domingo, 26 de abril de 2015

Desobediência Civil e Democracia




Desobediência Civil e Democracia

O que é então a desobediência civil?

É uma acção ilegal não criminosa que por razões éticas protesta publicamente contra leis e medidas das autoridades políticas estando os seus autores dispostos a sofrer as consequências da infracção da lei. O que transforma a desobediência em protesto moral é a injustiça das leis ou das suas aplicações.

Há por conseguinte uma diferença significativa entre desobediência civil e desobediência criminosa. A desobediência civil é pública e visa denunciar publicamente injustiças legais enquanto a desobediência criminosa consiste num acto ilegal cometido de forma tão secreta quanto possível e que não pretende mudar nada que esteja errado. 

No primeiro caso, a ilegalidade é um meio de combater uma grande injustiça. 

No segundo caso, infringe-se deliberadamente a lei para benefício próprio e prejuízo da sociedade.

O respeito pela lei é importante porque nenhuma sociedade subsistiria — estaria condenada à anarquia ou a constantes abusos de poder quer do Estado quer dos indivíduos — sem a obediência às leis aprovadas.


E em estados ditos democráticos justifica-se a desobediência civil? 

As sociedades ditas livres ou abertas são aquelas que procuram evitar abusos de poder negando a qualquer ser humano — governante ou governado, privilegiado ou desfavorecido — o direito de estar acima da lei. 

Mas as leis podem ser injustas e repressivas e as próprias sociedades democráticas não parecem estar imunes a esta crítica. Ora, nessas ocasiões é habitual verificar-se um desacordo entre a legalidade vigente e os princípios da consciência moral dos indivíduos. 

Estes não reconhecem legitimidade a uma determinada lei (ou a várias), não a consideram em conformidade com valores morais fundamentais. Assim, a legitimidade ou não das leis define-se em função dos valores que estão na sua base.

A desobediência civil revela-nos que há uma diferença que nunca deve ser esquecida entre obrigação moral e obrigação política ou jurídica, isto é, uma diferença entre os direitos das pessoas e os deveres dos cidadãos. 

Em suma, mostra-nos que não somos somente cidadãos, somos também pessoas. Contudo, estas considerações não impedem que seja um procedimento polémico.



Uma leitura da desobediência civil


John Rawls dedica o Capítulo IV - Dever e Obrigação da Parte II - Instituições da sua obra “Uma Teoria da Justiça”, à apresentação de uma teoria da desobediência civil, concebida «apenas para o caso especial de uma sociedade quase justa, que, no essencial, seja bem ordenada, mas na qual, não obstante, ocorram sérias violações da justiça». Como «um estado de quase justiça exige um regime democrático», a teoria de Rawls «diz respeito ao papel e à justificação da desobediência civil a uma autoridade democrática legitimamente estabelecida».
Para Rawls, «o problema da desobediência civil surge apenas num estado democrático mais ou menos justo e para aqueles cidadãos que reconheçam e aceitem a legitimidade da constituição». A sua “teoria constitucional da desobediência civil” compreende três partes:


Como se define a desobediência civil?


Na primeira parte, define a desobediência civil e distingue-a de outras formas de oposição à autoridade democrática.
Ora, para Rawls, a desobediência civil é «um acto público, não violento, decidido em consciência mas de natureza política, contrário à lei e usualmente praticado com o objectivo de provocar uma mudança nas leis ou na política seguida pelo governo. Ao agir desta forma, apelamos ao sentido de justiça da maioria da comunidade e declaramos que, na nossa opinião ponderada, os princípios da cooperação social entre homens livres e iguais não estão a ser respeitados». A explicitação desta definição leva Rawls a encarar a desobediência civil como «uma forma de apelo» não violento, «situada nas fronteiras da fidelidade ao direito», o que a distingue de outras formas de dissidência, tais como a acção militante, as acções de obstrução ou a resistência organizada que recorre à força.


                                      
                                               Como Justificar a desobediência civil?

A segunda parte da teoria deve estabelecer os fundamentos da desobediência civil e as condições nas quais tal acção, em regime democrático mais ou menos justo, é justificada.

Muitas são as circunstâncias nas quais a desobediência civil é justificada. Rawls aponta três condições:

 (1) as situações de injustiça substancial e clara e, de preferência, aquelas situações injustas que obstam à remoção de outras injustiças, todas as quais violam os dois princípios de justiça (o da igualdade e o da igualdade equitativa de oportunidades); 

(2) as situações em que a maioria se mostra indiferente às pretensões de uma minoria; e 

(3) as situações de desigualdade de direitos das minorias, em que a uma é reconhecido um estatuto negado a uma outra minoria.


Qual o papel da desobediência civil?


A terceira parte da teoria deve explicar o papel da desobediência civil num sistema constitucional e analisar a justificação desta forma de protesto numa sociedade livre.

Esta parte pode parecer mais difícil de expor, mas podemos clarificá-la afirmando que, numa sociedade democrática, «cada um dos poderes constitucionalmente previstos, o legislativo, o executivo e o judicial, propõe uma interpretação da constituição e dos ideais políticos que a informam», a qual não deve ser vista pelos cidadãos como uma imposição vinculativa, porque cada cidadão é responsável pela sua interpretação dos princípios da justiça e pela sua conduta à luz dos mesmos. 

Isto significa que, em última análise, nenhum poder previsto, nem mesmo o do tribunal de derradeira instância, tem “o direito” de alienar a nossa própria cidadania e o seu exercício livre e responsável, ou, de forma mais provocante, somos livres para discutir e rejeitar as leis.

Tirado daqui




                                           Lola

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