Existencialismo
Movimento filosófico que normalmente se
faz remontar ao filósofo oitocentista dinamarquês Søren Kierkegaard. O nome em
si foi introduzido por Jean-Paul Sartre, embora a expressão “filosofia da
existência” tenha sido usada antes por Karl Jaspers, que pertencia à mesma
tradição.
Os existencialistas diferem bastante entre si e, dada a sua ênfase
individualista, não surpreende que muitos deles tenham negado de todo estar
envolvidos em qualquer “movimento”.
Kierkegaard era um cristão devoto;
Nietzsche era ateu; Jean-Paul Sartre era marxista e Heidegger nazi, pelo menos
a dada altura. Kierkegaard e Sartre insistiram entusiasticamente no
livre-arbítrio; Nietzsche negou-o; Heidegger pouco falou nisso. Mas não seria
errado afirmar que o existencialismo representava uma certa atitude
particularmente relevante para a moderna sociedade de massas. Os
existencialistas partilharam uma preocupação pelo indivíduo e pela
responsabilidade pessoal. Tendem a ser desconfiados ou hostis perante a
submersão do indivíduo em grupos ou forças públicas de maiores dimensões.
Assim, Kierkegaard e Nietzsche atacaram “o rebanho”, e Heidegger distinguiu
entre a “existência autêntica” e a mera existência social. Sartre sublinhou a
importância da escolha individual livre independentemente do poder de outras
pessoas para influenciar e coagir os nossos desejos, crenças e decisões.
Sartre, em particular, salientou a importância da necessidade de o indivíduo
fazer escolhas. Aqui foi na esteira de Kierkegaard, para quem a escolha
pessoal, apaixonada, e o compromisso são essenciais à verdadeira “existência”.
Søren Kierkegaard é o principal
representante do existencialismo religioso, uma abordagem muito pessoal à
religião que destaca a fé, a emoção, o compromisso e tende a minimizar a
teologia e o lugar da razão na religião.
Kierkegaard atacou os teólogos do seu
tempo por procurarem mostrar que o cristianismo era uma religião inteiramente
racional, afirmando ao invés que a fé é importante precisamente porque o
cristianismo é irracional e até absurdo. O importante, argumentou, não é o
desafio meramente intelectual e erroneamente concebido de provar que Deus
existe mas a “verdade subjectiva” da nossa própria existência perante a
incerteza objectiva. A própria palavra “existência”, para Kierkegaard, tem conotações
empolgantes e aventurosas. “Existir” é enfrentar as incertezas do mundo e
empenhar-se apaixonadamente num modo de vida. Não é, por contraste, adoptar
apenas determinadas crenças ou divertir-se ou “ir com a multidão”.
Embora a obra de Kierkegaard tenha
inspirado uma escola influente de existencialistas religiosos no século XX
(incluindo Paul Tillich, Martin Buber, Karl Barth, Gabriel Marcel), associa-se
talvez mais frequentemente a atitude existencialista a pensadores ateus a quem
a crença religiosa parece um acto de cobardia ou, como lhe chama Albert Camus,
“suicídio filosófico”. O ataque de Friedrich Nietzsche à moralidade cristã
baseia-se nesta acusação de que a religião proporciona muletas e armas para os
fracos. A religião e também a moralidade são o legado de uma “moralidade
escrava” que prefere a segurança e a estabilidade à excelência pessoal e à
honra. Contrastando com esta ideologia da fraqueza e da mediocridade, Nietzsche
expõe vários exemplos daquilo a que chama “moralidade dos senhores” e de
“homens superiores”, que rejeitam e desprezam a fraqueza e vivem como exemplos
daquilo a que chama “vontade de poder”, cujo exemplo mais apropriado são os
artistas e outros génios criativos. Numa das suas mais famosas imagens, o seu
poema pseudobíblico Assim Falou Zaratustra, Nietzsche introduz o
ideal empolgante mas obscuro do Übermensch. Mas se o ideal é
obscuro, o objectivo de Nietzsche é ainda assim claro: encorajar a aspiração
individual em vez da mera mediocridade e conformidade.
O existencialismo do século XX foi muito
influenciado pelo método conhecido como fenomenologia, originado por Edmund
Husserl e levado até ao domínio existencial pelo seu aluno Heidegger. Enunciado
de modo simples, método de Husserl, consistia em descobrir e examinar a estrutura
essencial da experiência, com o objectivo de estabelecer as verdades universais
necessárias à consciência básica. A própria filosofia de Husserl estava antes
de mais preocupada com questões abstractas acerca dos fundamentos da matemática
e questões de conhecimento a priori, mas Heidegger
recorreu ao método fenomenológico e aplicou-o a problemas mais pessoais —
questões sobre como devem viver os seres humanos, o que são, e o significado da
vida e da morte. A sua obra seminal Ser e Tempo (1927) preocupa-se nominalmente com a metafísica, mas foi amplamente lida
como uma reavaliação radical do que significa existir como ser humano.
Heidegger rejeita o conceito cartesiano clássico de consciência (“penso, logo
existo”) substituindo-o pelo conceito de Dasein. Rejeita a ideia de
uma consciência separada do mundo em que nos descobrimos “abandonados”. O
problema “ontológico” do Dasein é descobrir quem somos
e o que fazer connosco, ou, como Nietzsche afirmou, como nos tornarmos o que
somos. A fenomenologia, para Heidegger, torna-se um método para “pôr a nu o
[nosso próprio] ser”.
Jean-Paul Sartre definiu o termo
“existencialismo” e seguindo simultaneamente Husserl e Heidegger usou o método
fenomenológico para defender a sua tese central de que os seres humanos são essencialmente
livres.
Reagindo do ataque de Heidegger à perspectiva cartesiana da
consciência, Sartre argumenta que a consciência é tal (como “ser para si”) que
tem sempre a liberdade de escolher (embora não tenha a liberdade de não
escolher) e de “negar” as características dadas do mundo. Pode-se ser cobarde
ou tímido, mas esse comportamento é sempre uma escolha e pode-se sempre decidir
mudar. Pode-se nascer judeu ou negro, francês ou aleijado, mas o que faremos de
nós próprios é uma questão em aberto — se estas características vão ser
convertidas em obstáculos ou vantagens, desafios a superar ou desculpas para
nada fazer. O colega de Sartre, Maurice Merleau-Ponty, convenceu-o de que devia
modificar a sua insistência “absoluta” na liberdade nas suas obras tardias, mas
a insistência na liberdade e responsabilidade permanece central na sua
filosofia existencialista.
Albert Camus foi buscar a Heidegger o
sentido de ser-se abandonado no mundo, e partilhava com Sartre o sentido de que
o mundo não confere significado aos indivíduos. Ao passo que Sartre superou
Heidegger ao insistir que temos de criar significado para nós próprios, Camus
concluiu que o mundo é “absurdo”, um termo que veio (erroneamente) a
representar todo o pensamento existencialista.
Na verdade, um dos erros
persistentes da compreensão popular do existencialismo é confundir a sua ênfase
na “ausência de significado” do universo com uma defesa do desespero ou “Angstexistencial”.
Mas mesmo Camus insiste que o Absurdo não é a permissão para o desespero, e
Nietzsche insiste na “jovialidade”. Kierkegaard escreve sobre as “boas-novas”,
e tanto para Heidegger como para Sartre a muito celebrada emoção da Angst é essencial para a condição humana como
sintoma de liberdade e noção de si, mas não de desespero.
Para Sartre, em
particular, o núcleo do existencialismo não é a melancolia ou o desespero, mas
uma confiança reafirmada na importância de ser humano.
Robert Solomon
Universidade do Texas, Austin
Retirado de Dicionário de
Filosofia,
dir. de Thomas Mautner (Lisboa: Edições 70, 2010)
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