quinta-feira, 6 de julho de 2017

Noam Chomsky e o Neoliberalismo


Noam Chomsky e o Neoliberalismo
Noam Chomsky: O Neoliberalismo está a destruir a nossa Democracia

Como as elites de ambos os lados do espectro político colocaram em causa os nossos espaços comuns sociais, políticos e ambientais


Há 50 anos que Noam Chomsky é o Sócrates da América, a nossa peste pública que morde. Ele fala não para a praça pública de Atenas mas sim para uma vasta aldeia global em sofrimento e agora, aparentemente, em perigo.

Esta entrevista é um excerto de Open Sourcewith Christopher Lydon, um programa semanal sobre arte, ideias e política. Ouça o resto da conversa com Chomsky aqui.

O mundo atribulado de hoje ainda vai bater à porta de Noam Chomsky, talvez apenas por ele já falar há tanto tempo e tão claramente sobre o furacão que se aproxima. Não que o mundo saiba o que fazer com os presságios de desastre de Noam Chomsky. Lembremos o famoso gaguejar do aristocrático apresentador de TV William F. BuckleyJr., ao se defrontar com a fúria gélida de Chomsky a propósito da Guerra do Vietnam, em 1969.
É algo de curioso em Noam Chomsky : O The New York Times chama-lhe “provavelmente” o pensador público mais importante dos nossos tempos, embora raramente o cite ou argumente com ele, e as estrelas dos media “pop” nos canais de televisão por cabo quase nunca o fazem. E ainda assim o homem é universalmente famoso e reverenciado aos 89 anos de idade: Ele é o cientista que nos ensinou a linguagem humana como algo intrínseco à nossa biologia, não uma construção social; ele é o humanista que lutou contra a guerra do Vietnam e outras projeções de poder americanas, tendo por base princípios morais, e não considerações práticas. Ele continua a ser uma estrela de rock em campus universitários, aqui e no estrangeiro, e tornou-se numa espécie de Estrela do Norte para a geração “post-Occupy” que hoje se recusa a sentir o “Bern-out”.
Continua a ser, infelizmente, uma figura estranha aos espaços de decisão políticos. Mas na sua base no MIT, ele é um antigo e notavelmente acessível professor que responde aos seus e-mails e recebe visitantes como nós com grande hospitalidade.
Na semana passada, visitamos Chomsky com uma missão em mente: nós estávamos à procura de uma perspetiva não-ortodoxa da História recente vinda de um homem conhecido por falar a verdade. Nós tínhamos-lhe escrito que queríamos ouvir não o que pensava mas como. Ele tinha-nos respondido que trabalho duro e uma mente aberta tinham muito a ver com isso, e, nas suas palavras, uma “vontade algo socrática de questionar as doutrinas convencionais, e procurar quais os seus fundamentos.”

Christopher Lydon: Tudo o que queremos é que nos explique onde nós estamos…

Noam Chomsky(ri-se): Isso é fácil.

CL (ri-se): Em que tantas pessoas estavam perto de algo, algo histórico. Existe um sumário Chomsky?

NC: Um breve sumário?

CL: Sim.
NC: Bem, um breve sumário será pensar que na História Recente, desde a Segunda Guerra Mundial, algo realmente extraordinário aconteceu. Primeiramente, a inteligência humana criou dois enormes martelos capazes de pôr um fim à nossa existência – ou pelo menos existência organizada- no final da Segunda Guerra Mundial. Um deles é familiar. De facto, ambos são hoje familiares. A Segunda Guerra Mundial acabou com a explosão de uma bomba nuclear. Tornou-se imediatamente obvio a 6 de Agosto de 1945, um dia de que me lembro muito bem. Tornou-se obvio que rapidamente a tecnologia se desenvolveria a tal ponto que se chegaria a um desastre terminal. Os cientistas certamente perceberam.
Em 1947 o Boletim de Cientistas Atómicos inaugurava o seu famoso Relógio do Fim dos Tempos. Sabes o quão perto o ponteiro dos minutos estava da meia-noite? E ele começou a sete minutos da meia-noite. Em 1953 já só estava a dois minutos da meia-noite. Foi nesse ano que tanto a União Soviética como os Estados Unidos explodiram bombas de hidrogénio. Mas acontece que também compreendemos agora que no final da Segunda Grande Guerra o mundo também entrou numa nova era geológica. A esta dá-se o nome de Antropoceno, a era em que a Humanidade tem um impacte severo, de facto até talvez desastroso sobre o meio ambiente. O relógio moveu-se de novo em 2015, e em 2016. Imediatamente após a eleição Trump de Janeiro deste ano, os ponteiros moveram-se para 2 minutos e meio antes da meia-noite, o mais perto que esteve desde ’53.
Assim há duas ameaças existenciais que nós criamos que podem, no caso da guerra nuclear, exterminar-nos, e, nos caso da catástrofe ambiental, ter um impacte severo, e até mais.
Uma terceira coisa aconteceu. A partir dos anos 70, a inteligência humana dedicou-se a eliminar, ou pelo menos enfraquecer, a principal barreira contra estas ameaças. A isto dá-se o nome de neoliberalismo. Houve então uma transição daquilo a que algumas pessoas chamam “capitalismo regulado”, os anos 50 e 60, o grande crescimento económico, o crescimento igualitário, muitos progressos ao nível da justiça social e por aí em diante…
CL: Social democracia…
NC: Social democracia. Sim. É algo a que se dá o nome de "a era dourada do capitalismo moderno". Isso mudou nos anos 70 com o início da era neoliberalista em que temos vivido desde então. E se te perguntares o que é esta era, o seu princípio crucial é pôr em causa os mecanismos de solidariedade social e mutuo suporte e participação popular na determinação das políticas as seguir.
Não lhe chamam isso. Chamam-lhe "liberdade", mas "liberdade" significa a subordinação às decisões de poderes privados, monopolistas e opacos. É isso que significa. As instituições governamentais - ou outros tipos de organizações que permitam a participação das pessoas nos processos de decisão - estes são sistematicamente enfraquecidos. Margaret Thatcher expressou essa ideia de uma forma bastante clara quando disse "Não há sociedade, apenas indivíduos."
Desde a Segunda Guerra Mundial, temos vindo a criar dois meios de auto destruição. Desde a era neoliberal, temos vindo a desmantelar o método de lidar com eles.
Ela estava, na verdade, inconscientemente sem dúvida, a parafrasear Marx que, ao condenar as repressões em França, disse "A repressão está a tornar a sociedade num saco de batatas, apenas indivíduos, uma massa amorfa e incapaz de agir de uma maneira coordenada". Era uma condenação. Para Thatcher, é um ideal —e isso é o neoliberalismo. Nós destruímos ou pelo menos colocamos em causa os mecanismos fundamentais através dos quais nós podemos, pelo menos em princípio, participar na medida em que a sociedade é democrática. Portanto enfraqueçam-nos, destruam os sindicatos, outras formas de associação, deixem um saco de batatas e entretanto transfiram as decisões para poderes privados que não prestam contas ao público, tudo através da retórica da liberdade.
Bem, e que consequências tem isso? A única barreira contra a ameaça da destruição é um público participativo, informado, um público que age conjuntamente de modo a confrontar a ameaça e a dar-lhe resposta. Ela tem sido propositada e sistematicamente enfraquecida Quero eu dizer, provavelmente nos anos 70 falava-se disto. Havia muita discussão entre as elites de todo o espectro político sobre os perigos de demasiada democracia e sobre a necessidade de haver mais "moderação" no sistema, para que as pessoas se tornassem mais passivas e apaticas e não perturbarem demasiado a sociedade, é isto que o programa neoliberal faz. Então junta tudo isto e o que é que tens? Um perfeito turbilhão.
CL: Aquilo em que toda a gente nota são os títulos dos jornais, inclusive o Brexit e o DonaldTrump e o nacionalismo Hindu e o nacionalismo em todo o lado e LePen, todos a moverem-se ao mesmo tempo, sugerindo assim um fenómeno real.

NC: É muito claro, e era previsível. Não se sabia precisamente quando, mas quando se impõe políticas socioeconómicas que levam à estagnação ou ao declínio das condições de vida para a maioria da população, se põe em causa a democracia, se remove o poder decisório das mãos populares, gera-se fúria, descontentamento, medo sob todas as formas. E este é o fenómeno a que erradamente se dá o nome de "populismo".

CL: Eu não sei o que pensa sobre PanjakMishra, mas eu gostei do seu livro Age ofAnger, e ele começa com uma carta anónima retira de um jornal em que alguém diz: “Nós devíamos admitir que não só nos sentimos horrificados como também estupefactos. Nada desde o triunfo dos vândalos em Roma e no norte de África se apresentou tão incompreensível e difícil de reverter”.

NC: Bem, isso é culpa dos meios de comunicação sociais, pois é muito passível de compreensão, muito óbvio e muito simples. Pensemos, digamos, nos Estados Unidos, que na realidade têm sofrido menos com estas políticas do que muitos outros países. Pensemos no ano de 2017, um ano crucial antes do crash.
Que economia maravilhosa era essa que então se elogiava? Era uma em que os salários, os salários reais dos trabalhadores Americanos, eram mais baixos do que em 1979 quando o período neoliberal começou. Esta é uma situação sem precedentes históricos, exceto calamidades traumáticas como guerras ou situações desse género. Este foi um longo período em que os salários reais literalmente diminuíram, enquanto alguma riqueza era criada, mas apenas em muito poucos bolsos. Foi também um período em que se desenvolveram novas instituições, instituições financeiras. Se retornarmos aos anos 50 e 60, a chamada “Época Áurea”, a banca estava ligada à economia real. Não havia “crashes” porque haviam regulações do New Deal.

A partir dos anos 70 houve mudanças abruptas. Primeiramente, as instituições financeiras explodiram em escala. Em 2007 correspondiam a 40% dos lucros corporativos. E ainda, já não estavam ligadas à economia real.

Na Europa, a democracia foi posta em causa de uma forma muita direta. As decisões foram postas nas mãos de uma troika não eleita; da comissão europeia, que não é eleita; do FMI, é claro, não eleito; e do Banco Central Europeu. Eles tomam as decisões. Portanto, as pessoas estão muito chateadas, estão a perder controlo das suas vidas. As políticas económicas têm vindo sobretudo a prejudicá-las, e o resultado é fúria, desilusão, etc.
Noam Chomsky: O que quis Adam Smith realmente dizer com a expressão “A Mão Invisível”?
Nós acabamos de o ver há duas semanas na última eleição francesa. Ambos os candidatos estavam fora do Sistema. Os partidos politicos centristas colapsaram. Vimo-lo nas eleições Americanas em Novembro. Houve dois candidatos que mobilizaram a base: um deles um bilionário que odiava o sistema, o candidato Republicano que venceu a nomeação – mas note-se que agora que chegou ao poder é o velho sistema quem manda. Podes criticar a Goldman Sachs durante a campanha, desde que os deixes dirigir a economia assi que chegares ao poder.
CL: Portanto, a questão é, agora que as pessoas estão quase prontas… quando elas estão prontas para agir, quase preparadas para reconhecer que este jogo não está a funcionar, este sistema social, temos a capacidade enquanto espécie de agir, de passar da estupefação à ação?

NC: Eu penso que o future da espécie depende disso, porque, lembremo-nos, não se trata apenas de desigualdade, estagnação. Trata-se de um desastre terminal. Construímosa perfectstorm, uma situação perigosíssima.Isto deveria estar nas capas dos jornais todos os dias. Desde a Segunda Guerra Mundial, criamos dois meios de autodestruição. Desde o período neoliberal, temos vindo a desmantelar os nossos meios de lidar com estes problemas. Isto é o que nos “belisca”. É com isto que lidamos, e se não resolvermos estes problemas estamos acabados.

CL: Eu quero voltar a PankajMishrae AgeofAnger por um momento-

NC: Não é “A Era da Fúria”. É A Era do Ressentimento contra politicas socioeconómicas que têm prejudicado a maior parte da população durante o tempo de uma geração e têm conscientemente posto em causa a participação democrática. Porque não deveria haver fúria?

CL: PankajMishra dá-lhe esse nome –é um termo Nietzschiano“ressentiment”, é uma espécie de fúria explosiva. Mas ele diz, “é a caraterística que melhor define um mundo em que a promessa moderna de igualdade colide com disparidades abissais em termos de poder, educação, estatuto e-”

NC: E foi projetado de forma a ser assim, a ser assim. Voltemos aos anos 70. Transversalmente ao espectro político, o das elites, havia preocupações sérias com o ativismo dos anos 60. Esse período é chamado de “time oftroubles” (os tempos turbulentos). Ele civilizou o país, o que é perigoso. O que aconteceu é que uma grande parte da população – até então apática, passiva, obediente – tentou entrar na arena política de uma forma ou de outra, para promover os seus interesses e preocupações. Dá-se-lhes o nome de “interesses especiais”. Pelo que se entende minorias, jovens, trabalhadores, mulheres. Ou seja: a população. A população são os interesses especiais, e a ela cabe-lhe olhar calada. E isso era explícito.
Dois documentos saíram dos meados dos anos 70, que são bastante importantes. Eles saíram de lados opostos do espectro político, ambos influentes, e ambos chegaram às mesmas conclusões. Um deles, à esquerda, saiu da Comissão Trilateral – internacionalistas liberais, três grandes países industriais, basicamente a administração Carter, foi daí que eles saíram. Esse é o mais interessante A Crise da Democracia, uma investigação da Comissão Tripartida. O relator Americano Samuel Huntington de Harvard, ele olhava com nostalgia para os dias em que, como ele dizia, Truman era capaz de governar a nação com a cooperação de alguns executivos e advogados de Wall Street. Então tudo estava bem. A Democracia era perfeita.
Mas, nos anos 60, todos concordaram que a ação dos grupos de “interesses especiais” se haviam tornado problemáticos, porque tentaram entrar no jogo político, e isso causou demasiada pressão, com a qual o Estado não conseguia lidar.

CL: Eu lembro-me bem desse livro.

NC: Nós temos de ter mais moderação na democracia.

CL: Não apenas isso, ele também virou a citação de Al Smith de pernas para o ar.Al Smith disse: “A cura para a democracia é mais democracia.”Ele disse: “Não, a cura para a democracia é menos democracia.”

NC: Não foi ele. Foi o Sistema liberal. Ele era o seu porta-voz. Esta é a visão consensual entre o sistema liberal e as três democracias industriais. Eles – no seu consenso- concluíram que o maior problema eram “as instituições responsáveis pela doutrinação (endoctrination) dos jovens.” As escolas, as universidades, igrejas, não estam a fazer o seu trabalho. Não estão a doutrinar os jovens adequadamente. Os jovens têm de voltar a ser passivos e obedientes, e então a democracia estará bem. Esta é a esquerda.
E quanto à direita? Um documento muito influente: O Memorando Powell, que saiu na mesma altura. Lewis Powell, um advogado corporativo, que mais tarde veio a ser juiz do Supremo Tribunal, ele produziu um memorando confidencial para a Câmara Americana do Comércio, que tem sido extremamente influente. Ele praticamente deu início ao movimento moderno a que se dá o nome de “movimento conservador”. A retórica é algo insana. Não o analisaremos, mas a imagem essencial é de que a a esquerda barbara está a usurpar tudo. Temos de utilizar os recursos à nossa disposição para fazer recuar a esquerda, que agora põe em causa a liberdade e a democracia.
Ligado a isto estava algo mais. Como resultado do ativismo dos anos 60 e da militância do trabalho, os lucros estavam a cair. Isto era inaceitável. Por isso temos de reverter a queda das taxas de lucro, temos de boicotar a participação democrática, e o que resulta disso? O Neoliberalismo, que tem exatamente esses efeitos.
2 DE JUNHO, 2017

Tradução livre por Pedro Justo

Obrigado, querido aluno!

                                             Lola

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