O que é a Política?
A liberdade característica do agir, do fazer um novo começo, não
pode prescindir da presença de outros e do ser-confrontado com suas opiniões. É
verdade que o agir também jamais pode realizar-se em isolamento, porquanto
aquele que começa alguma coisa só pode levá-la a cabo se ganhar outros que o
ajudem. Nesse sentido, todo agir é um agir in concert, como
Burke costumava dizer:13 "é impossível agir sem amigos e companheiros
dignos de confiança" (Platão, 7- Epístola 325d14), ou seja, impossível no
sentido do prattein grego, do executar e do concluir. Mas isso
mesmo é apenas uma fase do agir, embora politicamente seja o mais importante,
em suma, aquilo que determina no final o que será feito dos assuntos dos homens
e que aspecto terão. Precede-lhe o começar, o archein; essa
iniciativa, decide quem será o guia ou archon, o primus inter pares, cabe
ao indivíduo e à sua coragem envolver-se no empreendimento.
Por fim, alguém como Hércules — a quem os deuses ajudam — pode realizar
grandes façanhas mesmo sozinho e precisava dos homens apenas para receber a
notícia sobre elas. A própria liberdade da espontaneidade é, por assim dizer,
pré-política, se bem que sem ela toda a liberdade política perderia o seu
melhor e mais profundo sentido; ela só depende das formas de organização da
vida em comum na medida em que também pode ser organizada do mundo para fora.
Mas como, em última análise, ela nasce do indivíduo, é só em
circunstâncias muito desfavoráveis que ela ainda consegue salvar-se da
intervenção, por exemplo, de uma tirania; na produtividade do artista, como de
todos aqueles que produzem alguma coisa no isolamento contra outros, também se
apresenta a espontaneidade e se pode dizer que nenhum produzir é possível Contudo, muitas atividades do homem só podem realizar-se longe da esfera política e essa distância é até, como veremos mais tarde, uma condição essencial para determinadas produtividades humanas. que
não tenha sido criado por meio da capacidade para agir.
Algo bem diferente ocorre com a liberdade do falar um com o outro.
Ela só é possível no trato com outros. A Sua importância sempre foi múltipla e
ambígua e, já na Antiguidade, possuía a ambiguidade duvidosa que ainda tem para
nós. Mas, naquele tempo, como hoje, o decisivo não era, de maneira alguma, cada
um poder dizer o que bem entendesse, ou cada homem ter um direito imanente de
se expressar tal como era. Trata-se aqui talvez da experiência de ninguém poder
compreender por si, de maneira adequada, tudo que é objetivo em sua plenitude,
porque a coisa só se mostra e se manifesta numa perspectiva, adequada e
inerente à sua posição no mundo. Se alguém quiser ver e conhecer o mundo tal
como ele é 'realmente', só poderá fazê-lo se entender o mundo como algo comum a
muitos, que está entre eles, separando-os e unindo-os, que se mostra para cada
um de maneira diferente e, por conseguinte, só se torna compreensível na medida
em que muitos falarem sobre ele e trocarem as suas opiniões, as suas
perspectivas uns com os outros e uns contra os outros. Só na liberdade do falar
um com o outro nasce o mundo sobre o qual se fala, na sua objetividade visível
de todos os lados. O viver-num-mundo-real e o falar-sobre-ele-com-outros são,
no fundo, a mesma e única coisa, e a vida privada parecia 'idiota' para os
gregos porque os privava dessa complexidade do conversar-sobre-alguma-coisa e,
com isso, da experiência sobre como a coisa acontecia, de fato, no mundo. Essa
liberdade de movimento, seja a liberdade de ir em frente e começar algo novo e
inaudito, ou seja a liberdade de se relacionar com muitos conversando e tomando
conhecimento de muitas coisas que, na sua totalidade, são o mundo em dado
momento, não era nem é, de maneira alguma, o objetivo da.política — aquilo que
seria alcançável por meios políticos; é muito mais o conteúdo e sentido
original da própria coisa política. Nesse sentido, política e liberdade são
idênticas e sempre onde não existe essa espécie de liberdade, tampouco existe o
espaço político no verdadeiro sentido.
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