Espanto e Filosofia
Platão e Aristóteles já nos ensinaram
que "a filosofia nasce do espanto" (outras vezes "espanto"
é traduzido como "admiração") mas o que isso significa? Desde
criança, me ocorria reparar que as pessoas adultas seguiam regras sem saber o
porque e, mais do que isso, queriam que nós, as crianças, seguíssemos as mesmas
regras sem também saber o porque. Isso para mim foi um grande espanto. Passei
sempre a desconfiar dos adultos e, desde então, estou sempre espantado.
"Acordamos em nossa casa, em nossa cama, tudo
está no seu devido lugar. As coisas da casa são as coisas conhecidas de sempre,
e nos preparamos para ir à escola, ao trabalho ou para prosseguir nosso quotidiano. [...] Encontramos nossos amigos e familiares, contamos piadas, brigamos e nos divertimos. Tudo acontece conforme previsto. [...] Mas, de
repente, surge um evento inesperado, um acidente trágico, um pássaro que pousa
em nossa janela, um beijo roubado, um garoto na rua lhe implora: “estou com
fome, me ajude”. Um espanto assombroso toma conta de nós, mas não de todos,
apenas daqueles que levam consigo um incómodo misterioso. No espanto, nasce o
filósofo. [...] Aquele que se espanta muitas vezes fica assombrado com algo
que, para as outras pessoas, é absolutamente normal. Isso é o filósofo: aquele
que vê no óbvio algo incrível.
__________________________________Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
Espanto: a origem
do pensar
Acordamos
em nossa casa, em nossa cama, tudo está no seu devido lugar. As coisas da casa
são as coisas conhecidas de sempre, e nos preparamos para ir à escola, ao
trabalho ou para prosseguir nosso cotidiano. Os problemas enfrentados são quase
sempre os mesmos, a linguagem usada é a mesma, com a inclusão de uma ou
outra palavra nova. O transito segue seu fluxo com engarrafamentos,
barbeiragens e pequenas alegrias (como encontrar um bom lugar para estacionar).
Encontramos nossos amigos e familiares, contamos piadas, brigamos e nos
divertimos. Tudo acontece conforme previsto. De certa forma, essa vida
previsível é um conforto que nos agrada. Mas, de repente, surge um evento
inesperado, um acidente trágico, um pássaro que pousa em nossa janela, um beijo
roubado, um garoto na rua lhe implora: “estou com fome, me ajude”. Um espanto assombroso toma conta de nós, mas não de todos, apenas
daqueles que levam consigo um incômodo misterioso. No espanto, nasce o
filósofo.
Espantados, passamos a questionar. Por que isso é assim e não de outra
forma? Por que essa flor nasce e morre tão rapidamente? Por que ninguém ajuda
esse garoto? O que é a morte? E o que é viver? O que é amar? Aquele
que se espanta muitas vezes fica assombrado com algo que, para as outras
pessoas, é absolutamente normal. Isso é o filósofo: aquele que vê
no óbvio algo incrível. Quando ele consegue dar voz ao seu
espanto, as pessoas se surpreendem. Se é algo que fere gravemente as
verdades estabelecidas, então o filósofo é chamado de louco ou condenado
à morte como Sócrates ou Giordano
Bruno. Uma vez que o espanto toma conta de nós, todas as demais
“coisas importantes” de nossa vida tornam-se insignificantes ou assumem um
significado mais profundo.
Sócrates, Aristóteles, Schopenhauer e
até grandes cientistas como Einstein entregaram-se ao maravilhamento. Admirar-se com aquilo que ninguém vê
é o primeiro sinal de que estamos pensando com mais profundidade. Para os
pensadores gregos, a origem do pensar é aquilo que eles chamaram de thauma (trauma,
espanto, perplexidade). Veja o que alguns filósofos e pensadores disseram
sobre isso:
Teeteto — E, pelos deuses,
Sócrates, meu espanto é inimaginável ao indagar-me o que isso significa; e, as
vezes, ao contemplar essas coisas sinto vertigens.
Sócrates — É absolutamente
de um filósofo esse sentimento: espantar-se. A filosofia não tem
outra origem…
Platão, Teeteto
Aquele que se maravilha sente que
é ignorante; portanto, se foi para escapar da ignorância que estudou filosofia,
é evidente que buscou essa ciência por amor ao conhecimento.
Aristóteles, Metafísica
Todas as obras produzidas apenas
pelo instinto – por exemplo, as construções das abelhas, os ninhos dos pássaros
feitos em formas variadas e sempre apropriadas – possuem uma perfeição que lhes
é peculiar, pois correspondem precisamente às exigências de seus objetivos.
Admiramos a profunda sabedoria que há nelas.
Schopenhauer, Escritos
Filosóficos Menores
Não me canso de contemplar o
mistério da eternidade da vida.
Albert Einsten, O Pensamento Vivo
de Einstein
Espantar-se, contudo, não é suficiente. Do espanto surge a dúvida, o
questionamento e a investigação. Quem se admira não se conforma com o que
lhe é apresentado e acaba buscando novas respostas.
A filósofa
alemã Hannah
Arendt ficou perplexa com o
comportamento do carrasco nazista Adolf Eichman durante
o julgamento
de Jerusalém. Ele acreditava firmemente que não tinha feito
nada de errado (matar milhares de judeus) pois estava “apenas cumprindo
ordens”. Todos esperavam que Arendt o rotulasse de monstro,
porém, ela chocou a todos ao afirmar que Eichman não era sequer
antissemita, mas apenas um sujeito raso e medíocre que agia de forma
irrefletida. Era alguém absolutamente normal.
Nascia assim o famoso
conceito de “mal
banal“, onde Arendt nos mostra como são possíveis as
grandes tragédias de nosso tempo graças à massa de pessoas que vivem sem
pensar, conformando-se com a violência e a injustiça, como se fossem coisas
normais.
O mal de nosso tempo, então, repousa naqueles que não se
espantam com mais nada.
Editor do netmundi.org
Lola
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