Dia do Pai
Pai.
A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro
quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares.
Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a
esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos
e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo
isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E
mostravas-me.
Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente
deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos.
E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a
nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o
mundo todo por seres a sua pele.
Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te
velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores.
Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me,
pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te
acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim. E oiço o eco da tua
voz, da tua voz que nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para sempre.
E,
como se adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que nunca mais
abrirás.
Os teus olhos fechados para sempre.
E, de uma vez, deixas de respirar.
Para sempre.
Para nunca mais. Pai.
Tudo o que te sobreviveu me agride.
Pai.
Nunca esquecerei.
(Temas e Debates, 2001)
Lola
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