Tales de Mileto
Tales de Mileto e a maldição do Um
Quanto Tales diz “Tudo é água”, o homem
estremece e se ergue do tatear e rastejar vermiformes das ciências isoladas,
pressente a solução última das coisas e vence, com esse pressentimento, o
acanhamento dos graus inferiores do conhecimento
A
Ásia Menor foi berço de Tales, natural de Mileto, cidade de um local que hoje
chama-se Turquia, mas que era denominado Jônia no período de atividade do
filósofo, por volta de 585 a.C.. Tales teve a indecência de iniciar a filosofia
através de suas reflexões sobre o mundo: já se percebe uma tentativa de fugir
das explicações mitológicas e estabelecer linhas de raciocínio para a
explicação dos fenômenos que pudessem articular elementos da vida cotidiana.
Se
é chamado de filósofo pelo Ocidente, isso acontece devido ao campo restrito da
filosofia: tornada uma especialidade do saber, a filosofia se separou da
matemática, da física, da química, assim como essas se separaram de si.
Entretanto, Tales é chamado de físico pelos estudiosos da Filosofia Antiga,
afinal, o seu objeto de reflexão eram as coisas da natureza como um todo.
Para entender Tales, é preciso saber que não há
escritos seus preparados para leitura, precisamos nos debruçar sobre outros
autores que lhe descreveram ou que o criticaram. Aristóteles, por exemplo,
entende que o jônico foi um dos primeiro filósofos e considerava “como os
únicos princípios de todas as coisas o que são da natureza da matéria”[1]. Há,
em sua filosofia, a parecer de quê um só elemento (stokheion) é o
princípio dos seres. Sendo assim, as coisas não se criam e não se destroem,
elas sempre se transformam, já que a natureza fundamental ainda persiste.
A opinião dos físicos difere em relação à quantidade
de elementos fundamentais ou sobre quais são eles. Para Tales, só há um e é a
água, “levado sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as
coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede e dele
vive (ora, aquilo de que as coisas vêm é, para todos, o seu princípio)”[2]. Em
Da Alma[3], o estagirita afirma que está em Tales a afirmação de que os deuses
estão em todas as coisas, pois, em Tales, a alma estaria mistura com o todo.
Nota-se
que a importância de Tales é a apreensão da unidade. Pela primeira vez na
história registrada, o Um aparece como uma questão a ser resolvida, uma solução
a ser encontrada. É necessário descobrir a unidade das coisas e, portanto,
entender qual é o mínimo irredutível. Segundo Hegel, essa afirmação é
fundamentalmente filosófico porque é através dela que se chega à consciência
“de que o um é essência, o verdadeiro, o único que é em si e para si”[4].
Desta
forma, a existência singular (ou seja, tudo aquilo que não é a essência, mas
objetos singulares, como um chapéu, uma mesa, uma pedra, um minério ou uma
nuvem) não possuem autonomia em seu ser. São acidentes. O problema, percebe
Hegel, está na água também ser uma coisa singular.
“Vê-se
certamente que a água é um elemento, um momento no todo em geral, uma força
física universal; mas outra coisa é que a água seja uma existência singular
como todas as outras coisas naturais. Temos esta consciência – a necessidade da
unidade nos impele para isso – de reconhecer algo universal para as coisas
singulares; mas a água também é uma coisa singular. Aqui está a falha; aquilo
que deve ser verdadeiro princípio não precisa ser uma forma unilateral e
singular, mas a diferença mesma deve ser de natureza universal. A forma deve
ser totalidade da forma; isto é a atividade e a autoconsciencia mais alta do
princípio espiritual, que a forma se tenha elevado pelo esforço para a forma
absoluta – o princípio do espiritual”[5], vai dizer Hegel.
Nietzsche
também entende que a afirmação de Tales só tem valor na medida em que se
entender que alí se encontra a proposição “tudo é um”[6]. A dificuldade em
encontrar um conceito para exprimir tal coisa, para Nietzsache, está na própria
maneira grega de ver a realidade. Para eles só haviam homens e deuses, o resto
era um disfarce, metamorfose de homens e deuses. Por isso era difícil captar o
conceito como um conceito propriamente. Diferente dos modernos, também diz
Nietzsche, os gregos personalizavam as abstração, em vez de abstraírem o que
era pessoal. Portanto, aquilo que era observado na natureza era imediatamente
explicado através dos homens, mas Tales começou a acreditar na natureza com
este primeiro passo, o de acreditar na água.
Quanto
Tales diz “Tudo é água”, o homem estremece e se ergue do tatear e rastejar
vermiformes das ciências isoladas, pressente a solução última das coisas e
vence, com esse pressentimento, o acanhamento dos graus inferiores do
conhecimento[7].
O
Um é a maldição do Ocidente, na medida em que sua busca é a história da
filosofia. Dalí pra frente, o Ocidente estava fadado a encontra o Um e a
transformar o mundo em Um. O “descobrimento” das américas não é parte disso? A
América parte do Ocidente, a América que faz parte do Um, que se asujeita ao Um
e se transforma em Um.
O
Um, para algumas sociedade indígenas, é a destruição, é o fim… Aquilo que não
deve ser possibilitado. Por isso lutam positivamente contra a existência do
Estado. A pretensa unidade é a morte da vida, é a criação da hierarquia fixa e
desumana.
Mas
Tales não sabia disso. Tales representa o pensamento que chamamos de racional,
a maneira nossa de pensar. Ele é, de alguma forma e até mesmo simbolicamente,
nosso pai fundador.
Referências
[1] Aristóteles. Metafísica I, 3. 983 b 6 (DK 11 A 12)
IN Pré-Socráticos: Os Pensadores. Abril Cutural: Rio p, 51.
[2] Aristóteles. Metafísica I, 3. 983 b 6 (DK 11 A 12)
IN Pré-Socráticos: Os Pensadores. Abril Cutural: Rio p, 52.
[3] Aristóteles. Da Alma, 5, 422 a 7 (DK 11 A 22) IN
Pré-Socráticos: Os Pensadores. Abril Cutural: Rio p, 52.
[4] Hegel, Georg W. F. Pré-Socráticos: Os Pensadores.
Abril Cutural: Rio p, 53.
[5] Hegel, Georg W. F. Pré-Socráticos: Os Pensadores.
Abril Cutural: Rio p, 54.
[6] Nietzsche, F. Pré-Socráticos: Os Pensadores. Abril
Cutural: Rio p, 57.
[7] Nietzsche, F. Pré-Socráticos: Os
Pensadores. Abril Cutural: Rio p, 59-60.
setembro, 2016
Lola
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