Lógica aristotélica ou proposicional?
Qual ensinar?
Um
colega recentemente colocou uma questão interessante para planificar o 11º ano.
O grupo de filosofia decidiu leccionar a lógica aristotélica, ao passo que o
colega deseja ensinar a proposicional. Perguntou-me se eu achava bem que
leccionasse as duas. Não, não me parece correcto ensinar as duas versões da
lógica, a não ser que por interesse histórico se aborde a versão inicial de
Aristóteles. Mas isso é coisa que se faz nuns 10 minutos de uma aula. É que, a
dizer a verdade, qual o interesse de leccionar a lógica aristotélica? (ou
aquilo que dela faz os manuais) Basta colocar uma questão aos colegas que
leccionam a aristotélica: para que serve o que os alunos aprenderam para
aplicar às restantes unidades do programa? Na verdade não há aplicação alguma
da lógica aristotélica ao resto do programa, não se faz nada com ela. Pelo
contrário, com a lógica proposicional ensinada de um modo simples, podemos
passar o resto do ano a aplicá-la aos argumentos. Além do mais a lógica
proposicional é mais fácil, cria menos ambiguidades de compreensão nos alunos e
os alunos gostam muito mais (também já ensinei a aristotélica para saber do que
falo).
Mesmo para quem nunca ensinou a proposicional, um esforço inicial
representa ganhos óbvios a curto prazo e um gozo muito maior ao ensinar
filosofia. Basta pensar em pequenos exemplos para perceber o nível de aplicação
da lógica proposicional: sem a saber como vai o aluno perceber quando encontrar
mais tarde um argumento dedutivamente válido? Só o sabe se souber também
colocar esse argumento na forma silogística. Só que essa é tarefa de
especialistas. Até por aqui se vê logo que a ideia que a lógica aristotélica é
mais fácil para os alunos é falsa. Senão tentem lá colocar os argumentos dos
textos filosóficos na forma silogística. O aluno não chegará sequer a entender
que um argumento pode parecer persuasivo mas dedutivamente inválido. Se o aluno
não conhece estes aspectos da argumentação, como somos capazes de lhe dizer que
a filosofia é a busca da verdade? Que busca fará o aluno se não conhece sequer
as ferramentas mais básicas para essa busca?
Sem ensinar a lógica
proposicional, ainda que de uma forma elementar (bem, ela é em si elementar), o
estudante não reúne qualquer capacidade para compreender quando está perante um
bom e um mau argumento. Só por interpretação mágico-místico-cartomante é que lá
chegará. E é bom que nós, professores de filosofia, percebamos estes aspectos
de ensino da nossa disciplina.
Mas
há que ter em atenção um outro aspecto. Qualquer uma das lógicas é apresentada
na maioria dos manuais com erros. Claro que esses erros são menos visíveis na
aristotélica, pois ela é tão limitadinha que facilmente cria confusões e
pensamos que estamos a ler coisas certas quando estão erradas. É uma ferramenta
incompleta, ponto. O melhor mesmo é recorrer aos bons manuais (tenho imensas
sugestões neste sentido no blog) e segui-los, mesmo com o prejuízo de não usar
muito o manual que está adoptado. Também vi alguns autores de manuais ensaiarem
um híbrido entre lógica aristotélica e proposicional e saiu borrada, pelo que
não é aconselhável seguir por aí.
Mas
a opção de leccionação é do professor. Até este ano na minha escola leccionei
11º ano e sempre leccionei a proposicional, ao passo que os meus colegas
leccionavam a aristotélica. Só é possível ensinar a lógica aristotélica de duas
formas:
1)
Ou se ensina história da filosofia e história da filosofia é história e não
filosofia.
2)
Ou se ensina a lógica aristotélica como se podia ensinar o tio Patinhas, de
forma isolada, sem qualquer correspondência com o programa.
Excluo
aqui alguns colegas que possuem uma sólida formação na lógica de Aristóteles e
que conseguem fazer pequenas maravilhas com ela, mas esses colegas são em
número reduzido, certamente. Não saímos dos cursos de filosofia especialistas
em lógica e essa é mais uma boa razão para ensinar a proposicional, a bem do
ensino de filosofia de qualidade. Se pegarmos no programa de filosofia tendo em
atenção alguns pequenos aspectos, começamos logo a pedir que o programa seja
reformado. E esta é a piada de muito do ensino da filosofia: pedimos aos
alunos, muitas vezes, para fazer o que nós próprios não andamos estes anos
todos a fazer com a nossa disciplina: a pensá-la criticamente.
Rolando Almeida
Lola


Sem comentários:
Enviar um comentário