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Perder um filho
Perder um filho. Não é ser órfão nem viúvo. O que é então? "É perder o
futuro"
Um vazio absoluto. A
falta de ar. O desespero, a raiva e a descrença. As palavras mais fortes não
são capazes de definir a dor, na opinião de especialistas ouvidos pelo i
Perder os pais custa
muito, mas a maioria encara essa fatalidade como um percurso natural da vida.
Mas o que dizer dos pais que perdem os filhos? "É o mais duro golpe no
paradigma em que aprendemos a acreditar, é uma experiencia que contraria o
ciclo normal da vida", conta Ana Granja que, em seis meses, viu desaparecer-lhe
a filha, devido a uma anorexia que a deixou vulnerável a uma pneumonia. Perder
um filho é, por isso, um luto imprevisível e sem qualquer comparação:
"Quando se perde um filho, perde-se o futuro."
As palavras, por mais
fortes que sejam, são incapazes de mostrar até onde vai a dor. Nem sequer os
especialistas conseguem diagnosticar com frieza os sintomas da perda. Assistir
à morte de um filho é "completamente contranatura, é uma inversão do que
supomos ser a lógica da vida", começa por explicar a psicóloga Joana
Marafuz.
E é por isso que este
sofrimento é o que mais destabiliza o ser humano. Os processos de substituição
da presença pela memória e de recolocação no mundo ficam muito mais lentos e
dolorosos, porque os pais não conseguem lidar com seus sentimentos:
"Existe uma quebra das expectativas, uma perda da esperança e do
sonho" em que os pais passam pelo "choque, pela raiva, pela solidão,
pelo sentimento de injustiça e pelo desânimo em relação à vida."
Em boa parte das vezes,
as manifestações desta perda são também físicas, podendo existir associadas,
entre outros sintomas, a um grande cansaço, dificuldade em dormir, cefaleias,
náuseas e vómitos. Mas, paradoxalmente, estas são as ferramentas para o
trabalho de luto, conta a psicóloga: "Quanto mais próxima a relação com o
filho, maior o impacto da perda no quotidiano e, quanto mais repentina,
inesperada e catastrófica for a causa de morte, maior a dificuldade de
aceitação deste acontecimento", diz Joana Marafuz.
Apesar de diversos
autores ressalvarem que não há um luto igual, José Eduardo Rebelo, especialista
e fundador da Associação do Apoio à Pessoa em Luto (Apelo), consegue definir
quatro fases deste processo: o choque, que se traduz na negação da realidade; a
descrença, um período em que não se está preparado para aceitar a perda e se
procura a pessoa nos objectos, nas conversas com os outros, na tentativa de
querer transformar as memórias em realidade. Estas são as duas primeiras etapas
até se dar o reconhecimento da perda, com raiva, culpa, explosões de tristeza
e, por vezes, a depressão. Por fim surge a aceitação, a redefinição do
"eu".
Este é o processo de
luto normal, mas a perda de um filho não é normal, alerta o fundador da Apelo,
que há 21 anos perdeu a mulher e as filhas num acidente: "Não há uma
palavra que designe o estado de um pai em luto - não é órfão, não é viúvo. O
que é então? A palavra não existe porque a sociedade não está preparada para
este tipo de perda, defende José Eduardo Rebelo que, em 2013, publicou o livro
"Defilhar: como viver a perda de um filho". Se há quem espere que o
tempo cure a dor, o especialista diz não haver treino para este luto:
"Para os pais, um filho é sempre um filho único, mesmo numa família
numerosa."
Mas será que o casal
vive o luto da mesma forma? Joana Marafuz explica que pais e mães têm
diferentes reacções emocionais face à perda e, "muitas vezes, é expectável
que o companheiro tenha a força necessária para apoiar a mulher e os restantes
filhos". O fundador da Apelo acrescenta ainda que vários estudos mostram
que muitos dos casais que passam por este tipo de situações acabam por
divorciar-se, embora "noutras situações, que parecem ser estatisticamente
mais raras, exista uma reaproximação do casal".
Outra das questões que
se coloca é se estes pais conseguem superar a perda sem recorrer a um apoio
especializado. "Há quem consiga enfrentar o luto; no entanto, nunca iremos
saber a que custo", explica Joana Marafuz. Também há os que procuram ajuda
especializada, e são-lhes fornecidas estratégias para, do melhor modo possível,
dentro do inerente sofrimento, superarem a intensidade da dor e a realidade da
perda", explica a psicóloga. Já o autor de "Defilhar" acrescenta
dois tipos de ajuda: os conselheiros e os terapeutas de luto, destinando-se os
primeiros ao apoio de luto convencional, enquanto os segundos são indicados
para o luto com características de índole psicopatológica.
Ana Granja, que perdeu a
filha e escreveu posteriormente "Sem Ti, Inês", recorda que encontrou
"muito consolo" na poesia e nos "esforços" para conviver
com a dor. "Para lidar com alguém em profundo sofrimento, há que olhá-lo
nos olhos, aprender a não fingir que não se passou nada, a não sentir
constrangimento perante as lágrimas do outro. É preciso aprender a suportar o
silêncio porque, às vezes, não há nada para dizer", aconselha a mãe de
Inês, justificando que o "luto depende, obviamente, da rede social
disponível", onde o apoio da família e dos amigos é essencial para a reconstrução
do universo afectivo. "Infelizmente, numa sociedade que tem muita
dificuldade em enfrentar a morte e o luto, nem sempre os amigos e a família
conseguem dar-nos o apoio de que precisamos", conclui.
O processo de luto, diz
José Eduardo Rebelo, termina com a superação por duas vias: aceitação ou
conformação. "A aceitação é quando as vivências são transformadas em
suaves e doces memórias, o passado não perturba o presente. Já na conformação,
mantemos as vivências do passado e não se transformam em doces memórias."
Na maioria dos casos "é invariavelmente por conformação", porque
"não se aceita a perda de um filho, o defilhar, supera-se apenas",
remata.
É necessário reivindicar
o direito ao luto, "sem pressas, sem prazos culturalmente impostos por uma
sociedade que lida muito mal com a dor e o sofrimento", defende Ana
Granja. Porque o luto por um filho "é mesmo para doer". E o
sofrimento é "proporcional ao amor", conclui. É um caminho
"devastador", mas que não se compadece com fugas ou desvios inúteis,
sendo "necessário percorrê-lo, esgotá-lo, senão corremos o risco de não
lhe ver o fim".
In ionline.pt
Por Bárbara Marinho
publicado em 19 Fev 2015 - 10:00
publicado em 19 Fev 2015 - 10:00
E porque eu sei bem como se chama e sente esta que é a dor maior,
sinto a amargura das palavras que se seguem...
Lola
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