunos de Filosofia
é como aqueles casamentos de há muito tempo, "arranjados" à nascença
para os mais diversos fins mas que não passavam, pela certa, pela paixão dos
"noivos"! Condenados a coabitar num T1, mobilado à pressa (há quem
lhe chame Sala de Aula), como Egas Moniz, com corda ao pescoço, lá entram
arrastando a alma os actores da tragicomédia da Filosofia. Estudantes na
expectativa, professores que têm de "motivar" a ver se
"aquilo" chega a algum sítio, uma enorme sensação de mal-estar,
quantas vezes, lá no íntimo, amaldiçoando-se mutuamente, uns pensando que esta
"cambada" está insuportável, outros remoendo sobre que mal teriam feito
para "gramar" este «gajo/gaja»!
E, de certo modo, todos têm boas e indiscutíveis
razões, pois a Filosofia continua a fazer de conta que é uma
"disciplina" como as outras e arranjou com isso um belo sarilho.
Pergunta-se "o que é a Filosofia" e caem em cima umas dúzias de
respostas e "o cliente" que escolha como se fosse um catálogo da
"La Redoute", com a desvantagem para a Filosofia que o
"comprador" deve justificar criticamente a resposta, enquanto que na
outra hipótese basta passar cheque ou indicar o número do Cartão Visa.
Ora a Filosofia não é uma "disciplina",
vive entalada entre as Religiões e as Ciências, chegando ao cúmulo de andar
sempre a pedir desculpa por estar a incomodar. E é que incomoda mesmo,
começando desde logo, em brilhante jogada estratégica, por incomodar-se a si
própria, andando de chapéu na mão ou de nariz empinado, conforme o pobre
professor se sentir o mais desgraçado dos mortais ou o mais incompreendido dos
Profetas.
Oito e meia, nove e meia, as horas não passam, nunca
mais toca a campainha e ainda tenho de lhes dizer que o Imperativo Categórico
de Kant é muito importante ou que a "dúvida hiperbólica" de Descartes
era o diabo se não fosse a existência de Deus. Que vida a minha que bem
precisava que o Deus de Descartes, de Abraão e Jacob me tirasse daqui e me
levasse para longe, me aliviasse das resmas de fotocópias todas sublinhadas,
dos esquemas de Hegel e da última circular do Ministério cheia de carimbos e
assinaturas, é preciso dar parecer urgente e eu que ainda tenho de ir ao
supermercado e buscar os miúdos ao infantário.
Ali à frente, a Turma, se estiver em bom dia lá
vai ouvindo o sermão. tirando um apontamento ou divagando pelos antípodas
enquanto não chega o Natal, ou a Páscoa ou seja lá o que fôr que acabe com
isto. Se a Filosofia nas escolas tivesse as potencialidades da TvCabo,
garanto-vos que já a audiência tinha mudado de canal...
A verdade é que o filosofar e a filosofia estão
desajustados dos bio-ritmos efémeros dos nossos dias, da vertigem MTV,
"placards", promoções, "sites", CNN's que martelam os
miolos dum pobre mortal até ao enjoo. Sepultados no bairro-de-lata da
informação, comemos imagens e acabamos por ficar como "elas",
bonitinhos mas "planos"! Isto é, se olhar "para trás" ou
"para dentro" não está nada, falta-nos fundo, terra, densidade,
mistério.
A Filosofia precisa que os seus ouvintes vão
antes a uma cura de águas, que fujam da CRIL dos IP'S ou das VCI'S, que
desliguem o motor e que estejam quietos e calados para ver se ainda distinguem
o dia da noite, se escutam o respirar do mundo e se alguma coisa ainda os
espanta!
Professores e alunos de Filosofia estão metidos
no caldeirão da História e os seus destinos cruzam-se, a maioria das vezes, sem
sequer se tocarem a não ser, aqui e além e por razões que nada têm a ver com
"programas", pedagogias e estratégias de aprendizagem.
Ao "querer ser" uma disciplina a
Filosofia só terá hipótese de sobreviver se "lá dentro" não se
comportar como tal. Assuma que não tem "objecto" nem "método",
a não ser "à força" e aceite antes que é espaço duma vocação para
Perguntar só porque "não sabemos".
Perguntem até onde vão as Estrelas, de que falam
as baleias, por que não cai a Lua, por que temos medo do escuro, porque nos
comovemos quando uma velha árvore é sacrificada ao asfalto. E deixem que dessas
perguntas nasçam outras, e mais outras e depois outras ainda!
Acreditem que, se não formos frenéticos, quero
já, quero já, temos com que nos divertir para o resto da Vida.
Porto, Novembro
de 2000
[
Nota: este pequeno texto foi pensado para publicar numa colectânea organizada
por professores do "Grupo
de Filosofia" do Colégio de S. Gonçalo - Amarante. Mas tinha
em mente estudantes que chegam à Filosofia no 10ª ano e professores deste
"estranho território".
O que aqui digo, penso-o para todos, estudantes e docentes, qualquer que seja o
patamar em que a Filosofia é ensinada/aprendida. Só que, naturalmente, os
desajustamentos podem tornar-se mais intensos em situações em que os estudantes
"têm de frequentar
Filosofia", quer gostem, quer não gostem...
Presume-se que, em percentagem significativa, quem vem ao encontro da Filosofia numa Universidade, escolheu o curso como 1ª opção.]
Presume-se que, em percentagem significativa, quem vem ao encontro da Filosofia numa Universidade, escolheu o curso como 1ª opção.]
In "Os herdeiros de Sócrates"
Prof. Levi Malho
Eu escolhi o curso de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto como 1ª e única opção e ...continuo orgulhosa da minha opção!
Acerca da sua obra:
http://repositorio-aberto.up.pt/browse type=author&value=Malho%2C+Levi+Ant%C3%B3nio+Duarte
Muito bom reencontrar o professor Levi e por acréscimo relembrar o Francisco Sardo e Maria Manuel Araújo Jorge
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