Filosofia Oriental
Por que não?
Artigo do Prof. Nicholas Tampio,
da Universidade Fordham, sobre a tradição do pensamento filosófico. O ponto é
polêmico. Tampio acusa uma pressão sofrida pelos departamentos de filosofia
para que se tornem mais diversificados e adotem também o ensino das doutrinas
de origem não européia. Segundo o professor, esta demanda é artificial e a
filosofia deve ser compreendida por meio da tradição iniciada por Sócrates e
Platão lá na Grécia Antiga e que pautou o estudo da filosofia até hoje. Não que a filosofia não deva dialogar com os
outros campos do conhecimento e visões de mundo, deve, mas, diz Tampio, não
podemos tomar uma coisa pela outra e achar que tudo é filosofia.
Eu compreendo o argumento do
professor e consigo assimilá-lo. Contudo, incomoda-me o modo como ele sugere
que as doutrinas não europeias não seriam filosóficas. Segundo ele, tais
doutrinas tratar-se-iam mais de dicas práticas de vida do que de um pensamento
especulativo sobre os conceitos filosóficos, como justiça ou verdade, por
exemplo. Não sei não. Primeiramente chamaria Schopenhauer para lutar em meu
lugar e poder demonstrar como algumas doutrinas orientais podem ser
compreendidas como filosofia. Em segundo, perguntaria ao professor: e Epicuro?
E Sêneca? E por acaso boa parte da filosofia helenística não se concentrava em
um "bem-viver"? O critério me parece estranho a própria tradição do
pensamento filosófico.
De todo modo, concordo com o
professor que a filosofia não é este balaio de gatos que querem fazer dela.
Filosofia é estudo sistemático dos problemas mais conceituais que afetam o
pensamento humano e, por isso mesmo, a tradição do pensamento é precisamente o
nosso legado e também importa.
"Não concordo [...] que
departamentos de filosofia devam diversificar e incorporar imediatamente cursos
de filosofia africana, indiana, islâmica, judaica e latino americana em seus
currículos. [...] Essa abordagem mina o diferencial da filosofia enquanto
tradição intelectual. [...] A filosofia é o amor à sabedoria acima do amor ao
seu sangue ou país. É, em princípio, aberta a todos, e as pessoas de todo o
mundo atendem ao chamado de Platão para viver uma vida examinada. [...]
Filosofia [...] pretende ser um diálogo entre pessoas de diferentes pontos de
vista, mas, mais uma vez, é um amor à sabedoria, ao invés de uma posse da
sabedoria. [...] A implicação é que a filosofia acadêmica é racista, sexista e
digna de um falecimento iminente. Esta será uma boa notícia para os decisores
políticos que querem proibir fundos federais de subsidiar o estudo da
filosofia. [...] Como alguém que gosta de ler, estudar e, na ocasião,
filosofar, eu considero isso uma tragédia. Devemos deixar que departamentos de
filosofia evoluam organicamente, permitindo estudiosos de convencerem os outros
de que um novo autor, ideia ou tradição vale o envolvimento."
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Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
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Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
Por que não estudamos a filosofia oriental?
Embora valha estudar outras tradições de pensamento, as tentativas de
ampliar o cânone filosófico em nome da diversidade são equivocadas.
Eu publiquei recentemente uma análise
sobre o pensamento político islâmico, incluindo uma entrada de enciclopédia sobre o tema.
Entre outros textos, ao ler o
Alcorão, a jurisprudência islâmica (fiqh), a filosofia (falsafa)
e a história do mundo pré-moderno de Ibn Khaldun, o Muqaddimah (1377),
acabei por enriquecer a minha vida e pensamento.
No entanto, não concordo com a chamada
feita por Jay L. Garfield e Bryan W. Van Norden no The New York Times, que sugere que departamentos de
filosofia devam diversificar e incorporar imediatamente cursos de filosofia
africana, indiana, islâmica, judaica e latino americana em seus currículos.
Pode parecer uma visão muito
inclusiva pedir que professores de filosofia ensinem poucos
estudiosos asiáticos antigos, como Confúcio e Candrakīrti, junto
a diversos homens brancos ocidentais e mortos, como David Hume,
Sócrates, Spinoza, Giordano Bruno,
Immanuel Kant e outros.
No entanto, essa abordagem mina o
diferencial da filosofia enquanto tradição intelectual, e elogia
outras tradições, dizendo que são a mesma coisa. Além disso, essa
demanda enche de combustível a campanha política para difundir os
departamentos de filosofia acadêmica.
A filosofia tem origem na República de Platão, e é
uma busca incessante pela verdade através de um diálogo controverso.
O livro é destinado para os
seres humanos comuns nas cidades, não para grandes pensadores e discípulos que
vivem no topo de montanhas, e requer o uso sem medo da razão, mesmo num mundo
repleto de tradições estabelecidas ou de compromissos religiosos.
O livro de Platão é o primeiro texto da filosofia e um
ponto de referência para os textos tão diversos como a Política de Aristóteles,
a Cidade de Deus de Agostinho,
o regime político da Al-Farabi, e o livro do filósofo francês Alain
Badiou, a República de
Platão (2013).
O filósofo britânico Alfred North
Whitehead disse uma vez que a história da filosofia é uma série de
notas de rodapé a Platão. Mesmo filósofos que não mencionam Platão
diretamente ainda usam suas palavras – incluindo “ideias” – e sua orientação
geral para dar prioridade à verdade sobre a piedade.
A filosofia é o amor à
sabedoria acima do amor ao seu sangue ou país. É, em princípio, aberta a
todos, e as pessoas de todo o mundo atendem ao chamado de Platão para viver uma
vida examinada.
Eu estou ciente do argumento, no
entanto, de que toda reflexão séria sobre questões fundamentais deva ser
chamada de filosofia. A filosofia é uma entre muitas maneiras de pensar sobre
questões como a origem do universo, a natureza da justiça ou os limites do
conhecimento.
Filosofia, no seu melhor, pretende ser
um diálogo entre pessoas de diferentes pontos de vista, mas, mais uma vez, é um
amor à sabedoria, ao invés de uma posse da sabedoria. Essa característica
particular já tornou muitas vezes que a filosofia fosse o pior inimigo da
religião e da tradição.
Considere as perspectivas de Abu Hamid
al-Ghazali (1058-1111), uma figura de destaque no pensamento islâmico.
Em Libertação do Erro, al-Ghazali reconta seu tempo
lendo Platão, Aristóteles e seus outros leitores ostensivamente muçulmanos. Ele
afirma:
“Temos de reconhecer como
descrentes tanto os próprios filósofos quanto seus seguidores
islâmicos, como Ibn Sina, al-Farabi e outros. Por isso, recomendo que os
muçulmanos mantenham o povo comum longe da leitura equivocada desses
livros”.
Mesmo que ele tenha argumentos
filosóficos, ele não deseja inserir a tradição de falsafa e é
amplamente creditado com a tentativa de acabar com essa tradição com livros
como A incoerência
dos filósofos.
Se alguém quiser estudar o pensamento
político islâmico nos séculos depois de al-Ghazali, estudiosos devem estudar
principalmente a sua teologia (kalam) e a jurisprudência (fiqh),
não a filosofia (falsafa).
Da mesma forma, Confúcio (551-479 aC)
pode ser uma leitura válida, mas estaremos forçando demais ao chamá-lo
de filósofo. Em Os Analectos,
‘Disse o mestre: “Quando o pai de alguém
ainda está vivo, observe suas intenções; depois que seu pai faleceu, observe
sua conduta. Se, por três anos, ele não alterar os caminhos
instruídos pelo pai, ele pode ser chamado de um filho fiel.”‘
Confúcio apresenta uma doutrina
abrangente de uma boa vida que inclui a piedade filial e respeito pelos mais
velhos. Por outro lado, nas páginas de abertura da República, Sócrates
ridiculariza o velho Confúcio por sua má compreensão do significado da
justiça.
A mensagem de Platão é que a
filosofia não tem paciência para idosos que gostam das coisas como são e não
querem lutar no terreno das ideias. Para o confucionismo, a defesa do pensamento crítico de Platão pode
parecer uma receita para conflitos familiares e desarmonia social.
Eu duvido que os departamentos de
filosofia sejam o lar natural para os estudiosos da jurisprudência islâmica
ou da ética confucionista.
Os departamentos de filosofia apoiam o
ensino e pesquisa sobre lógica (as regras do pensamento), a metafísica (o
estudo do ser), epistemologia (teoria do conhecimento), a estética (o estudo da
arte), ética (a
investigação de moralidade pessoal) e política (a busca da justiça).
A filosofia como disciplina acadêmica
tem consistência na medida em que tem origem na tradição socrática-platônica.
Deveriam os filósofos conversar com
estudiosos de diferentes tradições religiosas e morais? Claro. Mas faz pouco
sentido que filósofos tornem-se juristas islâmicos amadores ou que
estudiosos do Alcorão estudem filosofia como um pré-requisito para o doutorado.
Para entender por que os limites
da filosofia importam, é preciso situar o debate dentro de debates em curso
sobre o financiamento do ensino superior.
No ano passado, o senador republicano
Marco Rubio disse: “Precisamos de mais soldadores que filósofos”, uma
articulação sem corte de um ponto de vista amplamente compartilhado entre
contribuintes e formuladores de políticas que procuram razões para eliminar,
cortar ou difundir departamentos de filosofia.
Nesse caso o New York Times diz
que os departamentos de filosofia são ‘templos de
adoração de homens de ascendência europeia’. A implicação é que a
filosofia acadêmica é racista, sexista e digna de um falecimento iminente.
Esta será uma boa notícia para os
decisores políticos que querem proibir fundos federais de subsidiar o estudo da
filosofia, digamos, em faculdades comunitárias e universidades estaduais.
Como alguém que gosta de ler, estudar e,
na ocasião, filosofar, eu considero isso uma tragédia.
Devemos deixar que departamentos de filosofia evoluam organicamente, permitindo
estudiosos de convencerem os outros de que um novo autor, ideia ou
tradição vale o envolvimento.
E incentivar as universidades a
explorarem maneiras de ampliar seus escopos de pesquisa para aprender sobre
outras tradições intelectuais.
Mas exigir que os filósofos tratem
al-Ghazali ou Confúcio como um dos seus não é razoável, e fornece munição para
as pessoas que estão prontas para banir os filósofos de seu meio.
Por
Artigo traduzido por Rodrigo Zottis e
Lola
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