quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Kant versus Sófocles



Kant versus Sófocles

Julgo que mais do que um problema financeiro estamos perante um sério problema político.

Yannis Varoufakis, o académico que saltou para a ribalta mundial após ter sido nomeado ministro das Finanças da Grécia, muito crítico da corrente de economistas que teorizam políticas de austeridade, acha que os modelos económicos hoje prevalecentes têm pouco poder explicativo.
Declarou numa entrevista: “Esta minha profissão [de economista] não é de maneira nenhuma parecida com a astronomia. É muito mais próxima de uma superstição matematizada, uma superstição organizada, que tem de continuar a ter os seus sacerdotes escolhidos de entre aqueles que conseguem aprender bem os rituais.” Os magos da economia, no seu entender, constroem modelos da realidade, com base em estatísticas escolhidas a dedo, mas não conseguem fazer nenhuma previsão decente. Nem sequer conseguem prever o passado, ironiza.
O seu ramo de especialização é a teoria dos jogos, a descrição matemática de situações de competição ou cooperação, onde são relevantes factores psicológicos como a leitura antecipada das intenções do parceiro e a tentativa de o iludir a respeito das intenções próprias. Essa teoria analisa ambientes como o do jogo de POKERhttp://cdncache-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png, onde o bluff é parte essencial da estratégia. E foi talvez devido a essa sua fama de perito em jogos que ele se sentiu obrigado a publicar no New York Times no mesmo dia em que reunia em Bruxelas o Eurogrupo para discutir a situação da Grécia, um artigo de opinião intitulado “Não é tempo para jogos na Europa”, onde declara que não está a fazer bluff ao recusar a política de austeridade imposta até agora pela troika. Pergunta e responde: “E se a única forma de garantir o financiamento for passar as linhas vermelhas e aceitar medidas que considero serem parte do problema e não da solução? Fiel ao princípio de que não tenho o direito de fazer bluff, a minha resposta é: As linhas que digo serem vermelhas não serão passadas. Senão, não seriam realmente vermelhas, mas apenas bluff.” 
E atira para cima dos alemães com o imperativo categórico de Kant: “A maior influência aqui é Emanuel Kant, o filósofo alemão que nos ensinou que um ser racional e livre deve evadir-se do império das conveniências, fazendo o que é certo.” O que é certo? “Vamos abandonar, quaisquer que sejam as consequências, acordos que são maus para a Grécia e maus para a Europa. Vai acabar o jogo do ‘adia e finge’ iniciado em 2010 quando a dívida pública da Grécia começou a ficar impraticável.”


A proposta de Varoufakis e de outros economistas consiste num new deal, um programa geral de investimento na União Europeia no actual quadro institucional. Os gregos honrariam o serviço da dívida na medida em que a sua economia crescesse. Esta proposta é, porém, recusada pelo masterminddo jogo do “adia e finge”, o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble. Para Schäuble, jurista de formação, o fundamental é o cumprimento das regras que estabeleceu: “As regras são muito claras”. A haver tragédia, para o ministro alemão ela seria apenas grega. Uma tragédia ao estilo de Sófocles mas local.
A colisão parece iminente: é provável a interrupção do financiamento da troika já que o lado alemão, que tem presidido sem oposição à Europa, deseja a saída da Grécia da Eurozona. As consequências dessa saída serão terríveis para este país, mas serão também muito más para a Europa. Dando de barato que o actual governo grego sobrevive, os helénicos regressariam ao dracma e tentariam obter apoios fora da Europa, com toda a instabilidade que tal traria à geoestratégia mundial. Por seu lado, os bancos, alemães e outros, teriam de reescrever, em baixa, os seus livros de contas. Mas, pior que tudo, a União Europeia, já tão débil, ficaria mais fraca. Portugal, Espanha e Itália poderiam ser as próximas peças de dominó a cair. O que vai acontecer? Julgo que mais do que um problema financeiro estamos perante um sério problema político. Espero que haja um acordo político de última hora, embora o intervalo temporal seja cada vez mais estreito. O discurso escalou para níveis que fazem temer prejuízo para todos. Se Varoufakis não ajudou nada ao comparar a troika a torcionários, Schäuble também não quando afirmou sentir pena do povo grego por ter eleito um governo irresponsável. Mas previsões só no fim do jogo…
E Portugal? Se a Grécia obtiver qualquer benefício, ele terá obviamente de ser extensível ao nosso país, pelo que só poderemos lucrar com as reivindicações gregas. Pedro Passos Coelho foi bastante infeliz quando afirmou que as ideias do Syriza eram um “conto de crianças”. Fez lembrar aqueles rapazes mais espigadotes, mas ainda de calções, que chamam crianças aos seus colegas para se darem ares de adulto. Temos um primeiro-ministro que defende à outrance a austeridade, toda e qualquer austeridade que venha de Berlim. Ele já disse que não quer saber das eleições. O eleitorado não quererá decerto saber dele.

Professor universitário (tcarlos@uc.pt)
In Publico,
CARLOS FIOLHAIS,  
18/02/2015 - 06:57




                                                Lola

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