sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Perder um filho



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Perder um filho



Perder um filho. Não é ser órfão nem viúvo. O que é então? "É perder o futuro"



Um vazio absoluto. A falta de ar. O desespero, a raiva e a descrença. As palavras mais fortes não são capazes de definir a dor, na opinião de especialistas ouvidos pelo i

Perder os pais custa muito, mas a maioria encara essa fatalidade como um percurso natural da vida. Mas o que dizer dos pais que perdem os filhos? "É o mais duro golpe no paradigma em que aprendemos a acreditar, é uma experiencia que contraria o ciclo normal da vida", conta Ana Granja que, em seis meses, viu desaparecer-lhe a filha, devido a uma anorexia que a deixou vulnerável a uma pneumonia. Perder um filho é, por isso, um luto imprevisível e sem qualquer comparação: "Quando se perde um filho, perde-se o futuro."
As palavras, por mais fortes que sejam, são incapazes de mostrar até onde vai a dor. Nem sequer os especialistas conseguem diagnosticar com frieza os sintomas da perda. Assistir à morte de um filho é "completamente contranatura, é uma inversão do que supomos ser a lógica da vida", começa por explicar a psicóloga Joana Marafuz.
E é por isso que este sofrimento é o que mais destabiliza o ser humano. Os processos de substituição da presença pela memória e de recolocação no mundo ficam muito mais lentos e dolorosos, porque os pais não conseguem lidar com seus sentimentos: "Existe uma quebra das expectativas, uma perda da esperança e do sonho" em que os pais passam pelo "choque, pela raiva, pela solidão, pelo sentimento de injustiça e pelo desânimo em relação à vida."
Em boa parte das vezes, as manifestações desta perda são também físicas, podendo existir associadas, entre outros sintomas, a um grande cansaço, dificuldade em dormir, cefaleias, náuseas e vómitos. Mas, paradoxalmente, estas são as ferramentas para o trabalho de luto, conta a psicóloga: "Quanto mais próxima a relação com o filho, maior o impacto da perda no quotidiano e, quanto mais repentina, inesperada e catastrófica for a causa de morte, maior a dificuldade de aceitação deste acontecimento", diz Joana Marafuz.
Apesar de diversos autores ressalvarem que não há um luto igual, José Eduardo Rebelo, especialista e fundador da Associação do Apoio à Pessoa em Luto (Apelo), consegue definir quatro fases deste processo: o choque, que se traduz na negação da realidade; a descrença, um período em que não se está preparado para aceitar a perda e se procura a pessoa nos objectos, nas conversas com os outros, na tentativa de querer transformar as memórias em realidade. Estas são as duas primeiras etapas até se dar o reconhecimento da perda, com raiva, culpa, explosões de tristeza e, por vezes, a depressão. Por fim surge a aceitação, a redefinição do "eu".
Este é o processo de luto normal, mas a perda de um filho não é normal, alerta o fundador da Apelo, que há 21 anos perdeu a mulher e as filhas num acidente: "Não há uma palavra que designe o estado de um pai em luto - não é órfão, não é viúvo. O que é então? A palavra não existe porque a sociedade não está preparada para este tipo de perda, defende José Eduardo Rebelo que, em 2013, publicou o livro "Defilhar: como viver a perda de um filho". Se há quem espere que o tempo cure a dor, o especialista diz não haver treino para este luto: "Para os pais, um filho é sempre um filho único, mesmo numa família numerosa."




Mas será que o casal vive o luto da mesma forma? Joana Marafuz explica que pais e mães têm diferentes reacções emocionais face à perda e, "muitas vezes, é expectável que o companheiro tenha a força necessária para apoiar a mulher e os restantes filhos". O fundador da Apelo acrescenta ainda que vários estudos mostram que muitos dos casais que passam por este tipo de situações acabam por divorciar-se, embora "noutras situações, que parecem ser estatisticamente mais raras, exista uma reaproximação do casal".
Outra das questões que se coloca é se estes pais conseguem superar a perda sem recorrer a um apoio especializado. "Há quem consiga enfrentar o luto; no entanto, nunca iremos saber a que custo", explica Joana Marafuz. Também há os que procuram ajuda especializada, e são-lhes fornecidas estratégias para, do melhor modo possível, dentro do inerente sofrimento, superarem a intensidade da dor e a realidade da perda", explica a psicóloga. Já o autor de "Defilhar" acrescenta dois tipos de ajuda: os conselheiros e os terapeutas de luto, destinando-se os primeiros ao apoio de luto convencional, enquanto os segundos são indicados para o luto com características de índole psicopatológica.
Ana Granja, que perdeu a filha e escreveu posteriormente "Sem Ti, Inês", recorda que encontrou "muito consolo" na poesia e nos "esforços" para conviver com a dor. "Para lidar com alguém em profundo sofrimento, há que olhá-lo nos olhos, aprender a não fingir que não se passou nada, a não sentir constrangimento perante as lágrimas do outro. É preciso aprender a suportar o silêncio porque, às vezes, não há nada para dizer", aconselha a mãe de Inês, justificando que o "luto depende, obviamente, da rede social disponível", onde o apoio da família e dos amigos é essencial para a reconstrução do universo afectivo. "Infelizmente, numa sociedade que tem muita dificuldade em enfrentar a morte e o luto, nem sempre os amigos e a família conseguem dar-nos o apoio de que precisamos", conclui.
O processo de luto, diz José Eduardo Rebelo, termina com a superação por duas vias: aceitação ou conformação. "A aceitação é quando as vivências são transformadas em suaves e doces memórias, o passado não perturba o presente. Já na conformação, mantemos as vivências do passado e não se transformam em doces memórias." Na maioria dos casos "é invariavelmente por conformação", porque "não se aceita a perda de um filho, o defilhar, supera-se apenas", remata.
É necessário reivindicar o direito ao luto, "sem pressas, sem prazos culturalmente impostos por uma sociedade que lida muito mal com a dor e o sofrimento", defende Ana Granja. Porque o luto por um filho "é mesmo para doer". E o sofrimento é "proporcional ao amor", conclui. É um caminho "devastador", mas que não se compadece com fugas ou desvios inúteis, sendo "necessário percorrê-lo, esgotá-lo, senão corremos o risco de não lhe ver o fim".

In ionline.pt
Por Bárbara Marinho
publicado em 19 Fev 2015 - 10:00







E porque eu sei bem como se chama e sente esta que é a dor maior, 
sinto a amargura das palavras que se seguem...




                                                Lola

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