O Juízo
A lógica aristotélico-tomista pretendeu reduzir a diversidade dos juízos a um único tipo: o juízo apofântico/atributivo/predicativo.
Um juízo diz-se que é predicativo quando é um enunciado/acto mental que afirma ou nega uma relação entre conceitos: os conceitos que se relacionam no juízo denominam-se Sujeito (sujeito lógico) e Predicado. O 'sujeito' é aquilo de que se atribui algo; o predicado é aquilo que se atribui ou nega do sujeito. A relação entre sujeito e predicado é feita pela cópula, que é o verbo ser. Esta, abordada como elemento lógico e não gramaticalmente, não tem plural nem singular. Daí que Aristóteles tenha dito redutoramente que os conceitos eram as partes do juízo. A estrutura do juízo predicativo é S é P. A relação que o juízo atributivo estabelece entre os conceitos é uma relação de inclusão ou inerência.
Exemplos:
A flor é vermelha;
Todos os homens são mortais. O conjunto dos homens (todos os homens = sujeito do juízo) estão incluídos no conjunto dos mortais (predicado do juízo), isto é, todos os homens são alguns dos mortais, pois, além dos homens há outros seres que são mortais.
Na perspectiva clássica, os juízos que parecem não obedecer à estrutura normal ou canónica, isto é, os juízos irregulares devem reduzir-se à forma regular. Para o efeito, elabora-se uma certa transformação do seu enunciado e quando o verbo 'ser' (cópula) não está expresso, torna-se necessário reduzi-lo ao verbo 'ser'.
Exemplos:
'O sol brilha' transforma-se em 'O sol é brilhante.';'
Deus existe' transforma-se em 'Deus é existente'.
"Se por reflexão interna considerarmos o acto comente designado por 'juízo', distinto da simples noção, torna-se evidente que o juízo é o acto mental que une ou separa duas ideias afirmando ou negando (...). Se investigarmos mais profundamente o que significa ou queria dizer esta junção ou separação predicativa, chegamos à conclusão de que consiste em afirmar ou negar a identidade entre duas ideias. Todo o juízo contém, portanto, um sujeito, um predicado e uma cópula e esta é o verbo 'ser'."
Aristóteles, Analíticos 24.26 e De Anima III
Classificação dos Juízos:
Os juízos são classificados de diferentes maneiras, consoante o ponto de vista sob o qual são analisados.
1. Quanto à compreensão do sujeito:
Juízo analítico
São juízos em que o predicado faz parte da compreensão do sujeito, isto é, nos quais se afirma (ou nega) uma relação de identidade, total ou parcial, entre o sujeito e o predicado.
Exemplos: O homem é um animal racional; o homem é mortal; os corpos são extensos. A racionalidade é intrínseca ao homem; a mortalidade é intrínseca ao homem; e a extensão é intrínseca a qualquer corpo. Por outras palavras, não é possível pensar o homem sem ser racional e mortal, nem o corpo sem extensão.
Juízo sintético
São juízos em que o predicado não faz parte do sujeito, isto é, não faz parte da compreensão do sujeito: o predicado exprime uma ideia acidental que se junta à ideia de sujeito.
Exemplo: O António é estudante. O facto do António ser homem não significa que seja estudante: só a experiência, isto é, a observação empírica nos pode dizer se aquele homem concreto chamado António é ou não estudante.
2. Quanto à quantidade
A quantidade de uma proposição é a propriedade que ela tem de ser universal ou não, isto é, a quantidade de um juízo predicativo depende do facto do sujeito do juízo serem todos, alguns, certos, uns tantos, pelo menos um ou nenhum.
Juízo universal
É um tipo de juízo em que o sujeito engloba todos os seres de uma determinada classe, isto é, o sujeito é tomado em toda a sua extensão. O sujeito é universal quando atribui, ou inversamente quando nega, algo de alguma coisa a todos os seres da mesma espécie. Exemplos: Todos os homens são mortais. Nenhum homem é mortal.
Expressões linguísticas que referem proposições do tipo A (universal afirmativo): Todos os sábios são poderosos = Todos os seres sábios são (alguns dos) seres poderosos.
Cada sábio é poderoso = Todos os seres sábios são (alguns dos) seres poderosos.
Os sábios são poderosos = Todos os seres sábios são (alguns dos) seres poderosos.
Se alguém é sábio, é poderoso = Todos os seres sábios são (alguns) seres poderosos.
Alguém é sábio, somente se fôr poderoso.
Quem quer que seja sábio, é poderoso = Todos os seres sábios são (alguns dos) seres poderosos.
Todos os não-poderosos são não-sábios = Todos os seres não-poderosos são (alguns) dos seres não-sábios.
Somente os poderosos são sábios = Todos os seres poderosos são (todos os) sábios.
Ser sábio é ser poderoso = Todos os seres sábios são (alguns dos) seres poderosos.
Expressões equivalentes à proposição do tipo E (universal negativo):
Nenhum filósofo é milionário = Nenhum filósofo é nenhum milionário.
Os filósofos são não-milionários = Nenhum filósofo é nenhum milionário.
Todos os milionários são não-filósofos = Nenhum milionário é (nenhum) filósofo.
Ninguém que seja milionário pode ser filósofo.
Ninguém é filósofo, excepto se fôr não-milionário.
Somente não-filósofos são milionários.
Se alguém é filósofo, então não é milionário.
Se alguém é milionário, então não é filósofo.
Juízo particular
É um tipo de juízo em que o sujeito é tomado em parte indeterminada da sua extensão. O sujeito é gramaticalmente antecipado de alguns, certos, uns tantos, pelo menos um. Exemplo: Alguns homens são cientistas.
Expressões linguísticas equivalentes à proposição de tipo I (particular afirmativo):
Há estudantes louros.
Há louros que são estudantes.
Existe alguém que é estudante e é louro.
Há pelo menos um estudante que é louro.
Há pelo menos um louro que é estudante.
Expressões equivalentes da proposição tipo O (particular negativo):
Há pelo menos um brinquedo que não é livro.
Nem todos os brinquedos são livros.
Ser brinquedo não significa que seja livro.
Juízo singular
É um tipo de juízo em que o sujeito designa única e exclusivamente um indivíduo ou objecto ou facto. Na frase declarativa singular o sujeito é o nome de um indivíduo que não pode ele próprio ser predicado de qualquer outra coisa. Exemplo:Aristóteles é filósofo.
3. Quanto à qualidade:
Qualidade de uma proposição é a propriedade que ela tem de ser afirmativa ou negativa. Ora, porque a afirmação ou a negação tanto pode incidir na cópula (verbo afirmativo ou negativo), como no atributo (atributo positivo ou negativo), resulta daqui que podem existir proposições afirmativas e proposições negativas de várias espécies:
Juízo afirmativo:
quando o predicado convém ao sujeito, isto é, a cópula afirma. A frase declarativa tem cópula afirmativa e predicado positivo. Este tipo de proposição obedece à regra 'toda a proposição equivale à afirmação'. Exemplo: O homem é inteligente.
Juízo negativo:
quando o predicado não convém ao sujeito, isto é, a cópula nega.
Dois casos podem surgir:
a) há frases declarativas de cópula negativa e predicado positivo. Exemplo: O António não é sensato.
b) e há frases declarativas de cópula negativa e predicado acoplado de negação, que obedecem á regra 'a negação da negação equivale à afirmação'. Exemplo: O homem não é não-ser = O homem é ser.
Juízo infinito ou indefinido:
são os juízos que são afirmativos pela cópula e negativos pelo predicado. Este tipo de proposição obedece à regra 'a afirmação da negação equivale à negação'. Exemplos: O António é não-sensato = O António pode ser a, b, c, mas, uma coisa é certa, não é sensato.
4. Juízos quanto à relação
Juízo categórico:
quando ou a afirmação ou a negação é absoluta, sem reserva, sem condições, sem restrições, sem alternativa.
Estes enunciados receberam particular atenção desde Aristóteles: combinando a quantidade (universal e particular) com a qualidade (afirmativo e negativo) obtem-se uma classificação quaternária de frases declarativas específicas:
- Proposição universal afirmativa (A)
Esquema: Todos os S são P.
Neste tipo de proposição, o sujeito está distribuído, isto é, a proposição afirma alguma coisa acerca de todos e de cada um dos elementos que o termo designa.
Exemplo: Todos os gatos são mamíferos.
Neste exemplo, diz-se alguma coisa acerca de todos os gatos. No entanto, quando a proposição é afirmativa, o predicado não fica distribuído, isto é, embora o predicado pertença ao sujeito, não lhe pertence exclusivamente, porque há outros animais que também são mamíferos, como por exemplo, os homens. Daí a seguinte leitura, a única correcta: Todos os gatos são alguns dos mamíferos.
- Proposição universal negativa (E)
Nas proposições universais negativas, o sujeito está distribuído, isto é, nega-se algo de toda a classe a que pertence o sujeito.
Esquema: Nenhum S é P.
Exemplo: Nenhuma baleia é peixe.
Neste exemplo, nega-se de todas as baleias a propriedade peixe. O predicado está distribuído, isto é, tomado em toda a sua extensão. Para compreendermos melhor o que se está a dizer, transforme-se a mencionada proposição nesta outra equivalente: Nenhuma baleia é peixe <-> Todos os S são não-P Û Todos as baleias são não-peixes.
- Proposição particular afirmativa (I).
Neste tipo de proposição, o sujeito não está distribuído: o sujeito é antecedido pelo quantificador 'alguns'.
Esquema: Alguns S são P.
Exemplo: Alguns cães são bonitos.
Neste tipo de proposição, o predicado também não está distribuído. No nosso exemplo temos: Alguns cães são (alguns) (seres) bonitos, mas sem serem todos os seres bonitos.
- Proposição particular negativa (O)
Neste tipo de proposição, o sujeito não está distribuído, pois o quantificador do sujeito é 'alguns', embora o predicado o esteja.
Esquema: Alguns S não são P = Alguns S são não-P.
Exemplo: Algumas pessoas são não atrevidas = Algumas pessoas não são atrevidas.
Juízo hipotético ou condicional:
é aquele em que se afirma ou nega a relação de antecedente-consequente entre dois termos, cuja depende de determinada condição. A hipótese reveste a forma de proposição condicional. O juízo condicional exprime a relação de implicação antecedente-consequente. Fórmula: 'Se P então Q'. O primeiro termo do juízo condicional tem o nome de hipótese, condição, antecedente; e o segundo termo, o de tese, condicionado, consequente. Exemplo: Se o aluno estuda, não reprova.
é aquele em que se afirma ou nega a relação de antecedente-consequente entre dois termos, cuja depende de determinada condição. A hipótese reveste a forma de proposição condicional. O juízo condicional exprime a relação de implicação antecedente-consequente. Fórmula: 'Se P então Q'. O primeiro termo do juízo condicional tem o nome de hipótese, condição, antecedente; e o segundo termo, o de tese, condicionado, consequente. Exemplo: Se o aluno estuda, não reprova.
Juízo disjuntivo
é aquele que se põe sob a forma de alternativa: ou ... ou. Os dois termos são hipóteses ou juízos possíveis, e a alternativa implica que a afirmação ou a negação de um dos termos exclui a afirmação ou a negação do outro. Exemplo: Eu sou introvertido ou extrovertido.
é aquele que se põe sob a forma de alternativa: ou ... ou. Os dois termos são hipóteses ou juízos possíveis, e a alternativa implica que a afirmação ou a negação de um dos termos exclui a afirmação ou a negação do outro. Exemplo: Eu sou introvertido ou extrovertido.
5. Juízos quanto à Modalidade:
Juízo apodíctico ou juízo necessário:
é aquele tipo de juízo em que se enuncia uma relação que é não somente verdadeira, como também seria ilógico, absurdo considerá-la como falsa, porque o predicado convém de uma forma absolutamente necessária ao sujeito. São verdades de razão que os factos não podem contradizer.
Exemplo: O círculo é redondo.
Juízo assertórico ou juízo contingente:
é aquele tipo de juízo em que se diz que o predicado convém ao sujeito, embora não necessariamente, isto é, o predicado é-lhe adicional. Por outras palavras, é um juízo de facto que pode ser verdadeiro ou falso, dependendo da constatação concreta do objecto.
Exemplos: A mesa é redonda. António é médico.
Juízo problemático ou duvidoso:
é aquele tipo de juízo em que a afirmação ou a negação envolve a possibilidade, isto é, enuncia uma relação possível, presumível como verdadeira, embora não afirmada como expressamente verdadeira. Expressões que indiciam problematicidade são: talvez, é capaz de, possivelmente, em princípio, etc.
Exemplo: Sou capaz de passar no exame.
6. Juízos quanto ao conteúdo:
Juízo de realidade ou juízo de facto:
juízos que enunciam o que é ou exprimem relações entre objectos.
Exemplos: O calor dilata os corpos. O gato é vertebrado. Há um grande incêndio na cidade do Fundão. O João é alto.
Juízo de valor:
é um juízo estimativo, apreciativo, isto é, que enuncia o que o objecto vale para um sujeito, não o que é, mas o que deve ser ou que é desejável. É de carácter subjectivo e afectivo.
Exemplos: A Nona Sinfonia de Beethoven é uma obra
Lola
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