![]() |
Yanis Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia
Politico
"O meu maior
medo, agora que aceitei o desafio, é que possa transformar-me num
político"
Varoufakis, ministro-sensação do
governo grego, viveu, estudou e trabalhou em vários países, veste-se de ganga e
cabedal, anda de moto pelas ruas de Atenas, gosta de chocar. E tem a carta de
demissão sempre à mão
Na
vida de Yanis Varoufakis há várias figuras femininas importantes: Xenia, a
filha de 10 anos, que vive com a mãe na Austrália e a quem dedicou um dos seus
últimos livros, sobre a crise grega; Danae Stratou, a sua segunda mulher, que
ficou a viver em Austin, no Texas, enquanto ele voltou ao país natal para ser
ministro das Finanças do novo governo da Grécia. Mas há uma terceira mulher que
o marcou e definiu muito do que é e defende hoje: Margaret Thatcher, a
primeira-ministra britânica que ficou conhecida como a Dama de Ferro.
Natural
de Atenas, Varoufakis chegou a Inglaterra para estudar Matemática Económica na
Universidade de Essex em setembro de 1978, oito meses antes de a política
conservadora vencer as legislativas. Quando Thatcher ganhou as eleições, ainda
lhe deu o benefício da dúvida e pensou que a sua vitória traria algo de bom.
"Mesmo quando o desemprego duplicava perante as suas intervenções
neoliberais, continuava a ter esperança de que estivesse certa a máxima de
Lenine de que as coisas vão piorar antes de melhorar. Mas depois percebi que as
coisas podem piorar de forma perpétua sem nunca melhorarem", escreve
Varoufakis, hoje com 53 anos, em Confissões de um marxista errático,
um discurso que fez em maio de 2013 na 6.ª edição do Festival Subversivo de
Zagreb e pôs no seu blogue. "No que toca à capacidade que uma recessão de
longa duração tem de minar políticas progressistas e entrincheirar a
misantropia na fibra da sociedade, a lição, dura, que a Sr.ª Thatcher me
ensinou é a que trago comigo até hoje para a crise europeia."
Olhado
com desconfiança nos países do Norte e Centro da Europa, nos do Sul o ministro
do Syriza é visto com um misto de curiosidade e de esperança por muitos, mesmo
por aqueles que em público não podem mostrar qualquer sinal de simpatia ou
interesse pelo que diz. "A discussão deixou de ser técnica, passou a ser
política. Esse contributo dado pela Grécia não é para recuar, é para manter
(...) Temos essa experiência da discussão com a troika, que era
pura e simplesmente técnica. Mas depois vinham dirigentes dessas instituições
dizer coisas diferentes", afirmou na quinta-feira, na TVI 24, a
ex-ministra das Finanças portuguesa Manuela Ferreira Leite. A ex-líder do PSD
sublinhou que algumas das ideias de Varoufakis têm o seu mérito, como a de
indexar a dívida ao crescimento e trocar a dívida por obrigações perpétuas.
"Acho boa ideia (...) Seria uma boa forma de todos os países se
solidarizarem e interessarem pelo crescimento destes países. Neste momento não
estão interessados em que a Grécia ou Portugal cresçam ou não cresçam. O que
querem é o seu dinheirinho, com razão. Mas seria bom que pensassem que o seu
dinheirinho chegaria se esses países crescessem. Acho mais interessante ainda a
questão da dívida perpétua."
Ontem,
centenas de economistas de vários países lançaram um apelo, através do site Mediapart,
para que "os governos da Europa, Comissão Europeia, Banco Central Europeu
e Fundo Monetário Internacional respeitem a vontade do povo grego de escolher
uma nova via e iniciar negociações de boa-fé com o novo governo grego para
resolver a questão da dívida". Mas a posição da Alemanha, a maior economia
europeia que liderou o processo de decisão das políticas de resposta à crise e
empenhou mais nos resgates europeus do que no Orçamento do Estado para 2015, é
bastante clara: "Promessas às custas dos outros não são realistas",
declarou o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, no encontro com
Yanis Varoufakis.
"Nem
sequer chegámos a concordar que estamos em desacordo", disse, por seu
lado, em Berlim, o ministro-sensação do governo liderado por Alexis Tsipras.
Varoufakis tem sido uma espécie de porta-voz do novo executivo, talvez por
falar bem inglês, ao contrário do primeiro--ministro, pois estudou, viveu e
trabalhou vários anos no Reino Unido, na Austrália e nos EUA. Mas não são só as
ideias do ministro das Finanças grego para resolver um problema de dívida da
ordem dos 317 mil milhões de euros e de 177% do PIB da Grécia que abalam o statu
quoexistente na União Europeia. É todo um estilo, o de se deslocar de moto
por Atenas, uma Yamaha, o de não usar gravata, preferindo aos fatos
impecavelmente engomados as camisas pretas ou às cores, conjugadas com calças
de ganga pretas, sapatos da mesma cor e, por cima disto tudo, um sobretudo de
cabedal pelos joelhos. "Varoufakis, o comunista libertário, vem [à
Alemanha] como um cão à procura de uma luta, com a sua camisa por fora das
calças e colarinho aberto. Ameaça, queixa-se, quer a vitória - acima de tudo
sobre a Alemanha. Mas ninguém deve borrar-se nas calças por causa deste rufia.
Caso contrário estamos condenados à derrota", escreveu, em editorial, o Die
Welt.
A
Alemanha foi um dos países que o ministro grego visitou na última semana. Ao
longo do périplo, foi colocando posts na sua conta de Twitter,
que tem, atualmente, mais de 200 mil seguidores. Pelas ruas da capital grega é
cumprimentado como se fosse um herói dos videojogos da empresa norte-americana
- Valve Corporation - de que durante algum tempo foi consultor. À porta do
Ministério das Finanças, como ontem aconteceu, os jornalistas esperam-no para
mais uma declaração e ele lá vai falando, enquanto caminha, de mochila às
costas, em direção ao seu gabinete. "Uma camisa apropriada para o
Wetherspoon e um casaco próprio de um traficante de droga Madchester dos anos
1990", escreveu, no The Guardian, a consultora de moda Imogen
Fox, referindo-se primeiro à rede de bares com aquele nome no Reino Unido e
depois ao movimento de rock alternativo de Manchester.
Mas
quem conhece bem o governante grego não se surpreende minimamente com o seu
estilo: "Há uma coisa que ninguém sabe, que pode surpreender, é que Yanis
era o secretário da associação de estudantes negros", contou ao The
IndependentMonojit Chatterjee, que supervisionou a tese de doutoramento em
Economia de Varoufakis na Universidade de Essex e ficou amigo dele.
"Quando lhe perguntaram o que é que ele fazia ali, respondeu que negro era
um termo político e que, como grego, em termos de etnicidade, ele tinha tantos
motivos para estar ali como qualquer outra pessoa." Vassilis Goulandris,
um amigo da escola primária de Varoufakis, ouvido pelo mesmo jornal, esclareceu
que o ministro se veste "igual a si próprio", admitindo, porém, que
"essa é a sua maneira de desafiar os outros e confrontá-los com os seus
argumentos". Goulandris conta que o antigo colega "se envolve de
forma apaixonada em tudo o que consegue fazer ao longo do dia, seja jogar
voleibol, andar de bicicleta, tocar um instrumento de teclas num grupo de
música, fazer um discurso sobre música contemporânea ou mesmo sobre
política". A mesma energia é relatada àquele diário por Nicholas
Theodorakis, professor e economista grego, com quem o ministro e a sua segunda
mulher, a artista plástica Danae Stratou, costumam passar férias. "Depois
de um mergulho na piscina, quando todos iam dormir uma sesta, o Yanis ia
escrever algumas palavras para um jornal ou para um site, dar uma
entrevista pelo Skype, depois preparar um seminário ou um livro. Tentar
acompanhar a agenda dele faz-nos sentir exaustos", confessa, revelando que
Varoufakis gosta de ir ao ginásio, jogar basquetebol, cozinhar comida
tailandesa. E garante Theocarakis: "Ele gosta de improvisar. Não se limita
a seguir uma receita."
O
ministro do Syriza conheceu a atual mulher há dez anos, altura em que sofria
pelo facto de a primeira companheira, de origem australiana, ter levado a filha
pequena para a Austrália. "A minha pequena filha Xenia foi viver para a
Austrália. Por razões, que agora vejo serem legítimas, a mãe resolveu levá-la
para Sydney, onde vive, desde então, o que garante a minha relação com esta
cidade", escreveu no seu blogue Varoufakis, que pelo menos duas vezes por
ano viaja até à Austrália e tem dupla nacionalidade grega e australiana. A
artista Danae Stratou, de 50 anos, já tinha dois filhos de uma relação anterior
e é filha da conhecida artista grega Eleni Potaga-Stratou. Já expôs em vários
países e representou a Grécia na 48.ª Bienal de Veneza. Com Varoufakis, criou
em 2010 a plataforma Vital Space e, antes disso, visitaram juntos sete das
fronteiras mais conflituosas do mundo - Palestina, Etiópia-Eritreia, Belfast,
Chipre, Caxemira e México - tendo a viagem resultado posteriormente na obra CUT:
7 Dividing Lines. Nos textos que escreve, o governante grego cruza, com
à-vontade, as teorias económicas de nomes como Karl Marx, John Maynard Keynes,
David Ricardo, Paul Samuelson, Adam Smith, com os enredos de livros como A
Guerra dos Mundos de H. G. Wells (1898) ou de filmes comoMatrix dos
irmãos Wachowski (1999).
Autor
de O Minotauro Global: América, as Verdadeiras Origens da Crise
Financeira e o Futuro da Economia Global ou Uma Proposta
Modesta para Resolver a Crise da Zona Euro, de 2011 e 2010, Varoufakis foi,
em março do ano passado, uma das personalidades estrangeiras que subscreveram o
manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa. Conselheiro económico do
ex-primeiro-ministro grego George Papandreou, do Pasok, com quem se
incompatibilizou em 2006, o ministro das Finanças grego escreveu Uma
Proposta Modesta com James K. Galbraith e Stuart Holland. Este último
é professor convidado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
tendo sido conselheiro de políticos como Andreas Papandreou, António Guterres
ou Jacques Delors.
O
título da obra remete para alguma ironia ao ir buscar o nome à sátira que
Jonathan Swift escreveu em 1729 no âmbito da crise económica irlandesa. Em Uma
Proposta Modesta para Impedir Que os Filhos das Pessoas Pobres da Irlanda
Sejam Um Fardo para os Seus Progenitores ou para o País e para Torná-los
Proveitosos ao Interesse Público, Swift propõe, entre outras coisas, que os
irlandeses pobres vendam os seus filhos como comida aos cavalheiros e às
senhoras ricas. No seu documento, Varoufakis, Galbraith e Holland propõem um
New Deal para a Europa, que não requer a criação de novas instituições nem a
alteração das leis e dos tratados existentes na UE, não pressupõedefaults nem
uniões bancárias complexas ou o ficar à espera que, um dia, chegue o
federalismo.
Sob
pena de "uma implosão da zona euro destruir a UE em tudo exceto no
nome", os autores pedem um New Deal europeu financiado pelo Banco Europeu
de Investimento e Fundo Europeu de Investimento, querem que o Mecanismo Europeu
de Estabilidade financie preferencialmente os bancos, que seja adotado um
mecanismo que coloque o rácio da dívida no limite de 60% do PIB permitido pelo
Tratado de Maastricht e que, caso um país tenha um valor superior, como é o
caso da Grécia, que esse diferencial seja convertido em obrigações do Banco
Central Europeu. O objetivo seria pôr um travão ao que classificam de grave
crise social e humana e libertar os países do peso dos juros cobrados sob
pressão dos mercados para fazer mais investimentos. Apesar de tudo, Varoufakis,
que no seu curriculum vitae de 13 páginas diz que já
supervisionou mais de 300 teses e dissertações de mestrado em cinco países ao
longo das últimas três décadas, reconhece no seu blogue: "Estas propostas
não têm nenhuma hipótese, compreendo agora, a menos que sejam postas em cima da
mesa do Eurogrupo, do Ecofin e do Conselho Europeu." Esse será o teste que
ele e Alexis Tsipras enfrentarão já na próxima semana, em Bruxelas, depois do
périplo inicial que fizeram. O ministro que se descreve como "um
economista acidental" confessa, mais uma vez, no seu blogue: "O meu
maior medo, agora que aceitei o desafio, é que possa transformar--me num
político." Mas, recuperando algo que em 2001 foi feito por Dick Cheney nos
EUA, garante: "Como antídoto para esse vírus, vou escrever a minha carta
de demissão e guardá-la no bolso, pronta para ser entregue assim que eu sinta
sintomas de que estou a faltar ao compromisso de dizer a verdade."
DN, por Patrícia Viegas
07 fevereiro 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário