Ensaio vencedor da III Edição da
Associação
Portuguesa de Ética e Filosofia Pratica
Ensaio Filosófico 2015/2016
A Filosofia face à tolerância e paz mundiais - que
possibilidade(s)para o imperativo do diálogo?
Sumário:
·
Antes
de mais...
·
Paz
e tolerância mundial - que sentido(s)?
·
Perspetivas
filosóficas ao longo do tempo
·
Filosofia,
paz e tolerância - O imperativo do diálogo!
·
Questões
póstumas....
·
Referências
Bibliográficas
Antes de
Mais...
Bruxelas, 23 de março de 2016
"Os ataques terroristas mataram
pelo menos 31 pessoas e feriram mais de 300. Ataque foi reivindicado pelo
Estado Islâmico
- O aeroporto de Zaventem, em Bruxelas,
foi abalado por duas fortes explosões perto das 8.00 de terça-feira (7.00 em
Lisboa).
- Explosão na estação de metro de Maelbeek
perto das 9:10 de terça-feira (8:10 em Lisboa)"
23 de março de 2016,13:34
DN
Comecei a
escrever estas palavras que farão nascer uma reflexão critica acerca do tema
proposto e noto que em meu redor, além do mundo não estagnar, o que é de
particular relevância também e, angustiadamente, os países continuam a sangrar
pelas feridas dos atentados terroristas pois não é mais nem menos do que terror
que estes propagam de forma dolorosamente inexplicável!
Olhamos em redor
e são muitos os temas e problemas que urgem um pensar eticamente responsável
como: a fome no mundo, os desequilíbrios sociais e ambientais, questões da
bioética nomeadamente no que diz respeito à eutanásia, ao aborto e doação de
órgãos, questões como a dos refugiados, da necessária ajuda internacional bem
como problemas de moralidade que se converteram em normas legais sob pena de já
não ser suficiente o principio moral de ajuda e cuidado, por exemplo, aos
idosos!
Não há muito
tempo, Peter Singer lembrava-nos que mais que uma filosofia teórica e
especulativa, a filosofia deverá virar-se para o campo da ética aplicada, uma
fértil área de reflexão argumentativa que aborde de um modo fértil os grandes
problemas das PESSOAS no mundo! E Porquê?
"A
filosofia é uma atividade viva, caracterizada pelo estudo minucioso dos
problemas e pela tentativa de produzir respostas convincentes alicerçadas em
argumentos sólidos" (Peter Singer, Ética
Pratica).
Ora, como sabemos, desde os primórdios
da humanidade que esta tem vivido momentos de constante desarmonia, nos quais o ser humano não consegue viver com o
seu igual, cometendo, por vezes, terríveis atrocidades que
se aliam a realidades como a competição violenta por recursos como
território, bens de subsistência, tão indispensáveis
à prosperidade dos povos e, também, tensões culturais e religiosas. Será, por isso interessante e, útil ao
desenvolvimento de uma posição crítica, abordar qual a posição da filosofia face
à desumanidade e à constante violação da dignidade humana!
O tema/problema revela-se de uma
importância peculiar pois nos últimos tempos muitos têm sido os acontecimentos
que nos têm feito refletir acerca do que devemos fazer para vivermos num mundo
onde imperem a paz e
a tolerância e muitas tem sido as opiniões acerca deste importante tema,
não só devido à sua relevância atual, mas e sobretudo
pela perda do OUTRO que neste mesmo mundo é atirado para o sofrimento que
ninguém sabe muito bem compreender e muito menos explicar!
Torna-se, por isso, urgente que todos façamos
uma reflexão de cariz profundamente filosófico sob pena de desistirmos da nossa
própria essência: não adormecer no (des)conforto das imagens e relatos que, amargamente,
nos perturbam!
Neste sentido, começarei por apresentar uma
possível conceção de tolerância e paz mundial, para posteriormente clarificar o
modo como o tema foi abordado ao longo dos tempos, ou seja, apresentar uma
visão histórico-filosófica do tema.
Seguidamente
refletirei o papel da filosofia na paz e tolerância mundial, terminando com a
fundamentação da minha posição relativamente a este tema.
Por fim e, com a consciência feliz de
nada poder concluir (definitivamente), tentaremos responder ao problema de base deste ensaio, apontando
para o papel formativo que a filosofia pode ter no contributo, pelo dialogo, estabelecimento
de paz e tolerância mundiais e que, em minha opinião, se prenderá com a sua
influência sobre os espíritos crítico e ético.
Paz
e tolerância mundiais - que sentido(s)?
Que me desculpem a franqueza das palavras,
mas... o século XX é um século de profunda vergonha! E porquê?
Duas guerras mundiais e muitos
genocídios: genocídio arménio, genocídio judeu, genocídio ruandês e outros!
Ainda é possível a utopia da
Tolerância e Paz para e no mundo? Começaremos por esclarecer os conceitos de paz e tolerância mundiais.
Desde sempre os filósofos, das mais
variadas correntes de pensamento se têm debruçado sobre esta questão, sem, no
entanto, terem conseguido uma definição unânime dos conceitos.
A nosso ver, a melhor forma de
conceptualizar paz é como o momento em que nos encontramos num pleno estado de
calma e equilíbrio isentos
de qualquer
perturbação, seja ela algum tipo de guerra ou violência.
Contudo, e em meu entender, a ausência
de paz é difícil de compreender, perplexamente
até, pois é o Homem quem pode criar ou
destruir a Paz que vive no mundo que é de todos, pelo exercício da sua vontade,
ou seja: porque age a Humanidade contra os seus próprios interesses coletivos?
Retomando o parágrafo anterior, este
conceito refere-se a algo que o Homem constrói e que é vivido tanto física, já
que está relacionada com
fatores sociais, políticos, económicos e demográficos, como psicologicamente.
No que concerne ao conceito de tolerância
poderemos dizer que este está imbricado nos conceitos de Estado/Cultura de Paz.
Em termos gerais, podemos definir tolerância como sendo o
respeito, a consideração e a aceitação da diferença do OUTRO, isto é, a
capacidade de aceitarmos que outros vivam,
pensem
e ajam de modo diferente
de modos com os
quais podemos (ou não) discordar.
Herdeiros da
tradição grega, vivemos numa sociedade que se considera democrática, liberal e pluralista,
que permite a existência e manifestação de diferentes pontos de vista sobre os
mais diversos assuntos de índole moral, religiosa e política; valorizamos a
livre discussão de ideias, o espírito crítico, a pluralidade de opiniões.
Não devemos, contudo, pensar que esta abertura e
respeito pela diversidade significa que nada é proibido e que tudo é permitido.
Tolerância não deve ser considerada sinónimo de permissividade e indiferença,
isto é, não se pode permitir tudo, a promoção da tolerância não implica tolerar
tudo, que neste caso seria considerado niilismo, uma ausência completa de
princípios morais que, ao constituir uma tolerância absoluta lançaria as
sociedades humanas no caos e na anarquia.
Perspetivas
filosóficas ao longo dos tempos
Os temas da paz e da tolerância são, sem
dúvida, desencadeadores de questões muito preocupantes neste novo milénio. Têm,
inclusive, suscitado o interesse quer da opinião pública, quer de políticos,
religiosos, instituições internacionais e nacionais e, especialmente, dos
filósofos, em cujo discurso estes conceitos sofreram uma alteração, passando da
compreensão da paz e tolerância como ausência de guerra, para não-violência e, para
na atualidade serem compreendidos como a realização de uma cultura de paz e
tolerância.
O estudo dos
conceitos de paz e tolerância começou no século
XVIII, sendo Immanuel Kant a principal referência, visto que foi um dos
primeiros a tratar a questão da paz e tolerância, de forma a garanti-la
perpetuamente, em contextos políticos e jurídicos.
Em Ka nt,
a paz deixou de ser tratada de forma religiosa, para receber um tratamento
jurídico-político. É também a partir da proposta kantiana de paz que começa a
ser utilizada a ideia de construção para definir a paz como uma "obra», ou seja, passou a ser entendida como um
ideal para o qual se labora. Até então, paz e guerra eram consideradas
realidades inalteráveis da filosofia, do Direito e da Moral.
Podemos afirmar
que é nos dois últimos séculos, principalmente no século XX, que têm ocorrido
as maiores reflexões acerca dos conceitos base da reflexão do nosso ensaio,
tendo havido grandes mudanças ao nível da sua compreensão nas mais diversas
disciplinas.
Assim,
no século XX, a conceção de paz era restrita e negativa já que se definia
exclusivamente como a ausência de guerra. No entanto, em virtude dos
acontecimentos que se desenrolaram no século XX, tais como as Grandes Guerras,
ocorreu uma mudança significativa na maneira de se compreender e abordar o
conceito de paz.
No
mesmo período, fundou-se a Organizações das Nações Unidas (ONU) e a Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), duas organizações
que têm como objetivo preservar as futuras gerações do flagelo da guerra, sendo
que as guerras nascem nas mentes humanas e é aí que deve começar o seu combate,
pela instrução no sentido da defesa da paz, tendo-se estabelecido assim o
principio de que a paz deve ser construída, sendo necessária essa construção no sentido da almejada utopia que
muito se liga ao desenvolvimento da Ciência, da Educação e da Cultura.
Segunda a
UNESCO, para estabelecer a paz, uma (simples) assinatura de acordos e tratados
não é suficiente, pois os fatores que permitem e favorecem o surgimento das
guerras permaneceriam inalterados. Ou seja, para esta organização quando a
Cultura, nas suas dimensões económica, política, sociais, emocional, moral,
mantém os seus (des) valores de violência e dominação, a paz é apenas o
intervalo entre guerras.
“(...) uma paz fundada exclusivamente sobre acordos
políticos e económicos,
celebrados entre governos, não conseguirá assegurar
a adesão unânime, duradoura e
sincera de todos os povos e, por conseguinte, para
que a paz subsista deverá assentar
na solidariedade intelectual e moral da humanidade.
(...) a paz não é somente a
ausência de conflitos, ela requer também um processo
positivo, dinâmico e
participativo em que se promova o diálogo e se
solucionem os conflitos num espírito
de entendimento e cooperação mútuos.” Unesco (1945)
(OLIVEIRA,
Ariana BAZZANO DE O PERCURSO DO CONCEITO DE PAZ: de Kant à Atualidade,
Universidade Estadual de Londrina, pag,16)
Segundo
a UNESCO, a maior garantia de uma paz firme e duradoura é que esta seja inscrita
nas culturas dos povos. A partir de uma definição de cultura que contemple
cultura não só como arte, linguagem e património, mas também cultura como
comportamentos, regras e formas de vivência em sociedade, podemos definir o que
é uma cultura de paz, como uma proposta de uma sociedade em que as relações
sejam feitas pelo diálogo, tolerância e pela consciência dos indivíduos. Então
podemos considerar três elementos fundamentais nesta cultura de paz, que são
paz, politica e desenvolvimento, ou seja uma cultura de paz sustenta-se sobre
alicerces sociais, económicos e políticos, para além de culturais.
A
este propósito lembra a médica e pedagoga Maria Montessori:
"Todos falam de paz, mas ninguém educa para a
paz, as pessoas educam para a competição e esse é o principio de qualquer
guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os
outros, nesse dia estaremos a educar para a paz" Maria
Montessori, Educação e a Paz, Papirus Editora)
Há
que reinventar continua e continuadamente os conceitos de Tolerância e Paz!
No final do século XX, a humanidade
começou a discutir e a perceber que a paz não está ligada apenas à ausência de
conflitos, pois estes são apenas consequência da vida social dos povos e nenhuma
relação, seja entre os indivíduos, comunidades, partidos políticos ou nações permanece
imutável. Surgem sempre novas situações e é destas que provem tensões e problemas
que necessitam de uma solução. Aqui...lembro o mar de Calais!
Na busca de soluções para situações
limite que se demonstra em que tipo de sociedade vivemos: se numa sociedade de
força, rejeição e de intolerância ou se numa sociedade de abertura, diálogo e
compreensão face às dificuldades do OUTRO - e isto sim, numa cultura de paz.
Filosofia, paz e
tolerância - O imperativo do diálogo!
Que
compatibilidade entre o espírito crítico e a tolerância?
Quais
os limites da Tolerância?
Que
devemos fazer quando ultrapassados determinados limites?
Que
razões nos levam à guerra?
Porque
e como banalizamos o mal?
Qual
o papel preponderante que a filosofia poderá assumir na implementação reflexiva
de valores como o da tolerância no sentido de busca de uma cultura de paz
mundial?
A filosofia como estudo da dimensão
essencial e ontológica do mundo real, abrangendo em si, também a capacidade
humana de refletir profundamente sobre diversos temas, ultrapassando o senso
comum que se mantém sempre cativo das realidades empíricas e das aparências
sensíveis, poderá relacionar a teoria e prática, isto é, ligar o pensamento
humano à realidade circundante, que determinara o
seu carácter
prescritivo, voltado para a ação concreta e para
as
suas consequências éticas, políticas ou psicológicas.
Ela devera estar na
base da educação, estando esta relacionada intrinsecamente com a prevenção e resolução
dos conflitos de uma maneira não violenta, isto é, uma resolução
tolerante.
A filosofia
relaciona-se igualmente com a politica na resolução dos problemas, pois esta
poderá contribuir para que respeitemos os direitos individuais e nos empenhemos
em prevenir conflitos resolvendo-os nas suas origens, já que estes também
englobam novas ameaças não-militares para a sociedade, quer para a paz, quer
para a segurança, taiscomo a exclusão social, a pobreza extrema e a degradação
ambiental. Se a sociedade viver segundo estes princípios,
os problemas poderão ser resolvidos por meio do diálogo, da negociação e da
mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis, desta forma indo
ao encontro do que é uma cultura de paz.
Mas estaremos a entrar em contradição ao
falar do papel da filosofia na politica? Em questões relativas ao bem-estar da
PESSOA não poderá haver contradição, caso
contrário o discurso não seria racional pois, tal como afirma Kant, atribui-se
uma máxima sabedoria à entidade legisladora, sendo que estes
apenas deverão procurar os conselhos dos
filósofos quanto aos princípios de comportamento em comparação com os outros
estados, ou seja, os filósofos deverão ser
convidados a falar livre e publicamente sobre as regras gerais de condução da
guerra e de estabelecimento da paz.
Por vezes, parece que o «poder da
filosofia" está a um nível muito inferior aos poderes
politico e económico das sociedades. Ora o poder de pensar criticamente, de que
a Filosofia é a expressão maior não poderá ser submissa a outros saberes, mas
sim companheira de um dialogo multidisciplinar e transversal a outros modos de
pensar!
Qual o papel que a filosofia devera
exercer na politica?
“Não é de esperar nem também de
desejar que os reis filosofem ou que os filósofos se tornem reis, porque a
posse do poder prejudica inevitavelmente o livre juízo da razão. É
imprescindível, porém, para ambos que os reis ou os povos soberanos (que se
governam a si mesmos segundo as leis de igualdade) não deixem desaparecer ou
emudecer a classe dos filósofos, mas os deixem falar publicamente para a
elucidação dos seus assuntos, pois a classe dos filósofos, incapaz de formar
bandos e alianças de clube pela sua própria natureza, não é suspeita da
deformação de uma propaganda.” (KANT, Immanuel, A PAZ PERPÉTUA Um
Projeto Filosófico, Artur Morão, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2008,
pág. 35)
Os estados apenas deverão tomar em conta
as máximas defendidas pelos filósofos quanto à obtenção da paz, e não deverão
ser os filósofos a por em prática estas mesmas máximas numa sociedade, na qual
o seu poder é muito reduzido.
A Filosofia
deverá também agir de forma a que numa
sociedade se aceitem todas as opiniões, sendo possível justificar e fundamentar teses contraditórias.
“Tu não és insuportável, deixo-te um
lugar em minha casa, mas não te esqueças, estás em minha casa”, esta é uma expressão
que retrata o tipo de tolerância que o pensamento, assumidamente critico, deverá
evitar dentro de uma sociedade.
Esta é uma
tolerância em sentido negativo, de indiferença e apologia do ostracismo tão
desenquadrado de uma (con)vivência saudável entre os povos!
Pelo contrário, devemos defender a máxima de,
apesar de não concordarmos com a aquilo que o OUTRO diz,
defendermos que ele possa sempre
dizer a sua opinião, ou seja, em nosso entender, a
realização plena do ideal da tolerância implica o diálogo e opõe-se a relações
de dominação e dominadoras de poderes desequilibrados.
Poderão
as nações compreender este aspeto? Sinceramente, não sabemos!
Procuremos, então, estabelecer, agora,
uma possível ligação entre o criticismo e a tolerância, sendo que ambos os conceitos e sua expressão pratica, podem
coexistir sem qualquer problema para a sociedade.
E o que entendemos por criticismo?
O criticismo consiste no processo de
examinar ou investigar a opinião de outrem de
uma forma crítica e cética moderada, mas nunca cínica.
Tal
posição fundamenta-se na noção de que, neste caso, devemos apenas
considerar um critério de valor, o valor da liberdade. Devemos considerar que todo o ser é livre de expressar a
sua opinião, mesmo que não sejamos a favor da mesma.
Mas para além desta possibilidade,
existe uma outra, a de criticarmos a opinião do outro de forma a reforma-la, não necessariamente de encontro à nossa, mas de forma a que o interlocutor possa contra-argumentar racionalmente até que ambos as partes cheguem a um
compromisso.
Falemos, então, com
Voltaire quando defende que a tolerância é património da razão, pois ser
tolerante exige argumentação bem fundamentada, ou seja, desta forma estamos a
promover a tolerância através de um meio não violento que é o diálogo.
Nas sociedades atuais por vezes vamos
perdendo o valor da tolerância por sermos radical e exageradamente críticos,
não sabendo então ouvir o outro, e partindo por vezes para conflitos que de
insignificantes se tornam dolorosos para o ser humano!
E os limites à tolerância? Existem? Se
sim, quais são?
Em nosso entender, a tolerância também
apresenta limites apesar de, à primeira vista, dar a ilusão de envolver
contradição no meu texto, pois nem todas as opiniões tem o valor da liberdade e,
por vezes, algumas apesar de não colocarem em causa a liberdade do orador,
colocam em causa a liberdade do OUTRO, isto é a invasão do direito alheio.
Para além disso, devemos
considerar como moralmente intolerável algumas das atrocidades levadas a cabo pelo
ser humano em nome da tradição como a excisão genital, o casamento entre
meninas e adultos e a tortura (em publico) de tantas PESSOAS que as imagens nos
deixam irremediavelmente inertes!
Mas teremos nós o direito à
intolerância? Será que a intolerância vai contra o conceito de liberdade?
Ao sermos intolerantes estamos a pôr em
causa a liberdade do outro e a causar problemas na sociedade, estamos também a
retirar ao OUTRO a possibilidade de exprimir a sua opinião livremente?
Ouçamos, mais uma vez, Voltaire:
“O direito da intolerância é,
portanto, absurdo e bárbaro; é o direito dos tigres, sendo bem mais horrível
também, porque os tigres dilaceram suas presas para comer, enquanto nós nos
exterminamos por causa de alguns parágrafos.”(VOLTAIRE,
TRATADO SOBRE A TOLERANCIA, William Lagos, Porto Alegre, 2011, pág. 28)
A
intolerância leva-nos a esquecermos a paz e a
aceitação do OUTRO, passando de uma guerra de
argumentos para uma guerra onde nos “exterminamos” uns aos outros, em que
estamos contra a nossa própria espécie apenas porque não aceitamos uma opinião
diferente da nossa e nos julgamos, ilusoriamente, o centro da verdade!
Imaginemos
agora uma situação real de diferenças entre duas culturas, uma
oriental e uma ocidental. No luto a cultura
ocidental utiliza cores escuras, já na cultura oriental a cor privilegiada é o
branco, caso duas pessoas destas duas sociedades diferentes se encontrem, elas
argumentarão sempre a favor da sua cultura, sendo que será difícil que considerem viável a forma como o outro compreende
neste caso a morte.
Mas
será, então, esta diferença entre padrões culturais motivo para sermos
intolerantes? É obvio que todos nós apresentamos diferenças nas mundividências, as sociedades são diferentes entre si
e baseiam-se em contextos diferentes,
mas
isso não é motivo para sermos intolerantes com o OUTRO devemos aceitar a sua cultura
no que ela eleva a dignidade da pessoa humana, concordemos ou não, e mesmo que
ele esteja perante a nossa cultura, não lhe deverá ser exigido que mude de
costumes, que a sua ação seja baseada nos nossos padrões culturais, esta
deverá ser tolerada e respeitada, devemos então aceitar a sua diferença que
sempre se nos apresenta como riqueza culturalmente colorida dos povos!
Tal como afirma André Comte-Sponville, a
tolerância tem como limite a justiça e o horror que é proporcionado ao outro,
tal como mencionado anteriormente a liberdade poderá limitar a tolerância.
“Tolerar o sofrimento dos outros, tolerar a
injustiça de que não somos vítimas, tolerar o horror que nos poupa não é mais
tolerância: é egoísmo, é indiferença, ou pior. Tolerar Hitler era ser seu
cúmplice, pelo menos por omissão, por abandono, e essa tolerância era já
colaboração.”(COMTE-SPONVILLE,
ANDRÉ, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1999,
Tradução de Eduardo Brandão, pág. 85)
Algumas
questões se nos colocam, tais como:
Como
devemos agir perante a intolerância?
Podemos
e devemos ser tolerantes com os intolerantes?
Como
devemos responder aos que ultrapassam os limites de intolerância?
A resposta não se apresentando fácil,
tentaremos responder reflexivamente a estas questões tendo em conta o
enquadramento do texto que nos propusemos elaborar.
Em primeiro lugar, consideramos que não
devemos tolerar os intolerantes, mas ao mesmo tempo também não devemos ser
intolerantes com os mesmos, pois ao ser intolerantes estamos a agir de forma
incorreta, isto é, ao ser intolerantes estamos a agir da mesma forma que os
outros e isto irá causar mais intolerância, e caso fundamentemos esta ação em
intolerância, acabaremos por resvalar para uma atitude de intolerância sem retorno,
contudo devemos sempre agir perante a intolerância
com base no diálogo e na tentativa de compreensão do diferente para facilitar o
processo de mudança de pensamento.
Não podemos nem devemos agir de forma
violenta ou de uma forma menos correta perante uma ação de outrem o que nos
pode levar a pensar: como se lida com alguém
que recusa a comunicação? Só tentando o saberemos!
Relativamente ao ultrapassar dos limites
de tolerância, devemos estar sempre atentos e chamar à atenção aqueles que ultrapassam esses mesmos limites,
faze-los desta forma ver que a sua ação é a menos correta, que a sua ação está
a pôr em causa vidas que não são a sua, mais uma vez esta ação será
fundamentada no dialogo, nunca se deveria ter em conta uma ação violenta, pois
violência apenas traz mais violência e desta forma estaríamos a agir globalmente sem benefício.
Assim,
é no
seguimento do conceito de violência que tentaremos procurar os motivos pelo
qual o ser humano leva a cabo uma serie de
atrocidades contra si mesmo, procuraremos os motivos pelos quais guerreamos e
tentaremos buscar uma justificação esses atos.
"Será que os homens
guerreiam por necessidade?" A resposta a
esta questão é obvia: claramente Não; os homens guerreiam por diversos motivos,
mas a necessidade não é um desses fatores
essenciais. As razões causadores de conflitos, neste caso da guerra,
são do foro económico, religioso, ideológico, cultural, geográfico ou até mesmo
de vingança ou posse.
O tipo de guerra varia conforme a
situação, área de abrangência, tipo de confronto e até mesmo tipo de armamento,
mas apesar disso as origens da guerra são as mesmas, o motivo
económico é a origem predominante das guerras, pois estes relacionam-se
bastantes com o poder que o ser humano procura, a
ganância. Estas
guerras podem ter como objetivo a conquista de territórios, recursos e mercados
ou a até o controle de recursos económicos estratégicos, pelo que têm em conta a
relação
custo-benefício. Outro dos motivos causadores de guerra
são a cultura e a religião e tal como mencionado anteriormente isto deve-se ao
facto de termos dificuldades quase "genéticas" em aceitar a forma de
viver do OUTRO.
Estes conflitos podem ser justificados
por rivalidades étnicas e religiosa, ou até mesmo pela rejeição de outra
cultura, sendo este o tipo de guerra mais facilmente causado pela intolerância,
por outro lado, as guerras
religiosas são as mais antigas e permanecem atuais. Este tipo de guerra relaciona-se com a vontade de imposição de ideia que o Homem tem,
sendo que este se considera superior ao outro e quer que o outro o aceite.
Não podemos então esquecer o tipo de
guerra que atualmente tem acontecido, que para além de ser uma
guerra de poder e de imposição de ideias, tem em si a
base "guerrear contra o incitamento à
violência", ou seja estamos a agir em prol
da não violência, com violência. Todos estes motivos para guerrearmos não
deveriam ser validos, pois o ser humano ao causar guerras está a agir contra a
própria espécie.
Então será o mal causado pelo homem
algo de banal?
Para responder esta questão Hannah
Arendt desenvolveu o conceito de banalidade
do mal que ainda hoje é polémico e, por vezes, incompreendido. Através deste a filosofa caracteriza o mal como algo que não
pode ser explicado como uma fatalidade, mas sim caracterizado como uma
possibilidade da liberdade humana. Enquanto que o conceito de banalidade não
quer abrir precedentes para uma suposta inocência do criminoso, quer
tão somente entender um fenómeno. Para chegar a tais conclusões Arendt baseou-se no processo e julgamento de Adolf Eichmann, homem que era responsável por enviar
os judeus para os campos de concentração. Mas Hannah Arendt compreendia
Eichmann não como um monstro, mas sim como um homem normal, tão normal como
tantos outros sendo que foi esta moralidade que motivou Hannah Arendt a
procurar uma teoria explicativa para o mal cometido. A filosofa, de origem judaica, apresentava o mal
como algo sem inspiração própria, mas apesar da ausência de inspiração este mal
não deixava de ser monstruoso, pois apesar deste ser banal não significa que o réu
seja inocente ou mesmo que esta banalidade do mal seja normal no ser humano.
Dito de outro modo, a expressão banalidade do mal não é justificativa para as atrocidades
cometidas.
Mas,
então, como
pode o mal tornar-se banal?
A resposta a esta questão assenta numa
sociedade superficial e supre fluida, ou seja, uma sociedade em que o
pensamento seja superficial, facilitando assim que cada individuo ceda mais
facilmente ao mal e uma sociedade supre fluida, isto é uma sociedade que apenas
pensa em termos utilitários e que absorve o pensamento politico vigente, sendo que o mal causa guerras,
seja considerado como algo banal, tal a vulgaridade com que nos lidamos e o
"aceitamos" nas sociedades!
Algumas
questões póstumas...
Paquistão, 27 de
março de 2016
O ataque suicida de domingo fez 72 mortos e
mais de 300 feridos. Papa pede proteção das minorias no país.
Pouco
antes de um bombista se ter feito explodir num parque de Lahore, com a intenção
de matar cristãos que ali festejavam a Páscoa, uma multidão forçava a sua
entrada no centro de Islamabad para exigir a elevação a mártir de um extremista
executado pelo assassínio de um governador liberal. Não há indícios de que os
dois acontecimentos estejam ligados, mas ambos ilustram a fragilidade dos
progressos reivindicados pelo Governo de Nawaz Sharif na luta contra os
extremistas islâmicos, (...)
Desafortunadamente a violência e o
terror (ismo) não descansaram enquanto eu refletia as questões que me envolviam
no tema problema! Numa sociedade global como a nossa o mundo está perante nos
no que de melhor e pior faz acontecer!
Talvez se tenha tornado comum afirmar
que vivemos em tempos difíceis ou, para usar uma expressão arendtiana, em "tempos
sombrios". Crise económica e financeira, crise de confiança nas instituições, crise de
valores, crise energética, crise de sustentabilidade, mudanças climáticas e
catástrofes ambientais, crises dos paradigmas, mudanças epistemológicas,
guerras e terrorismos, intolerâncias religiosas e, não menos grave, crise do
sistema educativo. Tempos tão difíceis ou sombrios que nos leva a relembrara expressão
crise de época, para sinalizar que
não vivemos, simplesmente e apenas, mais uma época de crises.
Porém e, apesar destes tempos de crise,
não nos podemos esquecer que valores
como
os de paz e tolerância, tem de ser uma aposta das sociedades pois é urgente educar
para os valores que elevam uma sociedade à categoria de humana!
Este défice educacional leva a um vazio
de pensamento, e é neste vazio que a filosofia
encontra o seu papel formativo, um papel formativo comprometido com os valores mais
nobres e não esquecendo uma abertura a valores morais fundamentais, como
justiça, igualdade, liberdade, solidariedade, diálogo e tolerância.
A filosofia deverá então educar para o
pensamento e, desta forma, cultivar em cada um dos seres, atitudes que
possibilitem e promovam o diálogo.
Nesse sentido, o pensamento deverá ter
espaço privilegiado nos processos educativos que se desejam morais. Não
obstante, é importante observar que nos processos formativos geralmente o
pensamento critico, insatisfeito e irreverente não é valorizado.
Os políticos convivem mal com mentes
pensantes! E não se pense que é um defeito de hoje, que o diga Sócrates na Grécia
antiga, Galileu e a sua determinação em querer observar o universo por si próprio!
Apesar
disto, ou mesmo por tudo isto, cabe à filosofia o imperativo moral e legal de
ouvir o outro lado - ele terá algo a dizer e, por isso, não podemos desistir do imperativo do diálogo com o OUTRO.
Porquê
e para quê?
Deve educar-se o ser humano para uma reflexão pessoal, profunda, interna,
desinteressada e capaz de dar significado(s) ao mundo que habitamos.
“Ou, em outras
palavras: pensar e estar completamente vivo são a mesma coisa, e isto implica
que o pensamento tem sempre que começar de novo; é uma atividade que acompanha
a vida e tem a ver com conceitos como justiça, felicidade e virtude, que nos
são oferecidos pela própria linguagem, expressando o significado de tudo o que
aconteceu na vida e nos ocorre enquanto estamos vivos.” (Arendt,
Hannah, A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Trad. António
Abranches. Rio de Janeiro:1995, Pág. 134)
Deste modo, a filosofia poderá e deverá desempenhar um papel
preponderante na educação das sociedades, quer para nos elevar enquanto seres humanos, que para nos permitir criar valores, valores mais
conscientes, sendo
que o papel da filosofia na tolerância e na paz mundiais é sobretudo formativo, isto é, um processo instrutivo ao
pensamento, não através da retórica, mas sim do fomento do pensamento individual e coletivo, este processo formativo devera construir uma cultura de e
para o diálogo!
O mundo continua a chorar o terror e o medo não poderá
vencer!
Um dia, quando tive oportunidade de falar com monsenhor D.
Ximenes Belo coloquei-lhe exatamente a questão do Estado Islâmico,
perguntando-lhe o que pensava, ao que ele me respondeu com uma questão: não terão
eles nada a dizer-nos?
Será que os países ocidentais não deveriam ter uma postura de diálogo
para com o Estado Islâmico?
Ou será que os países ocidentais têm interesse que a guerra se propague indefinidamente?
Será que a filosofia deveria intervir nesta guerra, mostrando aos
homens de Estado
que estão a seguir o caminho errado?
E que como nos diz Kant:
"No reino
dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Se algo tem um preço, pode ser
trocado por qualquer outra coisa. O que tem dignidade é único e não pode ser
trocado; está além do preço. Há dois tipos de preços, afirma Kant: o preço
venal, que está relacionado com a satisfação da necessidade; e o preço de
sentimento, relacionado com a satisfação do gosto. (A moralidade está para lá e
acima de ambos os tipos de preço». Kant, Fundamentação
da Metafísica dos Costumes, Edições 70)
Ainda hoje temos cada vez mais necessidade filosófica e existencial de nos
envolvermos nas palavras de Kant para olhar um futuro de diálogo que sabemos ser
inevitável, mas que, no entanto, não se
apresenta, pelo menos no imediato, passível de ser concretizado!
E, desavergonhadamente...
.... o preço vai
sendo alto, demasiado alto para o ser humano!
Até quando?
Referências
bibliográficas
KANT, Immanuel, A PAZ PERPÉTUA :
Um Projeto Filosófico, Artur Morão, Universidade da Beira Interior, Covilhã,
2008
COMPE-SPONVILLE,
André, Pequeno
Tratado das Grandes Virtudes, Ed.
Martins Fontes, São Paulo, 1999, Tradução de Eduardo Brandão
OLIVEIRA, Ariana
BAZZANO DE,O
PERCURSO DO CONCEITO DE PAZ: de Kant à Atualidade, Universidade Estadual de
Londrina
VOLTAIRE, TRATADO SOBRE A
TOLERANCIA, William Lagos, Porto Alegre, 2011
GUERRA, Marta, tolerar o
intolerável, in pravda.ru
ARENDT, Hannah, EICHMANN IN
JERUSALEM: a report on the banality of evil; The Viking press, New York
ARENDT; Hannah, A VIDA DO
ESPIRITO: O PENSAR, O QUERER, O JULGAR. Trad. António Abranches. Rio de
Janeiro, 1995
ANDRADE,
Marcelo, A
BANALIDADE DO MAL E AS POSSIBILIDADES DA Educação MORAL: contribuições arendtiana,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação
Wikipédia - Definição de Guerra
A
banalidade do mal de Hannah Arendt in
Ensina Rtp
DEJOURS,
CHRISTOPHE, Banalização
ou a Injustiça SOCIAL, Editora FGV, Rio de Janeiro
Eikasia, Revista
da filosofia,
número 50 julho, Oviedo,2013
Obrigado querido aluno Luís Martins do 11° A por este Prémio para si
e para a nossa escola!
Muito Orgulhosa de si!
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário