Factos e Valores
A distinção
facto/valor
Roger Crisp
Universidade
de Oxford
De acordo com os defensores da distinção facto/valor,
nenhum estado de coisas do mundo pode ser um valor, e os juízos avaliativos não
devem ser entendidos como juízos de facto puros. A distinção foi importante na
ética do séc. XX e continua em aberto o debate sobre o estatuto metafísico do
valor, a epistemologia do valor e sobre qual será a melhor caracterização dos juízos
de valor.
Um facto é um estado de coisas efectivo.
Um valor é ou
algo bom (o prazer, por exemplo), ou uma crença de que algo é bom (dizer que o
prazer é um dos meus valores é dizer que eu acredito que o prazer é bom).
A
distinção facto/valor foi de grande importância na filosofia moral do séc. XX,
distinção traçada entre estados de coisas efectivos e valores nos dois sentidos
(nem sempre se distinguindo claramente os dois sentidos).
Numa das versões da distinção facto/valor, não há
valores "no mundo". John Mackie (1977), por exemplo, argumentou que
tais itens são demasiado peculiares para integrarem qualquer metafísica ou
epistemologia decente, e que a inexistência de valores era a melhor maneira de
explicar os desacordos avaliativos. De acordo com a ética existencialista, a
não factualidade do valor deixa-nos numa posição de liberdade radical para
escolher.
A distinção, se entendermos que é acerca de
avaliações, sugere que estas não são tentativas puras de exprimir factos. Uma
versão famosa e influente desta perspectiva é a de Hume (1739-40), que afirmou
que as conclusões com "deve" não se seguem logicamente de afirmações
com "é". Logo, se afirmamos correctamente que algo deve ser feito (e
isso pode ser um dos nossos valores) com base num argumento que aparentemente
se refere apenas a factos, uma das afirmações "factuais" envolve um
"deve" oculto.
Esta versão da distinção facto/valor, aliada a uma
concepção restrita do que pode contar como afirmação factual, foi de grande
importância. Se os factos se restringem, por exemplo, a descrições puramente
neutras, tais como as que encontramos nas ciências da natureza, os juízos
morais podem ser vistos como algo diferente de afirmação de factos. (Houve quem
argumentasse que a própria ciência é um trabalho avaliativo, de maneira que a
distinção facto/valor é espúria.) Pode-se então defender que palavras como
"bom" ou "correcto" têm papéis especiais, não descritivos.
De acordo com o emotivismo, afirmar que X é bom é expressar uma atitude favorável relativamente a X, e talvez encorajar os outros a adoptar tal atitude; de acordo com o prescritivismo, a afirmação deve ser entendida como um imperativo. Segundo estas perspectivas, certas palavras, como "corajoso", por exemplo, podem ter algum conteúdo factual; mas isto pode sempre distinguir-se, pelo menos conceptualmente, do conteúdo valorativo.
De acordo com o emotivismo, afirmar que X é bom é expressar uma atitude favorável relativamente a X, e talvez encorajar os outros a adoptar tal atitude; de acordo com o prescritivismo, a afirmação deve ser entendida como um imperativo. Segundo estas perspectivas, certas palavras, como "corajoso", por exemplo, podem ter algum conteúdo factual; mas isto pode sempre distinguir-se, pelo menos conceptualmente, do conteúdo valorativo.
Entre aqueles que defenderam que os valores são parte
do mundo e que as avaliações exprimem factos incluem-se os defensores do
realismo moral. Há pelo menos dois tipos de realismo moral. O naturalismo ético
afirma que os valores são factos naturais, querendo-se dizer com
"natural" que tais factos devem ser identificados com, ou ser vistos
como constituídos por, factos susceptíveis de serem investigados pelas ciências
da natureza. O não naturalismo ético entende os valores como factos sui
generis, sendo que qualquer tentativa de os identificar com factos naturais
incorre naquilo a que G. E. Moore (1903) chamou a "falácia
naturalista".
Roger Crisp
Referências e leitura complementar
Ayer, A.J. (1936) Language, Truth and Logic, London:
Gollancz; 2nd edn, 1946, ch. 6. (Uma das primeiras defesas do emotivismo, muito
influente.)
Foot, P.F. (1978) Virtues
and Vices, Oxford: Blackwell, esp. ch. 8. (Colectânea de ensaios de uma influente defensora do
naturalismo ético.)
Hare, R.M. (1952) The
Language of Morals, Oxford: Oxford University Press. (Exposição central do
prescritivismo.)
Hume, D. (1739/40) A Treatise of Human Nature, ed.
L.A. Selby-Bigge, revised by P.H. Nidditch, Oxford: Clarendon Press, 2nd
edn, 1978, book 3, part I, section 1. (Contém a "Lei de Hume" respeitante ao
"ser" e ao "dever ser".)
Mackie, J.L. (1977) Ethics:
Inventing Right and Wrong, Harmondsworth: Penguin. (Defende que os valores não são
factos, mas que a linguagem moral é uma tentativa de exprimir factos.)
Moore, G.E. (1903) Principia
Ethica, Cambridge: Cambridge University Press. (Crítica do naturalismo e defesa do
não naturalismo.)
Tradução de Desidério
Murcho
Publicado em Routledge Encyclopedia of Philosophy,
Publicado em Routledge Encyclopedia of Philosophy,
org.
Edward Craig
(Londres: Routledge, 1998)
Lola
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