Gilles Lipovetsky:‘as pessoas sonham
com uma existência mais leve’
Universo da necessidade e universo fútil
se entrelaçam, se cruzam, se hibridam: a lógica da leveza não é mais o 'outro'
da realidade econômica; ela é seu coração."
- Gilles Lipovetsky, Da leveza - rumo a uma civilização sem peso (Ed. Amarilys, 2016)
- Gilles Lipovetsky, Da leveza - rumo a uma civilização sem peso (Ed. Amarilys, 2016)
Considerado um dos principais e mais originais pensadores sobre a sociedade de
hoje, Lipovetsky é um teórico da hipermodernidade cujas ideias refletem mais
sobre a alimentação, a moda, a tecnologia, as dietas e o lazer do que as
macroestruturas econômicas, políticas ou sociais.
Este amplo e "inusitado" campo
de pesquisa (ao menos para um filósofo com tamanho respeito do mundo acadêmico),
resultou em outra obra inovadora, que apresenta as transformações do mundo nos
mais diversos aspectos como um caminho em direção à civilização da
leveza.
Na análise de Lipovetsky, o leve invadiu
nossa rotina e transformou nosso imaginário, tornando-se um valor e um ideal.
Na sociedade pós-moderna, o mundo virtual, os dispositivos móveis, os
nanomateriais estão mudando nosso cotidiano. Por todos os lados, a ordem é
conectar, miniaturizar, desmaterializar.
Na contramão dessa tendência, contudo, ele defende que a vida parece cada vez
mais pesada e difícil de suportar; ironicamente, diz ele, seria essa leveza que
alimenta a sensação de peso. Os imperativos de uma vida mais leve – dietas,
desintoxicações, desaceleração, alívio do estresse, meditação e outras práticas
– vêm acompanhados por demandas exigentes.
Às utopias do desejo, sucederam as
expectativas de leveza do corpo e do espírito, de uma vida cotidiana menos
estressante, de um presente menos pesado de carregar: viver melhor não
se separa mais da leveza de ser.
Em entrevista, Lipovetsky fala mais sobre a obra.
No seu livro, o senhor avalia que a
busca pela leveza se tornou uma pesada obsessão. Esse é um círculo vicioso?
Todo o universo da leveza é, para as
pessoas, cada vez menos leve. Por isso eu falo em civilização do leve, que tem
só uma aparência de leveza. Nas nossas democracias, vemos a multiplicação dos
pós-materialismos, como o budismo, o zen, a meditação. Tudo para nos ajudar a
respirar um pouco.
Pagamos o preço do individualismo, do estresse, da
ansiedade. Ao mesmo tempo, as pessoas veem vídeos, ouvem música, saem de
férias, viajam. É um paradoxo.
Eu acredito que nós estamos vivendo uma nova cultura
democrática. Eu pertenço à geração da década de 1960 que tinha uma retórica
revolucionária, que não era leve. Não é mais esse o espírito do tempo.
As pessoas não sonham mais com revolução, elas sonham
com uma existência mais leve, mais equilibrada, menos conflituosa. Isso é
infinitamente mais difícil porque se trata da busca eterna pela felicidade. E a
solução para a felicidade nós não temos.
A obsessão pela leveza é um
desdobramento do hiperconsumismo e do hiperindividualismo, que o senhor já
abordou em livros anteriores?
A obsessão pela leveza é uma
manifestação desses fenômenos, mas traz uma dimensão nova. Nós vivemos em um
mundo tecnologicamente leve.
Nos últimos 50 anos, desenvolvemos uma série de
técnicas que fizeram com que a leveza não fosse mais um sonho. Hoje, você tem a
possibilidade de viajar o mundo inteiro em um celular que cabe no bolso, muito
mais potente do que os primeiros computadores que pesavam uma tonelada. É
inacreditável!
A civilização do leve conjuga três lógicas: a
tecnocientífica, a capitalista e a individualista. E estamos apenas no início.
O poder hoje está em dominar os menores elementos: a inteligência artificial, a
engenharia genética, isso é o ultraleve. Antes, o poder era pesado. Castelos,
ouro, canhões. Hoje, as maiores potências vendem bytes.
A civilização do leve valoriza o prazer, o consumo, o
lazer e o entretenimento. Precisamos dessa leveza, mas ela precisa ter limites.
É preciso dar às pessoas ferramentas para que elas construam uma leveza rica,
não uma leveza pobre. Passar três horas no shopping é leve, mas é pobre. Uma
hora, a leveza vira vazio.
É possível estabelecer uma relação entre
a civilização do leve e o que você chama de “capitalismo artista"?
O capitalismo industrial tem na produção
o seu motor. Nessa época, a produção é separada de outras manifestações, como a
arte e a moda. A fábrica é a fábrica, a arte é a arte. Cada universo é bem
separado.
A partir dos anos 1950, o consumo passa a ser o elemento
mais dinâmico. Assistimos, então, à hibridação desses universos antes
separados, o que dá uma leveza ao que antes era pesado. Produção e criatividade
se misturam, criando o que chamo de capitalismo artista. A Apple é o exemplo
perfeito desse capitalismo. É a hibridação entre o produto utilitário e o
produto criativo.
In Globo
Lola
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