O que o dinheiro não compra
Para Michael Sandel,
a lógica da compra e da venda tem governado cada vez mais questões da
sociedade. Isso estaria ocorrendo por medo de nos confrontarmos uns com os
outros e de expormos nossos valores. É por nosso silêncio que o mercado
escolheria por nós.
Desse modo, defende o filósofo político
norte-americano, para decidir em que circunstâncias o mercado faz sentido e
quais aquelas em que deveria ser mantido distante, temos de decidir que valor
atribuir aos bens em questão - saúde, educação, vida familiar, natureza, arte,
deveres cívicos e assim por diante.
Que
papel os mercados devem desempenhar na vida pública e nas relações
pessoais?Queremos uma economia de mercado ou uma sociedade de mercado? Como
decidir que bens podem ser postos à venda e quais devem ser governados por
outros valores que não os de mercado? Onde não pode prevalecer a lei do
dinheiro?
São
questões também de ordem moral e política, e não apenas económicas apresentadas
na obra O que o dinheiro não compra (Civilização Brasileira,
2012). São perguntas que envolvem visões polêmicas da sociedade ideal e da vida
ideal sem respostas ou verdades definitivas. De qualquer forma, encontrar a
grande resposta não é o intuito de Sandel, mas sim provocar um debate público e
estabelecer um contexto filosófico para sua análise. Leia abaixo o artigo do
filósofo e não deixe de assistir aos vídeos complementares:
Michael Sandel:
o que o dinheiro não pode comprar
Vivemos em um tempo em que quase tudo
pode ser comprado e vendido. Nas últimas três décadas, mercado – e os valores
do mercado – passaram a governar nossas vidas como nunca antes.
Não
chegamos a esta condição por meio de uma decisão deliberada. É quase como se
isso tivesse acontecido conosco.
Quando a Guerra Fria acabou, mercados e
pensamento mercadológico aproveitavam um prestígio sem paralelos,
compreensivelmente. Nenhum outro mecanismo para a organização da produção e a
distribuição de bens se provou tão bem-sucedido na geração de riquezas e
prosperidade. Conforme os crescentes números de países pelo mundo abraçavam os
mecanismos do mercado para operarem suas economias, algo além estava
acontecendo. Os valores do mercado passavam a ter, mais e mais, um papel na
vida social.
Hoje, a lógica da compra e venda não se
aplica somente aos bens materiais, mas cada vez mais governa nossas vidas
inteiramente. Passamos da economia de mercado para a sociedade de mercado.
E enquanto economistas geralmente
assumem que os mercados são passivos, que eles não afetam os bens que
comercializam, isso é mentira. Mercados deixam sua marca. Às vezes, valores de
mercado desencorajam valores que não pertencem às normas do mercado.
Claro, pessoas discordam sobre as normas
apropriadas para muitos dos campos que os mercados invadiram – vida familiar,
amizade, sexo, procriação, saúde, educação, natureza, arte, cidadania, esportes
e a maneira com que nós resistimos à morte. Mas, este é o ponto: uma vez que
nós vemos que os mercados e o comércio mudam o caráter dos bens que tocam,
devemos nos perguntar onde os mercados pertencem e onde não pertencem. E não
podemos responder esta pergunta sem refletirmos sobre o significado e o
propósito dos bens e os valores que deveriam governá-los.
Tais reflexões tocam, inescapavelmente,
em desafiadoras concepções sobre a boa vida. Este é um terreno que, algumas
vezes, tememos pisar.
Por medo da discordância, hesitamos em
tornar públicos nossos valores morais e convicções espirituais. Mas, abdicar
destas questões não as deixa sem resposta. Simplesmente, significa que os
mercados decidirão por nós.
Esta é a lição das últimas três décadas.
A era do triunfo dos mercados coincidiu com um tempo em que o discurso público
tem sido amplamente esvaziado de substância moral e espiritual. Nossa única
esperança em mantermos os mercados em seu lugar é refletirmos abertamente sobre
o significado dos bens e das práticas sociais que prezamos.
Ao debate sobre o significado deste ou
daquele bem, precisamos somar uma questão maior, sobre o tipo de sociedade em
que queremos viver. Enquanto direitos de nome e políticas de marketing
municipal se apropriam dos recursos comuns, eles têm sua natureza pública
diminuída. Além do dano que isso causa a determinadas mercadorias, o
comercialismo corrói a comunalidade.
Quanto mais coisas o dinheiro pode
comprar, menos são as ocasiões em que pessoas de diferentes lugares se
encontram. Vemos isso quando vamos a um jogo de baseball e olhamos acima, para
os camarotes, ou olhamos para baixo, quando estamos neles, se for o caso. O
desaparecimento das experiências que misturam as classes, antes vividas nos
estádios, representam uma perda não apenas para aqueles que estão olhando de
cima, mas também para os que olham para baixo.
Algo similar tem acontecido em toda
sociedade. Em um tempo de desigualdade crescente, a mercantilização de tudo
significa que pessoas com riquezas e pessoas com meios modestos levam vidas
cada vez mais separadas.
Você pode chamar isso de camarotização
da vida americana. Não é bom para a democracia, tampouco é uma maneira
satisfatória de viver.
A democracia não requer igualdade
perfeita, mas requer que os cidadãos compartilhem uma vida comum. O que importa
é que pessoas de diferentes contextos e posições sociais se encontrem e se
choquem umas contra as outras no curso da vida cotidiana, pois é assim que
aprendemos a negociar e tolerar nossas diferenças, é como aprendemos a nos
importar com o bem comum.
veja
abaixo algumas fotos da conferência com o filósofo para o Fronteiras do
Pensamento Porto Alegre e São Paulo,
em 2014.
por
Michael Sandel
In Fronteiras do Pensamento
Lola
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