sábado, 19 de novembro de 2016

Filosofia como revolta

A filosofia como revolta

Platão e Aristóteles já nos alertaram que a filosofia nasce do espanto, do vislumbramento, da admiração, que é o que este texto chama de revolta. Uma mente genuinamente filosófica, que sente e pensa sobre mundo e as coisas, não pode ser produto de uma existência pacifica, adestrada, que não se revolta.


       A filosofia é em sua essência revolta, uma vez que ela é pensamento crítico e radical sobre a realidade. Seu objetivo é desfazer os nós dos problemas. A filosofia procura tornar claro aquilo que é obscuro.  Ela é um discurso reflexivo sobre a realidade, e sobre toda forma de crença e misticismo. Ela busca a clareza para lançar luz sobre a penumbra. Por este motivo, não há filosofia sem revolta. A revolta surge quando tudo se torna claro, quando por um ato de intuição nós chegamos à verdade. Quando nos damos conta da mentira e da ilusão nos revoltamos. É a clareza da verdade que nos perturba. 
Os gregos entendiam a verdade como “Alethéia”, ou seja, como aquilo que se desvela, aquilo que se descobre. Não há revolta sem esclarecimento, não há revolta sem verdade. O objetivo da filosofia, portanto, é levar os indivíduos à revolta, à verdade.  A revolta nos torna humanos, nos liberta da experiência alienante em que vivemos. “E conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará” (João 8:32).  
A revolta nos faz pensar sobre nossas circunstâncias. Ortega Y Gasset já dizia que o homem rende o máximo de sua capacidade quando adquire consciência de suas circunstâncias. É por meio das circunstâncias que o homem se comunica com o universo. Foi isso que fizeram os gregos quando começaram a filosofar.   
Quando os pré-socráticos deram a primeira demonstração lógica e materialista para os fenômenos da natureza, isso significou o primeiro ato de revolta na história do pensamento. Eles deram uma explicação racional e sistemática do universo, se revoltaram contra suas circunstancias, contra as ilusões e os preceitos de sua época. Foi a partir daí que o mundo começou a ser desencantado. 
Quando Sócrates aceitou passivamente sua condenação à morte, por ter colocado idéias subversivas na cabeça dos jovens, isso foi um grande ato de coragem e de grande revolta, uma vez que mostrava aos seus acusadores que eles  não estavam seguindo a ordem justa da pólis (cidade).  
Quando Giordano Bruno aceitou passivamente ser queimado vivo por conceber um mundo infinito, isso também foi um grande ato de coragem e de grande revolta, uma vez que mostrou aos algozes de sua época que num universo infinito o homem não é um ser privilegiado na ordem do mundo.
       Quando pensamos a filosofia como um ato de revolta,  lembramos-nos de imediato de um texto de Deleuze, em “Nietzsche e a Filosofia”. Segundo Deleuze, “quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. 
A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. Existe alguma disciplina, além da filosofia, que se proponha a criticar todas as mistificações, quaisquer que sejam sua fonte e seu objetivo? Denunciar todas as ficções sem as quais as forças reativas não prevaleceriam. Denunciar, na mistificação, essa mistura de baixeza e tolice que forma tão bem a espantosa cumplicidade das vítimas e dos algozes. Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres, isto é, homens que não confundam os fins da cultura com o proveito do Estado, da moral, da religião. Vencer o negativo e seus altos prestígios. Quem tem interesse em tudo isso a não ser a filosofia? 
A filosofia como crítica mostra-nos o mais positivo de si mesma: obra de desmistificação. (…) A tolice e a bizarria, por maiores que sejam, seriam ainda maiores se não subsistisse um pouco de filosofia para impedi-las, em cada época, de ir tão longe quanto desejariam, para proibi-las, mesmo que seja por ouvir dizer, de serem tão tolas e tão baixas quanto cada uma delas desejaria. ( Deleuze, 1976, p. 87).  
A filosofia como pensamento reflexivo é, portanto, libertadora.  Ela não se submete a nenhuma forma de poder, seja religioso, político ou ideológico. A razão é a faculdade que julga, analisa, discerne e compara, nesse sentido, sua característica fundamental é o livre pensar. É somente através da reflexão que o homem pode sair de sua “menoridade”, alcançando autonomia e liberdade para guiar sua vida.
 É somente através da reflexão que a humanidade poderá um dia reivindicar um mundo mais justo e feliz.
 Bibliografia
 Deleuze, Gilles. Nietzsche e a filosofia, Ed. Rio, Rio de Janeiro, 1976.
Ortega Y Gasset, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967.
PUBLICADO EM 10/04/2013
in Filosofonet
Por Michel Aires de souza


Lola 

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