Noam Chomsky e o Neoliberalismo
Noam Chomsky: O Neoliberalismo está a destruir a nossa
Democracia
Como as elites de ambos os lados do espectro político colocaram em causa os
nossos espaços comuns sociais, políticos e ambientais
Há 50 anos que Noam
Chomsky é o Sócrates da América, a nossa peste pública que morde. Ele fala não
para a praça pública de Atenas mas sim para uma vasta aldeia global em
sofrimento e agora, aparentemente, em perigo.
Esta entrevista é um
excerto de Open
Sourcewith Christopher Lydon, um programa semanal sobre arte,
ideias e política. Ouça o resto da conversa com Chomsky aqui.
O mundo atribulado de
hoje ainda vai bater à porta de Noam Chomsky, talvez apenas por ele já falar há
tanto tempo e tão claramente sobre o furacão que se aproxima. Não que o mundo
saiba o que fazer com os presságios de desastre de Noam Chomsky. Lembremos o famoso
gaguejar do aristocrático apresentador de TV William F. BuckleyJr., ao se
defrontar com a fúria gélida de Chomsky a propósito da Guerra do Vietnam, em
1969.
É algo de curioso em
Noam Chomsky : O The New York Times chama-lhe “provavelmente” o pensador
público mais importante dos nossos tempos, embora raramente o cite ou argumente
com ele, e as estrelas dos media “pop” nos canais de televisão por cabo quase
nunca o fazem. E ainda assim o homem é universalmente famoso e reverenciado aos
89 anos de idade: Ele é o cientista que nos ensinou a linguagem humana como
algo intrínseco à nossa biologia, não uma construção social; ele é o humanista
que lutou contra a guerra do Vietnam e outras projeções de poder americanas,
tendo por base princípios morais, e não considerações práticas. Ele continua a
ser uma estrela de rock em campus universitários, aqui e no estrangeiro, e
tornou-se numa espécie de Estrela do Norte para a geração “post-Occupy” que
hoje se recusa a sentir o “Bern-out”.
Continua a ser,
infelizmente, uma figura estranha aos espaços de decisão políticos. Mas na sua
base no MIT, ele é um antigo e notavelmente acessível professor que responde
aos seus e-mails e recebe visitantes como nós com grande hospitalidade.
Na semana passada,
visitamos Chomsky com uma missão em mente: nós estávamos à procura de uma
perspetiva não-ortodoxa da História recente vinda de um homem conhecido por
falar a verdade. Nós tínhamos-lhe escrito que queríamos ouvir não o que pensava
mas como. Ele tinha-nos respondido que trabalho duro e uma mente aberta tinham
muito a ver com isso, e, nas suas palavras, uma “vontade algo socrática de
questionar as doutrinas convencionais, e procurar quais os seus fundamentos.”
Christopher Lydon: Tudo o que
queremos é que nos explique onde nós estamos…
Noam Chomsky(ri-se): Isso é fácil.
CL (ri-se): Em que
tantas pessoas estavam perto de algo, algo histórico. Existe um sumário
Chomsky?
NC: Um breve sumário?
CL: Sim.
NC: Bem, um breve
sumário será pensar que na História Recente, desde a Segunda Guerra Mundial,
algo realmente extraordinário aconteceu. Primeiramente, a inteligência humana
criou dois enormes martelos capazes de pôr um fim à nossa existência – ou pelo menos
existência organizada- no final da Segunda Guerra Mundial. Um deles é familiar.
De facto, ambos são hoje familiares. A Segunda Guerra Mundial acabou com a
explosão de uma bomba nuclear. Tornou-se imediatamente obvio a 6 de Agosto de
1945, um dia de que me lembro muito bem. Tornou-se obvio que rapidamente a
tecnologia se desenvolveria a tal ponto que se chegaria a um desastre terminal.
Os cientistas certamente perceberam.
Em 1947 o Boletim
de Cientistas Atómicos inaugurava o seu famoso Relógio do Fim
dos Tempos. Sabes o quão perto o ponteiro dos minutos estava da
meia-noite? E ele começou a sete minutos da meia-noite. Em 1953 já só estava a
dois minutos da meia-noite. Foi nesse ano que tanto a União Soviética como os
Estados Unidos explodiram bombas de hidrogénio. Mas acontece que também
compreendemos agora que no final da Segunda Grande Guerra o mundo também entrou
numa nova era geológica. A esta dá-se o nome de Antropoceno, a era em que a
Humanidade tem um impacte severo, de facto até talvez desastroso sobre o meio
ambiente. O relógio moveu-se de novo em 2015, e em 2016. Imediatamente após a
eleição Trump de Janeiro deste ano, os ponteiros moveram-se para 2 minutos e
meio antes da meia-noite, o mais perto que esteve desde ’53.
Assim há duas ameaças
existenciais que nós criamos que podem, no caso da guerra nuclear,
exterminar-nos, e, nos caso da catástrofe ambiental, ter um impacte severo, e
até mais.
Uma terceira coisa
aconteceu. A partir dos anos 70, a inteligência humana dedicou-se a eliminar,
ou pelo menos enfraquecer, a principal barreira contra estas ameaças. A isto
dá-se o nome de neoliberalismo. Houve então uma transição daquilo a que algumas
pessoas chamam “capitalismo regulado”, os anos 50 e 60, o grande crescimento
económico, o crescimento igualitário, muitos progressos ao nível da justiça
social e por aí em diante…
CL: Social
democracia…
NC: Social democracia.
Sim. É algo a que se dá o nome de "a era dourada do capitalismo
moderno". Isso mudou nos anos 70 com o início da era neoliberalista em que
temos vivido desde então. E se te perguntares o que é esta era, o seu princípio
crucial é pôr em causa os mecanismos de solidariedade social e mutuo suporte e
participação popular na determinação das políticas as seguir.
Não lhe chamam isso.
Chamam-lhe "liberdade", mas "liberdade" significa a
subordinação às decisões de poderes privados, monopolistas e opacos. É isso que
significa. As instituições governamentais - ou outros tipos de
organizações que permitam a participação das pessoas nos processos de decisão -
estes são sistematicamente enfraquecidos. Margaret Thatcher expressou essa
ideia de uma forma bastante clara quando disse "Não há sociedade, apenas
indivíduos."
Desde a Segunda Guerra
Mundial, temos vindo a criar dois meios de auto destruição. Desde a era
neoliberal, temos vindo a desmantelar o método de lidar com eles.
Ela estava, na verdade,
inconscientemente sem dúvida, a parafrasear Marx que, ao condenar as repressões
em França, disse "A repressão está a tornar a sociedade num saco de
batatas, apenas indivíduos, uma massa amorfa e incapaz de agir de uma maneira
coordenada". Era uma condenação. Para Thatcher, é um ideal —e isso é
o neoliberalismo. Nós destruímos ou pelo menos colocamos em causa os mecanismos
fundamentais através dos quais nós podemos, pelo menos em princípio, participar
na medida em que a sociedade é democrática. Portanto enfraqueçam-nos, destruam
os sindicatos, outras formas de associação, deixem um saco de batatas e
entretanto transfiram as decisões para poderes privados que não prestam contas
ao público, tudo através da retórica da liberdade.
Bem, e que consequências
tem isso? A única barreira contra a ameaça da destruição é um público
participativo, informado, um público que age conjuntamente de modo a confrontar
a ameaça e a dar-lhe resposta. Ela tem sido propositada e sistematicamente
enfraquecida Quero eu dizer, provavelmente nos anos 70 falava-se disto. Havia
muita discussão entre as elites de todo o espectro político sobre os perigos de
demasiada democracia e sobre a necessidade de haver mais "moderação"
no sistema, para que as pessoas se tornassem mais passivas e apaticas e não
perturbarem demasiado a sociedade, é isto que o programa neoliberal faz. Então
junta tudo isto e o que é que tens? Um perfeito turbilhão.
CL: Aquilo em que
toda a gente nota são os títulos dos jornais, inclusive o Brexit e o
DonaldTrump e o nacionalismo Hindu e o nacionalismo em todo o lado e LePen,
todos a moverem-se ao mesmo tempo, sugerindo assim um fenómeno real.
NC: É muito claro, e
era previsível. Não se sabia precisamente quando, mas quando se impõe políticas
socioeconómicas que levam à estagnação ou ao declínio das condições de vida
para a maioria da população, se põe em causa a democracia, se remove o poder
decisório das mãos populares, gera-se fúria, descontentamento, medo sob todas
as formas. E este é o fenómeno a que erradamente se dá o nome de
"populismo".
CL: Eu não sei o
que pensa sobre PanjakMishra, mas eu gostei do seu livro Age
ofAnger, e ele começa com uma carta anónima retira de um jornal em que
alguém diz: “Nós devíamos admitir que não só nos sentimos horrificados como
também estupefactos. Nada desde o triunfo dos vândalos em Roma e no norte de
África se apresentou tão incompreensível e difícil de reverter”.
NC: Bem, isso é culpa
dos meios de comunicação sociais, pois é muito passível de compreensão, muito
óbvio e muito simples. Pensemos, digamos, nos Estados Unidos, que na realidade
têm sofrido menos com estas políticas do que muitos outros países. Pensemos no
ano de 2017, um ano crucial antes do crash.
Que economia maravilhosa
era essa que então se elogiava? Era uma em que os salários, os salários reais
dos trabalhadores Americanos, eram mais baixos do que em 1979 quando o período
neoliberal começou. Esta é uma situação sem precedentes históricos, exceto
calamidades traumáticas como guerras ou situações desse género. Este foi um
longo período em que os salários reais literalmente diminuíram, enquanto alguma
riqueza era criada, mas apenas em muito poucos bolsos. Foi também um período em
que se desenvolveram novas instituições, instituições financeiras. Se
retornarmos aos anos 50 e 60, a chamada “Época Áurea”, a banca estava ligada à
economia real. Não havia “crashes” porque haviam regulações do New
Deal.
A partir dos anos 70
houve mudanças abruptas. Primeiramente, as instituições financeiras explodiram
em escala. Em 2007 correspondiam a 40% dos lucros corporativos. E ainda, já não
estavam ligadas à economia real.
Na Europa, a democracia
foi posta em causa de uma forma muita direta. As decisões foram postas nas mãos
de uma troika não eleita; da comissão europeia, que não é eleita; do FMI, é
claro, não eleito; e do Banco Central Europeu. Eles tomam as decisões.
Portanto, as pessoas estão muito chateadas, estão a perder controlo das suas
vidas. As políticas económicas têm vindo sobretudo a prejudicá-las, e o
resultado é fúria, desilusão, etc.
Noam Chomsky: O que quis
Adam Smith realmente dizer com a expressão “A Mão Invisível”?
Nós acabamos de o ver há
duas semanas na última eleição francesa. Ambos os candidatos estavam fora do
Sistema. Os partidos politicos centristas colapsaram. Vimo-lo nas eleições
Americanas em Novembro. Houve dois candidatos que mobilizaram a base: um deles
um bilionário que odiava o sistema, o candidato Republicano que venceu a
nomeação – mas note-se que agora que chegou ao poder é o velho sistema quem
manda. Podes criticar a Goldman Sachs durante a campanha, desde que os deixes
dirigir a economia assi que chegares ao poder.
CL: Portanto, a
questão é, agora que as pessoas estão quase prontas… quando elas estão prontas
para agir, quase preparadas para reconhecer que este jogo não está a funcionar,
este sistema social, temos a capacidade enquanto espécie de agir, de passar da
estupefação à ação?
NC: Eu penso que o
future da espécie depende disso, porque, lembremo-nos, não se trata apenas de
desigualdade, estagnação. Trata-se de um desastre terminal. Construímosa
perfectstorm, uma situação perigosíssima.Isto deveria estar nas capas
dos jornais todos os dias. Desde a Segunda Guerra Mundial, criamos dois meios
de autodestruição. Desde o período neoliberal, temos vindo a desmantelar os
nossos meios de lidar com estes problemas. Isto é o que nos “belisca”. É com
isto que lidamos, e se não resolvermos estes problemas estamos acabados.
CL: Eu quero voltar
a PankajMishrae AgeofAnger por um momento-
NC: Não é “A Era da
Fúria”. É A Era do Ressentimento contra politicas socioeconómicas que têm
prejudicado a maior parte da população durante o tempo de uma geração e têm
conscientemente posto em causa a participação democrática. Porque não deveria
haver fúria?
CL: PankajMishra
dá-lhe esse nome –é um termo Nietzschiano“ressentiment”, é uma
espécie de fúria explosiva. Mas ele diz, “é a caraterística que melhor define
um mundo em que a promessa moderna de igualdade colide com disparidades
abissais em termos de poder, educação, estatuto e-”
NC: E foi projetado de
forma a ser assim, a ser assim. Voltemos aos anos 70. Transversalmente ao
espectro político, o das elites, havia preocupações sérias com o ativismo dos
anos 60. Esse período é chamado de “time oftroubles” (os tempos turbulentos).
Ele civilizou o país, o que é perigoso. O que aconteceu é que uma grande parte
da população – até então apática, passiva, obediente – tentou entrar na arena
política de uma forma ou de outra, para promover os seus interesses e
preocupações. Dá-se-lhes o nome de “interesses especiais”. Pelo que se entende
minorias, jovens, trabalhadores, mulheres. Ou seja: a população. A população
são os interesses especiais, e a ela cabe-lhe olhar calada. E isso era
explícito.
Dois documentos saíram
dos meados dos anos 70, que são bastante importantes. Eles saíram de lados
opostos do espectro político, ambos influentes, e ambos chegaram às mesmas
conclusões. Um deles, à esquerda, saiu da Comissão Trilateral –
internacionalistas liberais, três grandes países industriais, basicamente a
administração Carter, foi daí que eles saíram. Esse é o mais interessante A
Crise da Democracia, uma investigação da Comissão Tripartida. O relator
Americano Samuel Huntington de Harvard, ele olhava com nostalgia para os dias
em que, como ele dizia, Truman era capaz de governar a nação com a cooperação
de alguns executivos e advogados de Wall Street. Então tudo estava bem. A
Democracia era perfeita.
Mas, nos anos 60, todos
concordaram que a ação dos grupos de “interesses especiais” se haviam tornado
problemáticos, porque tentaram entrar no jogo político, e isso causou demasiada
pressão, com a qual o Estado não conseguia lidar.
CL: Eu lembro-me
bem desse livro.
NC: Nós temos de ter
mais moderação na democracia.
CL: Não apenas
isso, ele também virou a citação de Al Smith de pernas para o ar.Al Smith
disse: “A cura para a democracia é mais democracia.”Ele disse: “Não, a cura
para a democracia é menos democracia.”
NC: Não foi ele. Foi o
Sistema liberal. Ele era o seu porta-voz. Esta é a visão consensual entre o
sistema liberal e as três democracias industriais. Eles – no seu consenso-
concluíram que o maior problema eram “as instituições responsáveis pela
doutrinação (endoctrination) dos jovens.” As escolas, as universidades,
igrejas, não estam a fazer o seu trabalho. Não estão a doutrinar os jovens
adequadamente. Os jovens têm de voltar a ser passivos e obedientes, e então a
democracia estará bem. Esta é a esquerda.
E quanto à direita? Um
documento muito influente: O Memorando Powell, que saiu na mesma altura. Lewis
Powell, um advogado corporativo, que mais tarde veio a ser juiz do Supremo
Tribunal, ele produziu um memorando confidencial para a Câmara Americana do
Comércio, que tem sido extremamente influente. Ele praticamente deu início ao
movimento moderno a que se dá o nome de “movimento conservador”. A retórica é
algo insana. Não o analisaremos, mas a imagem essencial é de que a a esquerda
barbara está a usurpar tudo. Temos de utilizar os recursos à nossa disposição
para fazer recuar a esquerda, que agora põe em causa a liberdade e a democracia.
Ligado a isto estava
algo mais. Como resultado do ativismo dos anos 60 e da militância do trabalho,
os lucros estavam a cair. Isto era inaceitável. Por isso temos de reverter a
queda das taxas de lucro, temos de boicotar a participação democrática, e o que
resulta disso? O Neoliberalismo, que tem exatamente esses efeitos.
2 DE JUNHO, 2017
Tradução livre por Pedro Justo
Obrigado, querido aluno!
Lola
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