quinta-feira, 6 de julho de 2017

Ensaio Filosófico - Exemplo



Ensaio Filosófico


Deve um Estado laico conceder privilégios em função das crenças religiosas da população?


Apresentação

Na recente visita do Papa Francisco a Portugal, ocorrida aquando das comemorações do centenário das aparições aos pastorinhos de Fátima, o governo Português concedeu tolerância de ponto aos funcionários públicos. Esta decisão despoletou uma ampla discussão na opinião pública e na comunicação social sobre a legitimidade dessa decisão, bem como um sentimento de discriminação positiva para uma parte da população portuguesa, em detrimento de outra.
Numa abordagem rápida sobre esta decisão, levantaram-se facilmente várias questões, tais como:
Será que todos os funcionários públicos professam a religião católica? 
E os católicos que não trabalham para o Estado, não deverão ter os mesmos direitos? Deverá um Estado laico tomar posições favoráveis a uma determinada religião em detrimento de outras? 
Deve acontecer apenas com a religião predominante ou generalizar a decisão mediante acontecimentos semelhantes associados a outras religiões minoritárias?

Tendo em consideração a decisão do governo português, neste ensaio pretendemos demonstrar que um Estado laico não deve conceder regalias para uma determinada religião, mesmo que esta seja largamente dominante. Esta posição torna-se tanto mais importante, sabendo que pode contribuir para que se evitem decisões futuras semelhantes, que são associadas a uma evidente discriminação de uma parte da população. Para isso, depois de clarificar o conceito de Estado laico, abordaremos a questão na perspetiva utilitarista de Stuart Mill, na deontologia de Emmanuel Kant e no princípio da justiça de John Rawls. Por fim, pretendemos demonstrar que a medida adotada pelo governo português contrariou os princípios de um Estado laico e favoreceu uma minoria dos portugueses.

Desenvolvimento - O Estado laico

Um Estado laico é um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso, tendo como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião. Defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos e não permite a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e culturais.
Um país laico é aquele que segue o caminho do laicismo, uma doutrina que defende que a religião não deve ter influência nos assuntos do Estado. Por isso, o laicismo é responsável pela separação entre a Igreja e o Estado. Apesar destes pressupostos, muitos países, independentemente de possuírem um Estado laico, em algumas ocasiões não têm uma posição neutra no campo religioso.
Nos países não laicos, muitas vezes, a religião exerce o seu controle político na definição das ações governativas, havendo mesmo países teocráticos, como o Vaticano, o Irão e Israel, onde o sistema governamental está subjugado a uma religião oficial.

Declarações do primeiro-ministro português

Declarações do primeiro-ministro português, António Costa, à comunicação social no dia 13 de maio de 2017, ao sair das instalações onde pernoitou o Papa Francisco, em Fátima.
“A visão que tenho de um estado laico é um estado que, obviamente, é independente na sua autodeterminação, mas que não pode nem deve ignorar os sentimentos religiosos e que a religião é um fenómeno social e propriamente em Portugal há claramente uma predominância de uma mudança. Temos que viver com respeito. É respeitando-nos uns aos outros que fortalecemos a nossa democracia e a nossa liberdade e acho que em toda a nossa História, sempre que alguém não respeitou as crenças e a liberdade de crenças dos outros, as coisas não correram bem”.
(…)
“Uma das grandes lições do nosso regime democrático foi de ter sido capaz de reconciliar todos os portugueses, independentemente das suas crenças, no respeito mútuo. Não é o facto de muitos portugueses, creio que a maioria, professarem a fé católica, que o Estado tem estado limitado na forma como legisla, como tem modernizado os valores da vida em sociedade, tal como do mesmo modo que não seria aceitável que o Estado não só limitasse como não respeitasse profundamente a forma como a maioria dos portugueses vivem a sua religiosidade e acho que é um sinal de respeito e foi nessa forma que participei ontem e participarei hoje nas cerimónias.”

In, Jornal da Tarde, TVI (13 maio 2017)

Fundamentação

Se tomarmos como ponto de partida as declarações do primeiro-ministro português, facilmente se constata a contradição em que cai, ao tentar conciliar duas teorias filosóficas concorrentes, o consequencialismo e o deontologismo. Se por um lado, numa perspetiva utilitarista, defende que o estado não deve ignorar os sentimentos religiosos da maioria da população, argumenta no sentido da independência do Estado na sua capacidade legislativa.
Na perspetiva deontológica de Immanuel Kant esta decisão não está de acordo com as regras morais absolutas, uma vez que viola as normas legais de um estado laico, não podendo, por isso, ser considerada uma boa ação. Nesta vertente, um Estado laico não deve tomar nenhuma decisão que privilegie alguma religião, devendo sempre ter uma posição neutra, sob pena desencadear uma ação que viola as regras morais.
Pelas palavras de António Costa percebemos que a sua opinião está associada a uma perspetiva utilitarista defendida por Stuart Mill, que sustenta a felicidade para o maior número de pessoas. É evidente que na perspetiva utilitarista, como esta decisão maximiza a felicidade de um grande número de pessoas, não importando se é distribuída de maneira igual ou desigual, terá sido a melhor opção. Deste modo, o Estado laico pode tomar decisões que privilegie a religião predominante num país, no caso de Portugal, a religião católica, uma vez que defende a felicidade para o maior número de pessoas. Mas esta decisão terá sido suficiente para tornar a sociedade justa?
Na realidade, como o utilitarismo não considera a igualdade como um fim, mas apenas como meio, se tivermos em consideração que a maioria dos católicos não trabalham para o Estado, esta decisão, na sua essência, acabou por favorecer uma minoria, despoletando um sentimento de injustiça e de mal-estar na grande maioria da população portuguesa, católica e não católica. Ora, se a decisão tomada pelo governo português não produziu felicidade na maioria da população, teria sido mais correto abdicar da decisão tomada. Por esta razão, consideramos que a decisão também acaba por contrariar a perspetiva utilitarista.

Constituindo, em grande parte, uma reação ao utilitarismo clássico, a teoria de Rawls visa criar um modelo teórico de sociedade equitativamente justa, regulada por princípios de justiça. Este modelo supõe a existência de uma sociedade fundada numa ideia de justiça distributiva e de oportunidades iguais para os cidadãos. O Estado deve distribuir de uma forma equitativa um conjunto de bens primários pelos cidadãos: direitos e deveres, liberdades, encargos e benefícios, oportunidades e poderes, rendimentos e riqueza. Os bens primários devem ser distribuídos de maneira igual, a menos que uma distribuição desigual de alguns ou de todos estes bens beneficie os menos favorecidos. Na teoria de justiça de Rawls, a dificuldade consiste justamente na conceção de uma distribuição justa destes bens, sem gerar conflitos. Como devemos distribuir os bens primários? De acordo com o estatuto social; as leis do mercado; os talentos de cada indivíduo ou a felicidade do maior número de pessoas?
Para Rawls, tratar as pessoas como iguais não implica remover todas as desigualdades, mas apenas aquelas que trazem desvantagens para alguém. Por isso, para além de defender o “princípio da liberdade igual”, em que deve ser assegurada a máxima liberdade para cada pessoa, compatível com uma liberdade igual para todos os outros, Rawls defende também o “princípio da diferença”, em que a distribuição igual da riqueza deve ser promovida, exceto se a existência de desigualdades económicas e sociais gerar o maior benefício para os menos favorecidos. Por exemplo, se dar mais dinheiro a uma pessoa carenciada do que a outra não necessitada, promove mais os interesses de ambas do que simplesmente dar-lhes a mesma quantidade de dinheiro. Deste modo, uma consideração igualitária dos interesses não proíbe essa desigualdade. Assim, uma desigualdade de liberdade, oportunidades ou rendimento será permitida se beneficiar os menos favorecidos. Abordando a posição do governo português na perspetiva da teoria da justiça de Rawls, a decisão de atribuir tolerância de ponto aos trabalhadores do Estado, não promove a igualdade entre os portugueses. Mesmo que façamos um exercício simples na tentativa de considerar os funcionários do Estado como desfavorecidos relativamente aos restantes portugueses, não nos parece de todo legítimo que isso seja verdade, pois na opinião pública, existe uma ideia generalizada de que os trabalhadores do Estado são uma classe favorecida. Não defendendo esta ideia, também não podemos considerar que os trabalhadores do Estado sejam uma classe desfavorecida. Assim, consideramos que a decisão tomada pelo estado português também não deve ser sustentada na teoria da justiça de Rawls, pois não nos parece que esta decisão tenha por objetivo maximizar os mínimos.


Conclusão

Após a análise contextualizada da decisão de atribuir tolerância de ponto aos trabalhadores do Estado, com base em pressupostos religiosos, consideramos que esta não se enquadra na conceção utilitarista de Mill, na perspetiva contratualista de Rawls nem na deontologia de Kant. Como tal, consideramos que um Estado laico, não deve tomar decisões que favoreçam uma parte da população, com base em fundamentos religiosos.



Referências Bibliográficas

Alves, Fátima; Arêdes, José; Bastos, Patrícia. 2013. Pensar. Filosofia 10ºano. Texto Editores
Paiva, Maria; Borges, José. 2015. Guia de Estudo. Filosofia 10º ano. Porto Editora
http://lolaeafilosofia.blogspot.pt/



Disciplina de Filosofia
Junho de 2017
Professora: Rosa Sousa
Turma: 10ºA
Autores:
Beatriz Teixeira
Bruno Soares
Carlos Sousa
Gonçalo Moreira
Gustavo Alves
Isa Alves


                                               Lola

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