Os adolescentes e a escola.
Os adolescentes portugueses
têm um problema com a escola. E tem piorado
Grande estudo da OMS sobre a
adolescência. Portugal é dos países onde há menos jovens a dizer que gostam
muito da escola. E os seus níveis de satisfação com a vida já conheceram
melhores dias. Mas em muitos aspectos são mais saudáveis.
Os adolescentes portugueses sentem-se
mais apoiados pela família. Queixam-se menos de dores de cabeça, de estômago,
de dificuldades em dormir. São dos que mais tomam o pequeno-almoço todos os
dias, o que, é sabido, é bastante saudável. Têm consumos de álcool ligeiramente
abaixo da média observada noutros países. E fumar vai sendo menos frequente. O
novo grande estudo internacional sobre a adolescência, da Organização Mundial
de Saúde (OMS), faria respirar de alívio milhares de pais em Portugal se
ficássemos por aqui. Mas não é o caso. Primeira má notícia: os adolescentes
portugueses são dos que gostam menos da escola, em 42 países e regiões
analisados. E piorou bastante nos últimos anos.
"Quando em Portugal perguntamos do
que é que gostam na escola, as aulas aparecem em último lugar. Pior que as
aulas, só mesmo a comida da cantina. E isto tem sido recorrente, somos sempre
dos piores no gosto pela escola e na percepção de sucesso escolar. Não há
nenhuma razão demográfica ou geográfica que eu conheça que explique tal, e o
atraso provocado pelo obscurantismo de antes do 25 Abril (sendo uma
incontestável verdade) já devia, por esta altura, estar ultrapassado.” Quem o
diz é Margarida Gaspar de Matos, a investigadora que em Portugal coordena este
estudo da OMS desde que, em 1998, o país começou a participar.
Chama-se Health Behaviour in
School-aged Children, é feito de quatro em quatro anos. Os resultados da edição de 2014/2015 são apresentados
nesta terça-feira de manhã, em Bruxelas. Baseiam-se nas respostas de mais de
220 mil adolescentes europeus e do Norte da América.
A recolha foi feita em escolas com 6.º,
8.º e 10.º anos. O objectivo é avaliar hábitos, consumos, comportamentos, com
impacto na saúde física e mental, em diferentes fases de crescimento: aos 11,
aos 13 e aos 15 anos.
Em Portugal participaram 6000
adolescentes — em Dezembro de 2014 o PÚBLICO divulgou as primeiras conclusões
do inquérito nacional, aplicado nesse ano, que mostravam um
número crescente de jovens a queixar-se de sintomas que revelavam mal-estar
psicológico, tristeza, stress, insatisfação. Agora, com este relatório
internacional, esses dados são vistos à luz do que se passa noutros pontos do
globo.
A escola vai mal
Gostas muito da escola? Cerca de um
quarto dos adolescentes de 15 anos dos 42 países e regiões participantes dizem
que sim. A Arménia tem o melhor resultado, a Bélgica francófona o pior, Portugal
surge com a 33.ª pior posição: só 11% dos rapazes e 14% das raparigas dizem que
gostam bastante da escola.
Os adolescentes portugueses são também
dos que maior pressão sentem com a vida escolar e dos que menos se têm em conta
como alunos. É assim desde cedo: aos 11 anos, aparecem quase no fim da tabela,
com a 38.ª pior auto-avaliação do seu desempenho escolar. Aos 15 é pior. Só 35%
das raparigas e 50% dos rapazes consideram que têm bom desempenho escolar,
quando a média dos 42 países é 60%.
Os macedónios, os albaneses, os
búlgaros, os israelitas e os ingleses são os que mais acham que na escola até
se saem bem; os portugueses e os húngaros estão no extremo oposto.
“Isto é um forte alerta aos responsáveis
pela educação neste país”, diz Margarida Matos, em resposta ao PÚBLICO. “É
preciso avaliar a situação, identificar determinantes, estudar casos de sucesso
noutros países, aprender com o que funciona bem. A minha percepção, neste e
noutros casos, é que temos uma tendência nacional para nos esmerarmos na legislação,
mas esta raras vezes é antecedida de uma avaliação dos pontos fortes e fracos
das situações e ainda mais raras vezes é seguida por um estudo das
consequências e dos riscos. Do ponto de vista da populações (e neste caso das
famílias) parece que os governantes andam a saltar de medida em medida ‘apenas’
para fazer diferente, sem grande racional por trás.”
Nem sempre estivemos tão mal: em
1997/1998, ano de estreia dos portugueses no estudo da OMS, o país era o 2.º no
gosto pela escola, em 28 participantes. Melhor do que a Noruega, Israel ou os
Estados Unidos, por exemplo. Mais de um terço dos jovens portugueses de 15 anos
diziam então que gostavam muito da escola.
Em 2001/02 descíamos para 8.º no
ranking. Quatro anos depois já aparecíamos em 22.º. E se em 2009/10 se registou
uma ligeira melhoria (o país ficou 21.º), em 2014/15 estamos pior do que nunca,
com o tal 33.º lugar.
As raparigas são mais propensas a
relatar saúde irregular, múltiplas queixas, menor satisfação com a vida
Relatório da OMS
O problema não são os colegas — que são,
na verdade, o que os portugueses mais gostam na escola, seguindo-se os
“intervalos” entre aulas. O problema são mesmo as aulas, consideradas
aborrecidas, e “a matéria”, que é descrita como excessiva, prossegue a investigadora
da Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade de Lisboa.
As diferenças de género são evidentes:
as raparigas têm quase sempre pior percepção da sua competência escolar. Aos 15
anos gostam menos da escola do que eles. E são também elas que mais se mostram
mais stressadas com os trabalhos para casa. De resto, em Portugal, como no
resto do mundo, as meninas estão a suscitar preocupações crescentes aos peritos
da OMS. “São mais propensas a relatar saúde irregular, múltiplas queixas, menor
satisfação com a vida”, lê-se nas conclusões do relatório internacional.
E a vida em geral?
“A experiência que se tem com a escola
pode ser crucial no desenvolvimento da auto-estima e de comportamentos
saudáveis. Os adolescentes que sentem que a escola os apoia estão mais
propensos a ter comportamentos positivos e a serem mais saudáveis”, prosseguem
os peritos da OMS, “têm níveis de satisfação com a vida mais elevados, menos
queixas relacionadas de saúde e apresentam menor prevalência de consumo de
tabaco”. Em suma: as escolas têm um papel essencial no bem-estar.
Em Portugal, contudo, como já se viu, a
escola não parece ser grande fonte de felicidade. E os temas “satisfação com a
vida” e “bem-estar” foram mesmo dos mais surpreendentes no inquérito português
quando ele foi divulgado no fim de 2014. Quase um em cada três adolescentes
disse que se sentia deprimido mais do que uma vez por semana. Eram 13% em 2010.
E um em cada cinco alunos do 8.º e 10.º anos magoara-se a si próprio nos 12
meses anteriores ao inquérito, sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na
barriga.
As perguntas relacionadas com
auto-lesões não foram incluídas no estudo internacional agora tornado público,
uma vez que nem todos os países as colocaram nos inquéritos. Não eram
obrigatórias. Mas atente-se, por exemplo, à pergunta sobre “satisfação com a
vida”: os adolescentes portugueses estão comparativamente em pior posição, aos
13 e 15 anos, do que os de outros países. Números: em Portugal, 74% das
raparigas e 83% dos rapazes de 15 anos deram uma nota de 6 ou mais à sua
felicidade (numa escala de 0 a 10); a média do HBSC é de 79% e 87%,
respectivamente, o que significa que sobretudo as raparigas portuguesas estão
aquém da média. Globalmente, o país aparece neste indicador em 36.º lugar, em
42. Há quatro anos, estávamos melhor, em 28.º.
Os luxemburgueses, os galeses, os
ingleses, os polacos e os macedónios são os menos satisfeitos de todos, aos 15
anos de idade. E é na Arménia, na Moldávia, na Albânia, na Holanda e na Suíça
que se encontram as maiores percentagens de satisfação com a vida.
“O que aconteceu em Portugal foi que os
jovens com elevada satisfação melhoraram, os com muito baixa satisfação
continuaram assim, mas os que tinham uma satisfação mediana desceram”, explica
Margarida Gaspar de Matos. A recessão económica, diz, “além de ter feito descer a
satisfação com a vida, foi fonte de iniquidade, uma vez que não
afectou os mais satisfeitos, havendo uma associação da satisfação com a vida
com a condição económica — quanto melhor condição económica mais satisfação com
a vida”.
Sexo com preservativo
Boa notícia é o facto de quando se fala
dos chamados “sintomas múltiplos” — dores de estômago, de cabeça, dificuldades
em dormir — o país aparecer muitíssimo melhor do que outros, com percentagens
bem abaixo de média de jovens a declarar tais sofrimentos. “Ainda temos um bom
Sistema Nacional de Saúde, certo? A precariedade afecta primeiro a satisfação e
o bem-estar e só depois a saúde física”, continua a investigadora.
E como se saem os portugueses em matéria
de consumos? Há “bons resultados, comparados com as médias HBSC”, prossegue.
Comece-se pelo tabaco: 10% das raparigas e 12% dos rapazes de 15 anos fumam
pelo menos uma vez por semana, a média dos países do HBSC é 11% e 12%. Quanto
ao uso decannabis passa-se o mesmo (entre 10 e 13% já usaram, a
média é 13% e 17%, o país onde há mais gente a consumir é a França, entre 14 e
16%).
No que diz respeito ao uso de
preservativo, apesar diminuição registada em Portugal, desde 2010, “estamos,
ainda assim, nos sete primeiros lugares”, nota Margarida Matos: 75% das
raparigas de 15 anos e 73% dos rapazes da mesma idade que já tiveram relações
sexuais disseram que usaram preservativo na última vez. Suíça, Grécia e Ucrânia
têm as taxas de utilização mais altas; Polónia, Malta e Suécia as piores.
A propósito, mais um dado: aos 15 anos,
13% das raparigas e 26% dos rapazes portugueses disseram já ter ido relações
sexuais, contra uma média internacional de 17% e 24%, respectivamente. De
resto, em relação há quatro anos, há menos jovens a iniciar a sua vida sexual
antes dos 15 (em Portugal a percentagem era de 18% e 27%; a nível mundial era
de 23% e 29%).
No entanto, em termos globais, diminuiu
a percentagem de jovens que usam preservativo, de 78 para 65% (média HBSC).
As más notícias regressam quando se
chega ao capítulo do peso/obesidade. Em Portugal, há mais adolescentes com
excesso de peso ou até mesmo obesos do que a média. No grupo dos miúdos de 15
anos, o país está no 12.º lugar (entre 16% e 21%, respectivamente raparigas ou
rapazes, apresentam peso a mais ou obesidade, o que significa um ligeiro
aumento em relação há quatro anos).
Pesados e parados
As meninas portuguesas de 13 anos são
mesmo das que têm mais excesso de peso nos 42 países analisados: 24% têm peso a
mais ou estão já obesas, sendo que uma prevalência igual é observada no Canadá
e maior só em Malta.
Portugal tem ainda um ponto a seu desfavor:
aos 11, 13 ou 15 anos os adolescentes portugueses são dos que menos exercício
físico fazem diariamente — o indicador é “60 minutos por dia de actividade
física moderada a vigorosa”, que é o recomendado, como lembra a OMS.
“Temos agora uma regulação cuidada sobre
a alimentação nas escolas”, nota Margarida Matos. “Mas por qualquer motivo os
alunos continuam a queixar-se que comem mal.” Ou seja, “tanto na área da
alimentação na escola como na área da prática da actividade física, o que quer
que ande a ser feito não está a dar resultado”. Serão necessárias novas
abordagens.
Alguma intervenção centrada na “educação
para a diferença, para a tolerância e para a expressão convivial de pontos de
vista diferentes” é também sugerida pela investigadora, para atacar a questão
do bullying.
Aos 11 anos, por exemplo, entre 11%
(raparigas) e 17% (rapazes) disseram que foram alvo de bullyingna
escola, “duas ou três vezes por mês nos últimos dois meses”. A média é 13%. O
país tem, assim, a 16.ª taxa mais alta de alunos de 11 anos que se dizem
vítimas de bullying.
O cenário piora quando se avalia a
percentagem de adolescentes que foram vítimas “pelo menos uma vez nos últimos
dois meses” — ou seja, quando se procura aferir um bullying menos
frequente, 34% dos alunos de 15 anos dizem ter sido vítimas. Bem acima da média
HBSC de 23%.
A coordenadora do HBSC sublinha que
“diminuíram muito as situações de vitimização desde 2002” e que “agora estamos
‘apenas’ um pouco acima da média”. Subsiste, contudo, “algo de chamemos-lhe
‘cultural’” — relações interpessoais algo “belicosas” entre pares, mesmo quando
se diz que se gosta dos colegas: é “o empurrão”, é o “não deixar falar”, é o
“chamar parvo”, é o “insulto ocasional”.
Margarida Matos remata: “Talvez esteja
na hora de incluir, nos programas das escolas, um aspecto convivialidade
positiva entre pares, nomeadamente nas questões entre idades, entre géneros e
entre culturas.”
In
Publico, ANDREIA SANCHES
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