Kant
versus Sófocles
Yannis
Varoufakis, o académico que saltou para a ribalta mundial após ter sido nomeado
ministro das Finanças da Grécia, muito crítico da corrente de economistas que
teorizam políticas de austeridade, acha que os modelos económicos hoje
prevalecentes têm pouco poder explicativo.
Declarou
numa entrevista: “Esta minha profissão [de economista] não é de maneira nenhuma
parecida com a astronomia. É muito mais próxima de uma superstição
matematizada, uma superstição organizada, que tem de continuar a ter os seus
sacerdotes escolhidos de entre aqueles que conseguem aprender bem os rituais.”
Os magos da economia, no seu entender, constroem modelos da realidade, com base
em estatísticas escolhidas a dedo, mas não conseguem fazer nenhuma previsão
decente. Nem sequer conseguem prever o passado, ironiza.
O seu
ramo de especialização é a teoria dos jogos, a descrição matemática de
situações de competição ou cooperação, onde são relevantes factores
psicológicos como a leitura antecipada das intenções do parceiro e a tentativa
de o iludir a respeito das intenções próprias. Essa teoria analisa ambientes
como o do jogo de POKER
, onde o bluff é parte essencial
da estratégia. E foi talvez devido a essa sua fama de perito em jogos que ele
se sentiu obrigado a publicar no New York Times no mesmo dia
em que reunia em Bruxelas o Eurogrupo para discutir a situação da Grécia, um
artigo de opinião intitulado “Não é tempo para jogos na Europa”, onde declara
que não está a fazer bluff ao recusar a política de austeridade
imposta até agora pela troika. Pergunta e responde: “E se a única
forma de garantir o financiamento for passar as linhas vermelhas e aceitar
medidas que considero serem parte do problema e não da solução? Fiel ao
princípio de que não tenho o direito de fazer bluff, a minha
resposta é: As linhas que digo serem vermelhas não serão passadas. Senão, não
seriam realmente vermelhas, mas apenas bluff.”
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E atira para cima
dos alemães com o imperativo categórico de Kant: “A maior influência aqui é
Emanuel Kant, o filósofo alemão que nos ensinou que um ser racional e livre
deve evadir-se do império das conveniências, fazendo o que é certo.” O que é
certo? “Vamos abandonar, quaisquer que sejam as consequências, acordos que são
maus para a Grécia e maus para a Europa. Vai acabar o jogo do ‘adia e finge’
iniciado em 2010 quando a dívida pública da Grécia começou a ficar
impraticável.”
A
proposta de Varoufakis e de outros economistas consiste num new deal,
um programa geral de investimento na União Europeia no actual quadro institucional.
Os gregos honrariam o serviço da dívida na medida em que a sua economia
crescesse. Esta proposta é, porém, recusada pelo masterminddo jogo
do “adia e finge”, o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble. Para
Schäuble, jurista de formação, o fundamental é o cumprimento das regras que
estabeleceu: “As regras são muito claras”. A haver tragédia, para o ministro
alemão ela seria apenas grega. Uma tragédia ao estilo de Sófocles mas local.
A colisão
parece iminente: é provável a interrupção do financiamento da troika já
que o lado alemão, que tem presidido sem oposição à Europa, deseja a saída da
Grécia da Eurozona. As consequências dessa saída serão terríveis para este
país, mas serão também muito más para a Europa. Dando de barato que o actual
governo grego sobrevive, os helénicos regressariam ao dracma e tentariam obter
apoios fora da Europa, com toda a instabilidade que tal traria à geoestratégia
mundial. Por seu lado, os bancos, alemães e outros, teriam de reescrever, em
baixa, os seus livros de contas. Mas, pior que tudo, a União Europeia, já tão
débil, ficaria mais fraca. Portugal, Espanha e Itália poderiam ser as próximas
peças de dominó a cair. O que vai acontecer? Julgo que mais do que um problema
financeiro estamos perante um sério problema político. Espero que haja um
acordo político de última hora, embora o intervalo temporal seja cada vez mais
estreito. O discurso escalou para níveis que fazem temer prejuízo para todos.
Se Varoufakis não ajudou nada ao comparar a troika a torcionários,
Schäuble também não quando afirmou sentir pena do povo grego por ter eleito um
governo irresponsável. Mas previsões só no fim do jogo…
E
Portugal? Se a Grécia obtiver qualquer benefício, ele terá obviamente de ser
extensível ao nosso país, pelo que só poderemos lucrar com as reivindicações
gregas. Pedro Passos Coelho foi bastante infeliz quando afirmou que as ideias
do Syriza eram um “conto de crianças”. Fez lembrar aqueles rapazes mais
espigadotes, mas ainda de calções, que chamam crianças aos seus colegas para se
darem ares de adulto. Temos um primeiro-ministro que defende à outrance a
austeridade, toda e qualquer austeridade que venha de Berlim. Ele já disse que
não quer saber das eleições. O eleitorado não quererá decerto saber dele.
Professor
universitário (tcarlos@uc.pt)
In Publico,
CARLOS FIOLHAIS,
Lola
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