Os direitos humanos não são um luxo em tempos difíceis
Relatório anual da Human Rights
Watch sublinha que atrocidades e políticas repressivas alimentaram as crises
que marcaram 2014.
Combatente do Estado Islâmico na Síria, junto à fronteira com a Turquia REUTERS |
Num
mundo em convulsão, “muitos governos cometem o erro de olhar para os direitos
humanos como um luxo de tempos menos conturbados”, reprimindo-os em nome da
segurança, denuncia a Human Rights Watch (HRW). No seu relatório anual, a
organização diz que 2014 provou que esta é uma política “contraproducente” e
sublinha que, por todo o mundo, a violação das leis internacionais apenas
serviu “para criar ou agravar muitas das crises” que ameaçam hoje a segurança
global.
Kenneth Roth,
director executivo da organização de defesa dos direitos humanos, fala de um
ciclo vicioso de repressão e violência que os governos alimentam quando atacam
os direitos dos seus cidadãos. É assim no Médio Oriente, onde o Estado Islâmico
(EI) usou em seu benefício as políticas sectárias dos governos da região, ou na
Nigéria ameaçada pelo Boko Haram, onde os abusos cometidos pelo Exército minam
a luta contra os extremistas. Mas também na China, cuja repressão da minoria
uigur “continua a avivar as tensões crescentes”. A HRW não poupa igualmente
críticas aos governos que se dizem respeitadores dos direitos humanos, mas que
por razões estratégicas ignoram as violações cometidas por países aliados ou,
confrontados com o terrorismo, limitam eles próprios as liberdades dos seus
cidadãos.
“O respeito pelos
direitos humanos exige uma contenção que pode parecer contraditória com a
atitude de ‘fazer o que for preciso’ que prevalece quando se enfrentam ameaças
de segurança graves. Mas o último ano provou o quão inconsequente este reflexo
pode ser”, escreve Roth no artigo que acompanha as mais de 600
páginas desta 25.ª edição do relatório da HRW sobre a situação dos direitos
humanos no mundo. “A violação dos direitos humanos gera muitas vezes estas
ameaças e o seu contínuo desrespeito agrava-as frequentemente.”
Exemplo acabado é o
EI, grupo extremista cujas acções “provocaram uma repulsa generalizada como
raramente se viu”, mas que a HRW faz questão de lembrar que “não nasceu do
vazio”. Trata-se, afirma a organização, de um produto da invasão americana do
Iraque – “do vazio de segurança” criado com a queda de Saddam e dos abusos
cometidos em presídios como Abu Ghraib –, dos petrodólares gastos pelos países
do Golfo com os grupos extremistas e das políticas sectárias dos países em cujo
território hoje opera.
Dificilmente o
grupo teria emergido como uma ameaça tão grave não fosse a perseguição que o anterior
primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, moveu contra os sunitas levando
várias tribos a preferir aliar-se aos jihadistas do que ficar à mercê das
milícias xiitas criadas por Bagdad. Na Síria, acrescenta Roth, os ataques
indiscriminados das forças de Assad contra as zonas controladas pela oposição e
a inacção internacional permitiu aos jihadistas “apresentarem-se como os únicos
dispostos ou capazes de responder a essas atrocidades”.
A HRW aponta também
o dedo aos débeis protestos dos ocidentais ao “brutal reinado” do Presidente
egípcio Abdel Fatah al-Sissi. Ao não condenar inequivocamente o golpe militar e
a repressão da Irmandade Muçulmana, o mundo ajudou a esmagar as aspirações
democráticas dos egípcios e deu ao EI argumentos para afirmar que “a violência
é o único caminho para o poder”.
Roth identifica o
mesmo padrão no fechar de olhos à repressão dos dissidentes na Rússia – que
“permitiu ao Kremlin silenciar a maioria das críticas às suas acções na
Ucrânia” –, ou na “relutância” dos ocidentais em condenarem os abusos cometidos
pelas forças ucranianas, “politizando o que deveria ser um apelo de princípio
ao respeito pela lei humanitária”.
O Presidente
norte-americano, Barack Obama, não escapa também às críticas pela recusa em
ordenar que os responsáveis pelas práticas de tortura denunciadas no relatório
do Senado à tortura pratica pela CIA no pós-11 de Setembro sejam julgados. Ao
não o fazer, abre caminho a que os seus sucessores, “olhem para a tortura como
uma opção política em vez de um crime”.
“Os direitos
humanos não são limitações arbitrárias impostas aos governos. Reflectem valores
fundamentais, amplamente partilhados”, escreve o director executivo da HRW no
artigo intitulado “O falso conforto da tirania”, no qual defende que “os ganhos
obtidos no curto prazo pelo desrespeito destes princípios e da sabedoria
fundamental que eles reflectem raramente justificam as consequências de longo
prazo que inevitavelmente terão de ser pagas”.
In Publico de29/01/2015 - 18:14
ANA FONSECA PEREIRA
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário