Telemóveis e a dependência
Vítimas
da dependência digital
Com a explosão dos smartphones, cerca de 10% dos brasileiros já são viciados digitais. A medicina aprofunda o estudo do transtorno e anuncia o surgimento de novas opções de tratamento, como a primeira clínica de reabilitação especializada
Monique
Oliveira
"Eu literalmente não sabia o que fazer comigo”,
disse um estudante do Reino Unido. “Fiquei me coçando como um viciado porque
não podia usar o celular”, contou um americano. “Me senti morto”, desabafou um
jovem da Argentina. Esses são alguns dos relatos entre os mil que foram
colhidos por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Eles queriam saber o que sentiam jovens espalhados por dez países, nos cinco
continentes, depois de passarem 24 horas longe do computador, dos smartphones e
tablets. As descrições, como se viu, são assombrosas. E representam exatamente
como sofrem os portadores de um transtorno preocupante que tem avançado pelo
mundo: o IAD (Internet Addiction Disorder), sigla em inglês para distúrbio da
dependência em internet. Na verdade, o que os entrevistados manifestaram são
sintomas de abstinência, no mesmo grau dos apresentados por quem é dependente
de drogas ou de jogo, por exemplo, quando privado do objeto de sua compulsão.
Estima-se que 10% dos brasileiros enfrentem o
problema. Esse número pode ser ainda maior dada a velocidade com que a internet
chega aos lares nacionais. Segundo pesquisa da Navegg, empresa de análises de
audiências online, o Brasil registrou o número recorde de 105 milhões de
pessoas conectadas no primeiro trimestre deste ano. Dados da Serasa Experian
mostram que o brasileiro passa mais tempo no YouTube, no Twitter e no Facebook
do que os internautas do Reino Unido e dos EUA. A atividade na rede é
impulsionada pela explosão dos smartphones. De acordo com a consultoria
Internet Data Corporation, esses aparelhos correspondiam a 41% (5,5 milhões)
dos celulares vendidos em março. Em abril, o índice pulou para 49% (5,8
milhões).
Tantas pessoas usando esses aparelhos está
levando ao surgimento de um fenômeno que começa a chamar a atenção dos
estudiosos. Trata-se do vício específico em celular e da nomofobia, nome dado
ao mal-estar ou ansiedade apresentados por indivíduos quando não estão com seus
celulares. No livro “Vivendo Esse Mundo Digital”, do psicólogo Cristiano Nabuco
de Abreu, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas, do Hospital das
Clínicas de São Paulo, há uma das primeiras referências ao tema. Nele, estão
descritas as consequências dessa dependência. “Os usuários estão se distraindo
com facilidade e têm dificuldade de controlar o tempo gasto com o aparelho”,
escreveu o especialista. A obra também pontua os sintomas da dependência. O que
assusta é que eles são muito parecidos com os manifestados por dependentes de
drogas. Um exemplo: quando não está com seu smartphone na mão, o usuário fica
irritado, ansioso (leia mais no quadro na pág.67).
No futuro, a adesão aos óculos
inteligentes, à venda a partir de 2014, poderá elevar ainda mais o número de
dependentes. Esses aparelhos são, na verdade, um computador colocado no campo
de visão. Empresas como o Google, por meio de seu Google Glass, apostam alto
nessa tecnologia.
Como todas as dependências descritas pela
psiquiatria, a digital não é facilmente reconhecida. Mas, da mesma forma que as
outras, pode ser diagnosticada a partir de um critério claro. Ela está
instalada quando o indivíduo começa a sofrer prejuízos na sua vida pessoal,
social ou profissional por causa do uso excessivo do meio digital. Na vida
real, isso significa, por exemplo, brigar com o parceiro/a porque quer ficar
online mesmo com a insatisfação do companheiro/a ou cair de produção no
trabalho porque não se concentra na tarefa que lhe foi delegada.
A gravidade do problema está levando a uma
mobilização mundial em busca de soluções. Uma das frentes – a do reconhecimento
médico do transtorno – está em franca discussão. Recentemente, a dependência
foi um dos temas que envolveram a publicação da nova versão do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação da Associação
Americana de Psiquiatria adotada como guia para o diagnóstico das doenças
mentais. Na edição final, o vício, não citado em edições anteriores, foi
mencionado como um transtorno em ascensão que exige a realização de mais
estudos. Muitos especialistas criticaram o manual porque acreditam já ser o
distúrbio uma doença com critérios diagnósticos definidos.
Uma das vozes a defender essa posição é a
psiquiatra americana Kimberley Young, reconhecida autoridade na área e
responsável, agora, por dirigir uma experiência mundial inédita: a primeira
rehab digital, aberta no mês passado. O centro de reabilitação fica na
Pensilvânia, como um anexo do Centro Médico Regional de Bradford. O modelo é
igual ao de programas de reabilitação de drogas. No local, o indivíduo passará
por uma internação de dez dias. O tratamento terá como base a terapia
cognitivo-comportamental, cujo objetivo é substituir hábitos nocivos por outros
saudáveis, além de sessões em grupo, individuais e intervenção medicamentosa
consensual, se necessária, em situações extremas. “Há uma crescente demanda
para esse tipo de serviço”, disse Kimberley à ISTOÉ.
Em países como Japão, China e Coreia do
Sul, a dependência já é tratada como questão de saúde pública. Programas desses
governos foram criados na tentativa de mitigar o problema. O Ministério da
Educação japonês lançou um projeto que atenderá 500 mil adolescentes. Além de
psicoterapia, a iniciativa definirá áreas ao ar livre nas quais os jovens serão
exortados ao convívio social por meio da prática de esportes, com uso restrito
às mídias digitais. Na China, o programa é militarizado, o que desperta
críticas no Ocidente. “É um tratamento militar, com total restrição à mídia”,
diz Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Psicologia em Informática
da PUC-SP, serviço que atende os dependentes por meio de orientações
transmitidas por e-mail. Na Coreia do Sul, onde cerca de 30% dos adolescentes
são viciados, os jovens passam 12 dias internados.
No Brasil, a assistência aos
dependentes é feita em serviços vinculados a universidades (leia quadro
abaixo). O tratamento se baseia em terapia, intervenção familiar e remédios, se
necessário. “Damos atendimento de acordo com o caso”, explica Dartiu Xavier,
diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes, da
Universidade Federal de São Paulo.
Em Israel, cientistas da Universidade de
Tel-Aviv criaram uma terapia de exposição gradual às mídias digitais. É uma
tentativa de ajudar o indivíduo a treinar o autocontrole até o ponto no qual
seja capaz de acessar a rede e dela sair depois de um tempo curto. A
instituição foi uma das primeiras a considerar o vício um transtorno vinculado
ao transtorno do impulso, dando uma dimensão da gravidade dos casos. “Essa
dependência é um transtorno grave similar aos que vemos, como a obsessão por
lavar as mãos”, diz o psiquiatra Pinhas Dannon, da Universidade de Tel-Aviv.
Outro recurso são os aplicativos que
controlam a intensidade da navegação na web. É possível bloquear sites como o
Facebook por meio de programas (plug-ins) instalados em navegadores como
Internet Explorer e Chrome, ou impedir o uso da internet 3G no celular. Também
se pode lançar mão de aplicativos como o “AppProtector”, que não permite o uso
de aplicativos e de jogos em tablets e celulares.
Nos laboratórios, os cientistas tentam
conhecer melhor as causas e repercussões do transtorno. Algumas certezas estão
colocadas. “A humanidade está condenada a ficar presa em um modelo de
interrupções mentais frequentes e sem se aprofundar em nada”, diz o psicólogo
Cristiano de Abreu. Para Peter Whybrow, da Universidade da Califórnia, a
internet induz a ciclos de mania, seguidos por ciclos de depressão. “O
computador é como a cocaína”, disse à ISTOÉ. “O abuso leva à compulsão.” De
fato, pesquisas mostram que o vício digital aciona o sistema cerebral de
recompensa, o mesmo estimulado pelas drogas. Quanto mais se cede à compulsão,
mais sensação de prazer o cérebro produz. E isso vai até um ponto no qual a
pessoa não consegue mais ficar sem essa sensação, tornando-se dependente de seu
foco de compulsão.
Também é sabido que adolescentes que
apresentem déficit de atenção, fobia social e depressão estão mais propensos a
desenvolver o vício. Pesquisadores da Universidade de Kaohsiung, Taiwan, analisaram
a relação entre esses transtornos em cerca de 2,3 mil adolescentes. Cerca de
10% dos adolescentes eram dependentes, e todos apresentavam sinais de algum dos
transtornos associados (o de déficit de atenção foi o mais prevalente).
Na Alemanha, pesquisadores da Universidade
de Bonn descobriram que os dependentes apresentam uma variação genética já
identificada naqueles com propensão ao vício da nicotina. “Essa alteração eleva
a probabilidade de comportamentos compulsivos”, diz Christian Montag, um dos
autores da pesquisa.
DOENÇAS
DIGITAIS
Mônica Tarantino
Mais crianças e adolescentes estão
sofrendo de dores nas costas e no pescoço por culpa do excesso de horas
manuseando consoles de videogames ou jogando em tablets e celulares. A
constatação é de cientistas holandeses liderados pelo cirurgião ortopédico Piet
van Loon. Em artigo escrito para a principal revista médica da Holanda, a
“Medisch Contact”, Van Loon adverte que o vício postural pode originar dores
persistentes de coluna, hérnias de disco e alterações como a hipercifose
(curvatura anormal para a frente na região do tórax). “Ficar sentado muito
tempo em posição errada comprime as cartilagens e discos vertebrais. Pais e
escolas precisam ficar atentos”, disse ele à ISTOÉ.
O problema se agrava se for aliado ao sedentarismo. “A
prática de esportes e exercícios ajuda a restaurar a boa postura e a prevenir
problemas crônicos”, diz o médico Miguel Akkari, membro do Comitê de Ortopedia
Pediátrica da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Porém, se
forem usadas de modo exagerado, versões de games que simulam exercícios e
esportes, a exemplo do Wii Fit, Xbox Kinect ou Playstation Move, também podem
causar danos. “Há casos de tendinite em pernas e braços por exagero nos gestos
em jogos virtuais que dispensam o console e o movimento do jogador é o que comanda
a ação”, relata o médico Akkari. Foi o que aconteceu à sua filha Gabriela, 10
anos, que teve mais restrito o acesso aos jogos. “Precisei limitar a uma hora
nos fins de semana o uso de plataformas para simular jogos e dança por causa de
dores nos joelhos”, diz o especialista.
Um estudo feito pela Universidade de Nova
York (EUA) já havia alertado para os riscos das diversões eletrônicas em função
dos gestos repetitivos que impõem. A comparação entre 257 estudantes com idades
entre 9 e 15 anos mostrou que as dores no punho e nos polegares provocadas
pelos videogames eram maiores do que os sintomas de quem digitava em
smartphones. Observou-se também que as meninas sentiam duas vezes mais dores do
que os meninos por causa do envio de mensagens de celular.
Tirado DAQUI
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