by José Carlos Carvalho |
Mutilação Genital
"Não há nada, no Corão, que obrigue uma mulher a ser mutilada"
Hoje comemora-se o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital
Feminina. Há 200 milhões de mulheres, no mundo, vítimas deste tipo de
mutilação. Em Portugal serão mais de 6 500 - VEJA O VÍDEO
Tirado DAQUI
O documentário "Este é o meu corpo", com o argumento de Inês
Leitão e realização da sua irmã, Daniela, conta a história e histórias de
mutilação genital feminina, pela voz de vítimas de excisão, mulheres que
conseguiram escapar à mutilação, técnicos de saúde, de políticas de asilo,
membros de organizações não governamentais, de associações de emigrantes, de
direitos humanos, violência de género, da comunidade religiosa, investigadores
e jornalistas e mais quem se tenham lembrado de entrevistar. O filme, de 50
minutos (mas que demorou dois meses a ser pensado, planeado e rodado) vai para
o ar hoje, que é o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina,
na RTP África.
Apesar de também ser praticada no sudeste-asiático e até na América Latina,
a mutilação genital feminina (MGF) é realizada sobretudo no continente
africano. De acordo com dados revelados pelas Nações Unidas, estima-se que
haja, por esse mundo fora, cerca de 200 milhões de mulheres vítimas deste tipo
de mutilação, que é causa de vários problemas de saúde (como infeções e
infertilidade) e até de morte.
Em Portugal, serão milhares as maiores de 15 anos sujeitas à MGF. O
primeiro estudo sobre prevalência da MGF em território nacional dava conta, há
um ano (quando foi publicado o estudo, financiado pela Fundação para a Ciência
e a Tecnologia e desenvolvido por uma equipa da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa), que seriam cerca de 6 576 mulheres,
residentes em Portugal, que tinham passado pela experiência. A grande maioria
(5974) pertencia à comunidade imigrante da Guiné-Bissau, seguida de longe da
comunidade da Guiné-Conacri (163), do Senegal (111) e do Egito (55).
É um fenómeno que não acontece por razões religiosas, garante (no
documentário) o Imã da Mesquita Central de Lisboa, Sheik David Munir,
recordando que o Profeta Maomé teve quatro filhas e nenhuma foi mutilada. Inês
Leitão, a argumentista, também tem dificuldade em aceitar que se trate de uma
questão cultural. "Não há cultura nenhuma que se sobreponha a um direito
inalienável que é o direito do homem e da mulher sobre o seu corpo" e se
houver uma questão cultural nisto tudo, é de cultura de "direitos
humanos" que se trata.
Inês Leitão tomou consciência do tema em 2013. Quis saber mais e dar a
conhecer esta realidade a todas as pessoas que, à sua volta, não sabiam "o
que era". Bateu a várias portas e conseguiu chegar a várias mulheres,
quebrar aquela barreira da vergonha, estabelecer a "confiança necessária
para se sentarem à nossa frente e darem a conhecer um período muito íntimo da
sua vida." O documentário mostra bem o seu sofrimento. Mas não mostra
tudo. Não mostra, por exemplo, a história de uma mulher que sente que foi (ou
vai ser) mutilada três vezes: a primeira, quando era criança; a segunda,
quando, acabada de ser mãe, teve de ir à Guiné Bissau. "Deixou bem claro
que não queria que a filha fosse excisada, mas quando voltou percebeu que o
tinham feito, contra a sua vontade." A terceira mutilação será agora,
quando tiver de contar à filha tudo o que aconteceu. A história é forte e foi a
que mais marcou Inês. Mas não estará no documentário. Um simples telefonema –
foi quanto bastou para a mulher recuar. Inês perdeu-lhe o rasto.
Para já, o documentário "Este é o meu corpo" passa na RTP África.
Em Março será levado para a Guiné Bissau, por "duas médicas que lá vão
fazer voluntariado" e se mostraram disponíveis para levar (e mostrar) o
documentário.
E POR CÁ?
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse hoje que as mulheres e
as meninas que sofrem a mutilação perdem "sua dignidade, enfrentam riscos
para a saúde e sofrem de uma dor desnecessária". De facto, o caso é sério
e está a ser combatido a nível mundial. Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, a fasquia é a de erradicar a mutilação genital feminina até esse
ano.
E o que se faz por cá? A comemoração do Dia Internacional da Tolerância
Zero à Mutilação Genital Feminina começou ontem, com a Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género, na presença do ministro-adjunto do
primeiro-ministro, Eduardo Cabrita, e da secretária de Estado para a Cidadania
e a Igualdade, Catarina Marcelino, a entregar os prémios "Contra a MGF –
Mudar aGora o Futuro".
Com este prémio, foram distinguidas três associações vocacionadas para a
promoção dos direitos e interesses de imigrantes e que têm contribuído para a
erradicação da mutilação genital feminina. O primeiro prémio foi para o
"Fator M-Ativismo pelo Fim da MGF", promovido pela Associação dos
Filhos e Amigos de Farim, com um projeto de "capacitação de 12 raparigas e
mulheres maioritariamente oriundas ou com ascendência da Guiné-Bissau,
residentes no concelho de Sintra [onde reside o número mais significativo de
mulheres que terão sido submetidas à MGF], para, na qualidade de ativistas pelo
fim da MGF, serem agentes de mudança". O segundo prémio foi para o projeto
"Pelo Fim da Excisão. Faço (p)arte", promovido pela Associação
Mulheres Sem Fronteiras, que pretende "envolver a sociedade civil, a
academia e o universo artístico, na criação de um movimento global que possa
contribuir para a eliminação da MGF em Portugal e no mundo", através da
formação, de uma conferência internacional e um concurso artístico. O terceiro
prémio foi entregue à "Em Rede Contra a Mutilação Genital Feminina
II", promovido pelo Movimento Musqueba, que propõe "dinamizar uma
plataforma de promoção e valorização da mulher guineense pela via da educação e
formação pelo fim da MGF/CGF, no município de Odivelas"
O prémio "Contra a MGF – Mudar aGora o Futuro" vai na sua
terceira edição e enquadra-se no Programa de Ação para a Prevenção e Eliminação
da Mutilação Genital Feminina (e este, por sua vez, está integrado no V Plano
Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género).
in Revista visao
6.02.2017 às 19h09
Jornalista
Lola
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