Platão e/ou Prozac?
Eu acredito que a filosofia teve sobre
mim um efeito harmonizador. Ao tentar conciliar a minha prática de vida em
relação àquilo que eu acredito ser filosoficamente verdadeiro, experimentei, no
início, uma sensação de desorientação que, porém, transformou-se em uma busca
de unidade entre quem sou e o que eu penso. Funcionou para mim, ajudou-me a dar
alguma coerência nas minhas ações e pensamentos e me fez corrigir a rota em
direção a mim mesmo em algumas situações em que eu me achava confuso. Contudo, não sei
se conseguiria transformar isto em um método que pudesse ajudar outros.
Este texto é
uma ótima resenha crítica sobre o livro "Mais Platão, Menos Prozac"
do filósofo americano Lou Marinoff, um dos maiores nomes e difusores da
corrente chamada de Filosofia Clínica.
Não
tenho opinião formada sobre isso, mas o modo como Marinoff trata a questão não
me parece a mais adequada, e a resenha segue na mesma linha.
"O
autor procura mostrar [...] como ele e os seus colegas têm ajudado os que
recorrem ao aconselhamento filosófico. Descreve inúmeros casos concretos de
clientes com diversos tipos de problemas pessoais: problemas de realização
profissional, conflitos familiares ou crises de meia idade. Encontramos mesmo
três capítulos inteiros dedicados a problemas na vida amorosa. O objectivo é
ficarmos convencidos de que a receita PEACE filosoficamente condimentada produz
resultados maravilhosos, mas o que se aprende de filosofia pelo caminho é
muitas vezes pior que nada."
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Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
O livro até nem começa mal.
Nos primeiros capítulos encontramos uma crítica perspicaz e bem humorada ao
recurso abusivo às terapias oferecidas por psiquiatras e psicólogos. Lou
Marinoff denuncia, entre outras coisas, a tendência dos especialistas para
postular desenfreadamente cada vez mais doenças mentais. A este respeito
ironiza: “Sente-se infeliz sem saber porquê? Pois, é a síndroma depressiva
imediata, vejo isso todos os dias. Gosta de percutir a mesa com as pontas dos
dedos? Sofre da síndroma da percussão digital.” Marinoff sugere que em muitas
situações, em vez de encararmos os nossos problemas como sintomas de uma doença
mental oculta, o melhor a fazer é enfrentá-los usando disciplinadamente o
raciocínio. Daí o título do livro, pois é suposto a filosofia ajudar-nos a
raciocinar melhor.
A
ideia de que o pensamento filosófico pode de algum modo contribuir para
resolver problemas pessoais cria uma certa expectativa no leitor. É uma ideia
razoável, que Marinoff explora quase exclusivamente fazendo uma defesa do
“aconselhamento filosófico”. O seu livro, aliás, consiste sobretudo num elogio
e elucidação desta actividade profissional, que ele próprio exerce. “Como
especialista em aconselhamento filosófico”, esclarece Marinoff, “sou um
defensor dos interesses dos meus clientes. A minha função é ajudá-los a
compreender o tipo de problemas que têm de enfrentar e, através do diálogo,
desatar os nós e pôr ordem nos componentes e nas implicações desses mesmos
problemas”. Fica ainda a promessa de o leitor aprender com este livro a fazer o
mesmo em relação a si próprio.
A
partir do terceiro capítulo as expectativas criadas dão lugar à desilusão.
Apercebemo-nos do verdadeiro nível do livro logo que Marinoff explica o seu
método de aconselhamento, o método PEACE, que se desenvolve em cinco fases, uma
para cada letra: identificar o “problema”, examinar as “emoções”, “analisar” as
opções, “contemplar” a situação e atingir o “equilíbrio”. Este método não é
propriamente uma grande descoberta, mas nas mãos de Marinoff torna-se uma
espécie de algoritmo milagroso capaz de curar todas as dores de alma.
O
autor procura mostrar — e dedica a isso a maior parte do livro — como ele e os
seus colegas têm ajudado os que recorrem ao aconselhamento filosófico. Descreve
inúmeros casos concretos de clientes com diversos tipos de problemas pessoais:
problemas de realização profissional, conflitos familiares ou crises de meia
idade. Encontramos mesmo três capítulos inteiros dedicados a problemas na vida
amorosa. O objectivo é ficarmos convencidos de que a receita PEACE
filosoficamente condimentada produz resultados maravilhosos, mas o que se
aprende de filosofia pelo caminho é muitas vezes pior que nada.
Quando
não está a descrever problemas de clientes, Marinoff lança-se em divagações
superficiais marcadas por uma profusão selvagem de citações e referências a
filósofos e textos religiosos. Numa única página, a 118, chegamos a encontrar
referências a Hegel, Buber, Kant, Maquiavel, Russel (sim, só com um “l”) e
Hobbes, mas não encontramos um único pensamento acima da trivialidade. Noutra
passagem — só para indicar mais um entre dezenas de exemplos possíveis —,
depois de mencionar as tradições hindu e budista e de citar S. Paulo, Marinoff
conclui: “A mensagem a reter é que tudo o que pensamos, dizemos e fazemos tem
consequências.” Quem diria?
Além
disso, é frequente as citações surgirem a completo despropósito. Veja-se, por
exemplo, como Marinoff introduz o inevitável “cogito” cartesiano: “Descartes
esqueceu-se de qualquer coisa quando concluiu: “Eu penso, logo existo.” Omitiu
os aspectos sociais da existência humana: “Os outros pensam em mim, logo eu
existo.” Quando alguém morre, perdemos essa parte de nós mesmos, além de
perdermos a pessoa que morreu. A ausência dessa pessoa faz-nos sentir mais
pobres.” Quem está minimamente familiarizado com a epistemologia cartesiana,
sabe que não há qualquer relação entre o “cogito” e os comentários tolos de
Marinoff sobre a morte.
A
incompetência filosófica do autor torna-se nítida em muitas ocasiões. O
capítulo dedicado à ética proporciona algumas das melhores atrocidades.
Marinoff apresenta a metaética como “a comparação de sistemas concorrentes de
ética”, quando qualquer pessoa que tenha lido uma introdução razoável à
filosofia moral sabe que esse tipo de comparação compete à chamada “ética
normativa”. E, entre outras coisas, Marinoff mostra desconhecer o que
caracteriza uma ética deontológica e o que é ser relativista moral. Enfim,
escapam-lhe as noções mais elementares da filosofia moral.
Dado
o péssimo serviço que Marinoff presta à filosofia e à sua divulgação, este
livro acaba por se transformar numa defesa indirecta do Prozac.
Felizmente,
existem livros excelentes e acessíveis que mostram como a filosofia nos permite
pensar melhor sobre a nossa própria vida.
Pedro
Galvão
Mais Platão, Menos Prozac!
Tradução de Saul Barata
Lola
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