terça-feira, 7 de abril de 2015

Kant e Mill: diàlogo improvàvel





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Kant e Mill: diàlogo improvàvel

- Boa-noite ilustres senhores. – Saudou o moderador.
- Boa-Noite. – Responderam Kant e Mill.
- E com muito prazer que vos tenho aqui, excelentíssimos Senhores Immanuel Kant e John Stuart Mill.
- O prazer é todo nosso. – Afirmou Kant.
- Com certeza. – Confirmou Mill.
- Como  sabem e a isso consentiram, - continuou o moderador - trago-vos aqui para possibilitar um diálogo entre vossas excelências sobre um dilema ético meu predileto.
“Sendo que primeiro darei a palavra ao Professor Kant e, então, ao senhor Mill, de acordo?”
- De acordo. – Aceitou Mill.
- Comecemos então. – Propôs Kant.
- Sim, comecemos. – Concordou Mill.
- Se assim o pretendem, que seja. – Aceitou o moderador, e começou o ler as suas notas : 
Um dilema ético é uma situação complexa que requer que um sujeito escolha entre alternativas que têm de ser avaliadas como éticas ou aéticas, sendo que habitualmente estas envolvem conflitos reais ou aparentes entre deveres morais do agente, sendo que este pode apenas escolher uma das opções que lhe são colocadas e, por isso, tem de desrespeitar um dos imperativos.
“O termo dilema teve origem no grego, sendo que di significa dois ou dobro, e lemma significa tema, assunto ou premissa.”
“Mais concretamente, hoje vamos falar sobre um tema muito atual: a tortura, ou seja, a imposição de dor física ou psicológica por crueldade, como forma de intimidação, de punição, para obtenção de uma confissão, de informação ou simplesmente por prazer da pessoa que tortura.”
“Assim, passemos ao dilema moral:”

“No teu país, a tortura de prisioneiros de guerra é proibida. És um tenente do Exército e recebes um prisioneiro recém-capturado que grita: “Alguns de vocês morrerão às 21h35”.
Suspeita-se de que ele tenha informações sobre um ataque terrorista a uma discoteca. Para saber mais e salvar civis, torturá-lo-ia?”

“Senhor Kant, passo-lhe a palavra.”
- Obrigado, em primeiro lugar, gostava de esclarecer que a minha posição perante qualquer dilema moral é o cumprimento incondicional do absolutismo moral: as regras não devem ser transgredidas nem para salvar inocentes.
“Passo a explicar a minha posição: há ações que, apesar das boas consequências previsíveis, nunca devem ser praticadas pois são moralmente erradas. O que interessa na moralidade de um ato é o respeito à própria lei moral, e não os interesses, fins ou consequências do próprio ato. Desta forma posso afirmar a existência de deveres morais absolutos, ou seja, obrigações que devemos cumprir sempre e em qualquer circunstância.”
“Assim, nesta situação, devemos considerar que a tortura dos prisioneiros implica transgredir a lei moral e portanto não deve, de forma alguma, ser realizada.”
“Em segundo lugar, a pessoa humana tem de ser tratada sempre como um fim em si mesma e nunca somente como um meio, pois é o único ser com a capacidade de agir moralmente. Dessa forma, a dignidade é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto seres morais: os humanos constroem distintas personalidades humanas, cada uma delas absolutamente individual e insubstituível. Como pessoa, o ser humano tem direitos que em circunstância alguma podem ser violados ou infringidos. Cada vida tem um valor inestimável em si e nem tudo deve ser permissível em nome, por exemplo, do prazer geral ou da felicidade do maior número de pessoas.”
“Assim, a dignidade dos prisioneiros estaria a ser posta em causa com a tortura dos mesmos, pois, para além de a tortura ser uma ação cruel e desumana, ao torturar os prisioneiros estaríamos a usá-los como um meio para um fim exterior a estes, sendo que o homem deve ser considerado como um fim em si mesmo, isto é, como um valor absoluto e não como um meio ao serviço de um fim.”
“Assim, o ser racional identifica-se com a razão e tal como esta não deve estar subordinado a condições estranhas, a princípios externos.”
“Por último, a eventual morte de inocentes não deve influenciar a decisão da ação, pois não seria da responsabilidade ética e moral do individuo, já que este age de acordo com a lei moral, mas sim, única e exclusivamente das pessoas que praticassem o crime.”
“Concluindo, a tortura é uma atitude que para além de pôr em causa a dignidade individual e insubstituível dos prisioneiros, enquanto seres humanos, transgride a lei moral, e, portanto, não deve ser realizada sejam quais forem os interesses, fins ou consequências dela provenientes.”


- Muito obrigado, caro professor, passo agora a palavra ao excelentíssimo senhor Stuart Mill. – Declarou o moderador.
            - Muito obrigado, caro moderador. – Agradeceu Mill.
            “Primeiramente devo, ao contrário de Kant, admitir a inexistência de sistema ético algum no qual não surjam casos inequívocos de obrigação Moral. Estes são as derradeiras dificuldades, os pontos complicados da teoria ética enquanto guia da conduta pessoal.
São superados na prática, com maior ou menor sucesso, de acordo com o intelecto e a virtude do indivíduo.
Claramente, indiferente a outros sentimentos e razões humanas, a posição rigorosamente Utilitarista seria torturar o prisioneiro de modo a possibilitar sobrevivência de todos os inocentes que nessa noite tivesse o azar de entrar na discoteca que viria a explodir.
Ainda assim, devo afirmar que, embora o Utilitarismo defenda a tortura em determinadas circunstâncias, este é apenas defendido quando se toma uma aproximação caso a caso, não se vendo, portanto, os efeitos a longo prazo do uso destas técnicas ao nível institucional.
Assim, mesmo que estas práticas causem mais morte, insânia, depressão e degradação do que os próprios ataques, ou seja, sofrimento, quando são empregues sistematicamente por um Estado, estas poderão, ainda assim, ser considerada uma opção viável para situações pontuais e isoladas como a do enunciado, uma autêntica bomba relógio.
Portanto, sublinho que ao defender que o uso da tortura seria desejável neste caso, e elaborarei sobre este ponto adiante, não estou a desculpar as hediondas práticas que constituem a tortura institucional.
De facto, por considerar a questão da tortura Estatal pertinente à discussão da situação do enunciado, já que este dilema ético é muitas vezes usado de forma falaciosa como argumento a favor da tortura como política Nacional, irei agora demonstrar porque é que o Utilitarismo se opõe à tortura institucional, já que este argumento não leva em conta as mais diversas consequências negativas, adversas à felicidade, que esta prática acarreta.
“Porquanto, de acordo com o Utilitarismo, desenvolvido pelo senhor Jeremy Bentham e por mim, entre outros, devemos considerar se de facto a tortura irá gerar o máximo de felicidade, ou seja, o máximo de prazer e o mínimo de sofrimento (princípio da maior felicidade), ou não.”
“Este ponto, por si só, já levanta controvérsia, pois há autores que consideram a prática da tortura altamente ineficiente, e, assim, contrária ao princípio da maior felicidade, já que tende a gerar mais sofrimento do que felicidade, e outros que não.”
“Ou seja, se tomarmos esta primeira posição como verdadeiro, por fortes motivos práticos, e não de princípio, serei forçosamente levado à conclusão de que não se deve proceder à tortura a um nível Estatal.”
“Permitam-me elaborar:”
“Se partirmos da premissa de que a tortura é ineficiente por natureza, premissa essa que justificarei de seguida, podemos chegar à conclusão de que a dor, o sofrimento infligido e a degradação dos torturados e dos torturadores, enquanto impedimentos à felicidade e causas de sofrimento, são muito superiores ao sofrimento poupado àqueles que seriam alvo de ataques terroristas, pois é raro que estes sejam evitados por estas práticas.”
“Tal deve-se ao facto de que, em situações de tortura, os torturados dizem o que quer que seja que os torturadores pretendam ouvir, de forma a satisfazê-los e a evitarem sofrer mais, mesmo informações que na realidade não possuem e a que não têm acesso; por outro lado, os danos psicológicos são tão graves que, provavelmente, o indivíduo torturado deixa de ser uma fonte de informação confiável e torna-se demente; e ainda, deve considerar-se que é raro que indivíduos em posições de poder e de influência sejam capturados e que, por isso, o prisioneiro nunca teria acesso à informação do enunciado, na maioria das instâncias; já para não falar de que seria necessário o treino de soldados especializados na prática da tortura, soldados esses tenderiam a abusar do seu poder e a cometer atrocidades, dada a natureza doentia da sua profissão.”
“Assim, a prática sistemática de tortura é danosa, muito ineficiente e não de todo desejável. Torna-se claro que a tortura deve ser evitada, até porque iria, provavelmente, ser usada em situações muito mais leves.”
“Todavia, não é de tortura institucional que o enunciado trata, mas sim de uma prática desta que fica para lá da prática estatal, uma situação raríssima e não de todo exemplar, uma autêntica bomba relógio. Nesta, há a possibilidade de torturando se salvarem dezenas de vidas numa discoteca cheia e muito pouco tempo para agir.”
“Porque é evidente que, se houvesse mais tempo para agir, seria muito mais eficiente e menos danosa a colocação de polícia nas zonas de risco, o fecho temporário de discotecas, o aviso da população, e o estudo de quem poderiam ser os ditos terroristas, de forma a dissuadi-los e a impossibilitar um ataque.”
“Se tal prevenisse dezenas de mortes, certamente valeria pelas inconveniências causadas, sendo preferível à prática de tortura.”
“Deste modo, os casos em que a tortura aparenta ser útil são muito raros e, geralmente, situações em que há um espaço de tempo muito curto para tomar medidas, como a do enunciado, em que há a ameaça de uma explosão eminente numa discoteca. No entanto, estas considerações geralmente perdem a sua pertinência em discussões a propósito da tortura praticada pelo Estado, após discutidos os pontos que referi anteriormente.”
“Concluindo, o Utilitarismo não defende a prática institucional da tortura, dado que esta contraria o ideal da felicidade como fim último e o princípio da maior felicidade, apenas permitindo a prática excecional desta em situações raríssimas e até hipotéticas, em que as condicionantes situacionais a tornam a única ação que pode ser tomada, em que se gera uma autêntica dicotomia: não fazer nada, menosprezando a pequena hipótese de que o torturado poderá ceder informações cruciais, ou torturar.”
- Muito obrigado, Senhor Stuart Mill. – Agradeceu o moderador.
- Não tem de agradecer. – Respondeu Mill.
- Agradeço profundamente a excecional presença de ambos aqui, e dou deste modo por terminado o nosso diálogo. – Concluiu o moderador.


Pedro Justo e Gonçalo Rocha
Alunos do 10° A

Se pretende saber mais:


  • http://aspirantforum.com/2014/11/14/lessons-from-western-philosophers-kant-mill-and-durkhiem/
  • http://ericgerlach.com/tag/immanuel-kant/

































                                                Lola

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