quarta-feira, 4 de março de 2015

Ética de Kant - críticas




Ética de Kant - críticas 



1 – As regras morais não são absolutas


Kant defende que para agirmos moralmente temos de respeitar de forma incondicional um conjunto de algumas regras morais (deveres ditados pela nossa razão). Para Kant, essas regras morais são absolutas, são para serem respeitadas de forma incondicional, sem excepções, em todas as situações do nosso quotidiano.

Uma dessas regras é o nosso “dever de não mentir”. Para Kant, não devemos mentir em toda e qualquer situação. Mas quererei eu que este princípio de acção se aplique universalmente a todos os casos possíveis de acção? Vamos ver um caso em que é preferível mentir a dizer a verdade, ou seja, em que é mais moralmente correcto mentir a dizer a verdade, sendo o caso de termos de mentir com vista a salvarmos a vida de uma pessoa (lembre-se de que Kant admitira que não existiam excepções para a violação ou desobediência a estas regras morais).

Imagine que vai na rua e de repente vê um rapaz a correr aflito na sua direcção, entrando, logo de seguida, numa casa abandonada que se encontrava ao seu lado. Poucos segundos depois, quando retomava o seu percurso, avista um homem com uma pistola na mão que lhe pergunta de relance se viu algum rapaz a correr, percebendo de imediato, naquele momento, que o homem teria a intenção de disparar contra o rapaz e, provavelmente, de matá-lo. O que diz ao homem? 

Tem duas possibilidades de acção.

Uma das possibilidades é dizer a verdade ao homem, dizendo-lhe que o rapaz se encontra mesmo ali ao vosso lado, no interior da casa abandonada, sabendo que as consequências do que afirmou poderão eventualmente resultar na morte do rapaz.

A outra das possibilidades é mentir, dizendo ao homem que o rapaz seguiu em frente. Mentir? Mas isso Kant não o permitiria, diria. Exacto, não o permitiria. Mas o que é que para si é mais moralmente correcto, dizer a verdade e pôr em causa a vida de uma pessoa ou mentir e provavelmente salvar a vida de uma pessoa?

 De acordo com uma das formulações do imperativo categórico de Kant, como irias querer que todas as pessoas agissem quando confrontadas com essa situação:
1 – Que mentissem e não pusessem em causa a vida de um jovem
2 – Que dissessem a verdade e pusessem em causa a vida de um jovem.
Vamos colocar as duas na balança da decisão ética. Tenho a certeza de que a maioria das pessoas concordaria com a primeira das hipóteses.

É claro que Kant iria afirmar que, dizendo a verdade ou pura e simplesmente mentindo, as consequências são imprevisíveis. Portanto, o melhor é sempre dizermos a verdade, aquilo que a nossa razão nos ordena. Mas isto é absurdo, porque um caso como este põe em causa a vida de uma pessoa e, neste sentido, podemos dizer que as consequências daquilo que afirmamos poderão provavelmente resultar na morte de um jovem.  
Ora, este exemplo revela que nem sempre é moralmente correcto termos de respeitar de forma incondicional as regras morais da nossa consciência racional, tal como Kant nos tinha dito. Logo, concluímos que as regras morais não são absolutas.

2 – A situação dos casos de conflito

Uma certa pessoa tem de optar entre duas possibilidades de acção (fazer A ou fazer B). Verifica-se que fazer A é moralmente incorrecto e fazer B é moralmente incorrecto. O que faria o defensor da teoria ética de Kant perante esta situação?

Atente na seguinte situação: “Durante a Segunda Guerra Mundial, os pescadores holandeses transportavam, secretamente nos seus barcos, refugiados judeus para Inglaterra e os barcos de pesca com refugiados a bordo eram por vezes interceptados por barcos patrulha nazis. O capitão nazi perguntava então ao capitão holandês qual o seu destino, quem estava a bordo, e assim por diante. Os pescadores mentiam e obtinham permissão de passagem. Ora, é claro que os pescadores tinham apenas duas alternativas, mentir ou permitir que os seus passageiros (e eles mesmos) fossem apanhados e executados. Não havia terceira alternativa.”

Os pescadores holandeses encontravam-se então na seguinte situação: ou “mentimos” ou “permitimos o homicídio de pessoas inocentes”. Os pescadores teriam de escolher uma dessas opções. De acordo com Kant, qualquer uma delas é errada, na medida em que as regras morais “não devemos mentir” e “não devemos matar” (ou permitir o assassínio de inocentes, no caso do exemplo dado) são absolutas. O que fazer então?

Verificamos que a teoria ética de Kant não saberia responder perante uma situação de conflito, porque proíbe ambas as possibilidades de acção por estas se revelarem moralmente incorrectas. Mas a verdade é que, perante uma situação destas, a qual por acaso se passou na realidade, teríamos de optar por uma dessas duas possibilidades. Se a teoria ética de Kant nos proíbe de optar por uma delas, mas na realidade somos forçados a optar por uma, a teoria ética de Kant revela-se incoerente. Incoerente porque aquilo que concluímos (existem casos em que temos de mentir) contradiz aquilo que Kant defende (não devemos mentir nunca e em qualquer situação e isto porque para Kant as regras morais são absolutas). 
3 – O papel que Kant confere aos sentimentos de 

compaixão e piedade na avaliação da moralidade das 

nossas acções parece inadequado

Ex. Imaginemos que uma pessoa x se desloca a um hospital para visitar um amigo e, enquanto aguarda para entrar na sala, observa um doente que se encontra sozinho numa outra sala deitado numa cama. Essa pessoa pergunta ao doente se precisa de alguma coisa e inicia uma conversa com o doente. O doente mostra-se bastante agradecido à pessoa pela sua atenção para com ele, ao que a pessoa x responde de imediato: “Mas, não tem nada que agradecer. Eu apenas perguntei se precisava de alguma coisa, porque esse é o meu dever, mas não por se encontrar sozinho ou por reparar que estava a gostar da nossa conversa”.

A pessoa x ajudou o doente, não por um sentimento de compaixão para com o doente, mas porque essa é a sua obrigação moral, neste caso a obrigação de ajudar os necessitados. De acordo com a teoria ética de Kant, a pessoa x agiu moralmente.
Mas será que devemos agir sempre desta maneira? Poderemos nós agir no auxílio a uma pessoa doente sem nunca revelarmos qualquer sentimento de compaixão ou piedade para com o doente em sofrimento? O que é que diria o doente depois da justificação da pessoa x? Certamente deixaria de se mostrar agradecido. Logo, concluímos que, por vezes, as nossas acções morais têm de ser produzidas por um sentimento de amizade, compaixão ou piedade.  
  
Outro exemplo é o da pessoa que pergunta pela saúde 

de um nosso familiar ou amigo.


    Imaginemos a seguinte situação: O Pedro dirige-se a um café próximo da sua casa e, quando se chega próximo do balcão, o dono do café, o Sr. Fernando, pergunta-lhe pela saúde do seu tio. O Pedro mostra-se agradecido pela atenção do Sr. Fernando, pela sua afectividade e compaixão para com as pessoas em dificuldades, e diz: “Obrigado pela sua atenção, Sr. Fernando, o senhor é uma pessoa com um elevado sentimento de compaixão pela dor dos outros”.

Depois de ouvir esta afirmação do Pedro, o Sr. Fernando responde-lhe: “Mas Pedro, não tens nada que agradecer, eu perguntei pela saúde do teu tio porque é meu dever perguntar pela saúde das pessoas que se encontram em dificuldades, não foi por ter sentido um qualquer sentimento de compaixão ou piedade pelo estado de dor e sofrimento do teu tio.”

De acordo com a teoria ética de Kant, o Sr. Fernando agiu de forma moral, porque, ao perguntar pela saúde do tio do Pedro (agiu de acordo com o dever de ajudar pessoas em dificuldades), fê-lo porque simplesmente o deve fazer (porque simplesmente deve ajudar pessoas em dificuldades). Significa isto que o Sr. Fernando cumpriu o dever (neste caso, ajudar pessoas em dificuldades), não porque essa acção tenha sido produzida por um certo interesse ou inclinação sensível (como a inclinação sensível da compaixão ou da piedade), mas porque simplesmente deve cumprir o dever (o dever de ajudar em toda e qualquer circunstância pessoas em dificuldades).

Mas será que é moralmente correcto agirmos da maneira como o Sr. Fernando agiu?

 Será que é possível não sentirmos um sentimento de compaixão ou piedade pelos outros? Aquilo que este exemplo nos transmite mais uma vez, é que, por vezes, as nossas acções morais têm de ser produzidas por um certo sentimento de compaixão, caso contrário perdem o seu valor moral.

Verificamos a partir deste exemplo que a teoria ética de Kant apresenta falhas.



Se a teoria ética de Kant é verdadeira, uma acção, para ter valor moral, não pode ser produzida por nenhum sentimento de compaixão ou piedade (porque, para Kant, este sentimento de compaixão ou piedade que produz a acção corresponde ao agir que se submete a um interesse particular ou inclinação). Ora, verificamos que existem certas acções que, para terem valor moral, têm de ser produzidas por um certo sentimento de compaixão ou piedade. Logo, a teoria ética de Kant não é plausível.

In Plátano Editora






                                                Lola
      

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