A Boa Vontade
De todas as coisas
que podemos conceber neste mundo ou mesmo, de uma maneira geral, fora dele, não
há nenhuma que possa ser considerada como boa sem restrição, salvo uma boa
vontade. O entendimento, o espírito, o juízo e os outros talentosdo
espírito, seja qual for o nome que lhes dermos, a coragem, a decisão, a
perseverança nos propósitos, como qualidades do temperamento, são,
indubitávelmente, sob muitos aspectos, coisas boas e desejáveis; contudo,
também podem chegar a ser extrordináriamente más e daninhas se a vontade que
há-de usar destes bens naturais, e cuja constituição se chama por isso carácter,
não é uma boa vontade. O mesmo se pode dizer dos dons da fortuna. O
poder, a riqueza, a consideração, a própria saúde e tudo o que constitui o
bem-estar e contentamento com a própria sorte, numa palavra, tudo o que se
denomina felicidade, geram uma confiança que muitas vezes se torna
arrogância, se não existir uma boa vontade que modere a influência que a
felicidade pode exercer sobre a sensibilidade e que corrija o princípio da
nossa actividade, tornando-o útil ao bem geral; acrescentemos que num espectador
imparcial e dotado de razão, testemunha da felicidade ininterrupta de uma
pessoa que não ostente o menor traço de uma vontade pura e boa, nunca
encontrará nesse espectáculo uma satisfação verdadeira, de tal modo a boa
vontade parece ser a condição indispensável sem a qual não somos dignos de ser
felizes.
(...) A boa vontade não é boa
pelo que produz e realiza, nem por facilitar o alcance de um fim que nos
proponhamos, mas apenas pelo querer mesmo; isto quer dizer que ela é boa em si
e que, considerada em si mesma, deve ser tida em preço infinitamente mais
elevado que tudo quanto possa realizar-se por seu intermédio em proveito de
alguma inclinação, ou mesmo, se se quiser, do conjunto de todas as
inclinações.
Emmanuel Kant, in 'Fundamentação da Metafísica dos Costumes'
Lola
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