quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Acção Humana


A explicação da acção




Saber a razão primária por que alguém agiu como agiu é saber a intenção com que a acção foi feita. Se viro à esquerda numa bifurcação porque quero chegar a Katmandu, a minha intenção, ao virar à esquerda, é chegar a Katmandu. Mas saber a intenção não consiste, necessariamente, em conhecer a razão primária com todo o pormenor. 

Se James vai à igreja com a intenção de agradar à sua mãe, deverá ter alguma pró-atitude face a agradar à sua mãe, mas é necessária mais informação para que se possa dizer se a sua razão é a de gostar de agradar à sua mãe, se é pensar que isso é o correcto, se é um dever ou se é uma obrigação.

[...]

Quando perguntamos a alguém por que agiu como agiu, queremos obter uma interpretação. Talvez o seu comportamento pareça estranho, alienígena, ultrajante, injustificado, mal interpretado, desconexo. Ou talvez nem consigamos mesmo reconhecer uma acção nesse comportamento. Quando compreendermos a sua razão teremos uma interpretação, uma nova descrição do que fez e que encaixará num quadro habitual. 

Esse quadro inclui algumas das crenças e atitudes do agente. Talvez também inclua metas, fins, princípios, traços gerais de carácter, virtudes ou vícios. Para além disto, a redescrição de uma acção proporcionada por uma razão pode situá-la num contexto de avaliação — social, económico, linguístico — mais alargado. 

Compreender, mediante a compreensão da razão, que o agente concebeu a sua acção como uma mentira, o pagamento de uma dívida, um insulto, o cumprimento de uma obrigação avuncular ou um jogo de xadrez, significa apreender o desígnio da acção enquanto aplicação de regras, práticas, convenções e expectativas.

Comentários como estes, inspirados no segundo Wittgenstein, têm sido elaborados com subtileza e profundidade por um considerável número de filósofos. E não há maneira de negar que são verdadeiros: quando explicamos uma acção através da respectiva razão, redescrevêmo-la. 

Redescrever a acção dá à acção um lugar num certo padrão e, por este caminho, explica-se a acção.


Donald Davidson
Tradução de António Paulo Costa
"Actions, Reasons, and Causes" 

in Essays on Actions and Events (Clarendon Press, 1980), pp. 7-10. 


                                                 Lola

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