terça-feira, 23 de agosto de 2016

Espanto e Filosofia




Espanto e Filosofia


Platão e Aristóteles já nos ensinaram que "a filosofia nasce do espanto" (outras vezes "espanto" é traduzido como "admiração") mas o que isso significa? Desde criança, me ocorria reparar que as pessoas adultas seguiam regras sem saber o porque e, mais do que isso, queriam que nós, as crianças, seguíssemos as mesmas regras sem também saber o porque. Isso para mim foi um grande espanto. Passei sempre a desconfiar dos adultos e, desde então, estou sempre espantado.
"Acordamos em nossa casa, em nossa cama, tudo está no seu devido lugar. As coisas da casa são as coisas conhecidas de sempre, e nos preparamos para ir à escola, ao trabalho ou para prosseguir nosso quotidiano. [...] Encontramos nossos amigos e familiares, contamos piadas, brigamos e nos divertimos. Tudo acontece conforme previsto. [...] Mas, de repente, surge um evento inesperado, um acidente trágico, um pássaro que pousa em nossa janela, um beijo roubado, um garoto na rua lhe implora: “estou com fome, me ajude”. Um espanto assombroso toma conta de nós, mas não de todos, apenas daqueles que levam consigo um incómodo misterioso. No espanto, nasce o filósofo. [...] Aquele que se espanta muitas vezes fica assombrado com algo que, para as outras pessoas, é absolutamente normal. Isso é o filósofo: aquele que vê no óbvio algo incrível.
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Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!





Espanto: a origem do pensar


Acordamos em nossa casa, em nossa cama, tudo está no seu devido lugar. As coisas da casa são as coisas conhecidas de sempre, e nos preparamos para ir à escola, ao trabalho ou para prosseguir nosso cotidiano. Os problemas enfrentados são quase sempre os mesmos,  a linguagem usada é a mesma, com a inclusão de uma ou outra palavra nova. O transito segue seu fluxo com engarrafamentos, barbeiragens e pequenas alegrias (como encontrar um bom lugar para estacionar).  Encontramos nossos amigos e familiares, contamos piadas, brigamos e nos divertimos. Tudo acontece conforme previsto. De certa forma, essa vida previsível é um conforto que nos agrada. Mas, de repente, surge um evento inesperado, um acidente trágico, um pássaro que pousa em nossa janela, um beijo roubado, um garoto na rua lhe implora: “estou com fome, me ajude”. Um espanto assombroso toma conta de nós, mas não de todos, apenas daqueles que levam consigo um incômodo misterioso. No espanto, nasce o filósofo.
Espantados, passamos a questionar. Por que isso é assim e não de outra forma? Por que essa flor nasce e morre tão rapidamente? Por que ninguém ajuda esse garoto?  O que é a morte? E o que é viver? O que é amar?  Aquele que se espanta muitas vezes fica assombrado com algo que, para as outras pessoas, é absolutamente normal. Isso é o filósofo: aquele que vê no óbvio algo incrível. Quando ele consegue dar voz ao seu espanto, as pessoas se surpreendem. Se é algo que fere gravemente as verdades estabelecidas, então o filósofo é chamado de louco ou condenado à morte como Sócrates ou Giordano Bruno. Uma vez que o espanto toma conta de nós, todas as demais “coisas importantes” de nossa vida tornam-se insignificantes ou assumem um significado mais profundo.
SócratesAristótelesSchopenhauer e até grandes cientistas como Einstein entregaram-se ao maravilhamento. Admirar-se com aquilo que ninguém vê é o primeiro sinal de que estamos pensando com mais profundidade. Para os pensadores gregos, a  origem do pensar é aquilo que eles chamaram de thauma (trauma, espanto, perplexidade). Veja o que alguns filósofos e pensadores disseram sobre isso:




Teeteto — E, pelos deuses, Sócrates, meu espanto é inimaginável ao indagar-me o que isso significa; e, as vezes, ao contemplar essas coisas sinto vertigens.
Sócrates — É absolutamente de um filósofo esse sentimento: espantar-se. A filosofia  não tem outra origem…

Platão, Teeteto

Aquele que se maravilha sente que é ignorante; portanto, se foi para escapar da ignorância que estudou filosofia, é evidente que buscou essa ciência por amor ao conhecimento.

Aristóteles, Metafísica

Todas as obras produzidas apenas pelo instinto – por exemplo, as construções das abelhas, os ninhos dos pássaros feitos em formas variadas e sempre apropriadas – possuem uma perfeição que lhes é peculiar, pois correspondem precisamente às exigências de seus objetivos. Admiramos a profunda sabedoria que há nelas.

Schopenhauer, Escritos Filosóficos Menores

Não me canso de contemplar o mistério da eternidade da vida.

Albert Einsten, O Pensamento Vivo de Einstein




Espantar-se, contudo, não é suficiente. Do espanto surge a dúvida, o questionamento e a investigação. Quem se admira não se conforma com o que lhe é apresentado e  acaba buscando novas respostas. 

A filósofa alemã Hannah Arendt ficou perplexa com o comportamento  do carrasco nazista  Adolf Eichman durante o julgamento de Jerusalém. Ele acreditava firmemente que não tinha feito nada de errado (matar milhares de judeus) pois estava “apenas cumprindo ordens”. Todos esperavam que  Arendt o rotulasse de monstro, porém, ela chocou a todos ao afirmar que Eichman não era sequer antissemita, mas apenas um sujeito raso e medíocre que agia de forma irrefletida. Era alguém absolutamente normal. 

Nascia assim o famoso conceito de “mal banal“, onde Arendt nos mostra como são possíveis as grandes tragédias de nosso tempo graças à massa de pessoas que vivem sem pensar, conformando-se com a violência e a injustiça, como se fossem coisas normais.

 O mal de nosso tempo, então, repousa naqueles que não se espantam com mais nada.



Editor do netmundi.org








Lola


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