Argumento e silogismo
Quando dizemos que um argumento é válido ou inválido, a rigor, estamos a referir-nos à forma que as premissas e conclusão do argumento estão dispostas.
Mas como poderia, afinal, ser definida a Validade de um argumento?
Em que circunstâncias um argumento é caracterizado como inválido?
A validade depende da verdade ou falsidade das premissas?
Antes que estas questões possam ser esclarecidas é preciso estabelecer a noção de Inferência e Implicação lógica.
Inferência
Kant define uma inferência como uma “dedução” de juízos a partir de outros. O termo “juízo”, utilizado por Kant, é equivalente a proposição ou frase enunciativa, mais comuns na linguagem atual. A explicação de Aristóteles, tradicionalmente aceita e livre de equívocos, afirma que o fato de uma inferência ser válida significa que, se as premissas são aceitas, a conclusão resulta necessariamente. Ao falar “necessariamente” esbarramos no conceito de Necessidade lógica, que é essencial para entender a teoria da inferência e silogismo. Neste sentido, uma conclusão necessária é vista como uma consequência inescapável, se as premissas forem tomadas como verdadeiras. Uma inferência válida, portanto, é uma inferência onde é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa.
É muito importante lembrar que quando falamos sobre a validade de argumentos ou sobre inferências, estamos a referir-nos a argumentos dedutivos.
Existem duas classes de argumentos, os argumentos dedutivos e os argumentos indutivos. A diferença consiste na maneira que as premissas suportam a conclusão. Em argumentos dedutivos, a conclusão é suportada pelas premissas de maneira definitiva, enquanto que em argumentos indutivos, a conclusão é afirmada com algum grau de probabilidade, não sendo, jamais, garantida. Como foi dito anteriormente, argumentos dedutivos (inferências) válidos são aqueles em que se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem que verdadeira, a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. Os argumentos dedutivos que falham em dar essa garantia são considerados inválidos. Os argumentos indutivos não apresentam essa garantia na conclusão devido à própria natureza da indução, a saber, a passagem do particular para o geral. Ao avaliar argumentos indutivos, dependendo do grau de probabilidade da verdade da conclusão, os classificamos como fortes ou fracos, melhores ou piores. Desta maneira, é fácil perceber que “válido” e “inválido” não são aplicados a argumentos indutivos, apenas a argumentos dedutivos.
A memorável distinção feita por Irving Copi, é digna de ser citada:
“Em suma, a distinção entre dedução e indução reside na natureza das sustentações feitas pelos dois tipos de argumentos sobre as relações entre suas premissas e suas conclusões. Então nós caracterizamos os dois tipos de argumentos como se segue: Um argumento dedutivo é aquele no qual a conclusão se segue das premissas com necessidade absoluta, não sendo esta necessidade nenhuma questão de grau e não depende de qualquer outra coisa que possa ser o caso. Em contraste direto, um argumento indutivo é aquele no qual a conclusão se segue das premissas apenas com probabilidade, sendo esta probabilidade uma questão de grau e dependente de qualquer outra coisa que possa ser o caso.”
Validade e Verdade
Outra questão importante e essencial para a compreensão do assunto diz respeito à relação entre validade e verdade. Ao contrário do que alguns podem pensar, os dois termos não são equivalentes ou sinônimos. A validade refere-se à relação entre o conjunto de proposições que servem como premissas e a proposição que serve como conclusão de um argumento. Desta forma, o termo validade nunca se refere à proposição em si mesma, desde que a relação de que precisamos não pode ser encontrada em apenas uma proposição.
Por outro lado, verdade e falsidade são atributos de proposições individuais. Uma proposição que atua como premissa em um argumento pode ser verdadeira, enquanto outra proposição do mesmo argumento pode ser falsa. E por mais estranho que possa parecer, proposição que é a conclusão deste argumento pode ser verdadeira, mesmo com uma das premissas falsas, e a inferência ser válida. Mais à frente mostrarei como isso é possível.
Em resumo, em um silogismo válido (e argumento em geral) se as premissas forem verdadeiras é impossível que a conclusão seja falsa. A conclusão é derivada das premissas necessariamente, então se um silogismo possuir uma forma válida e você aceitar as premissas como verdadeiras, você tem que aceitar a conclusão como verdadeira. É um postulado da lógica que a falsidade não pode ser extraída da verdade em uma forma válida.
Como assinalei anteriormente, e vou detalhar mais à frente, é possível termos premissas falsas e conclusão verdadeira num argumento válido. Isso mostra porque ao tentar rebater um argumento devemos primeiramente verificar as premissas e não a conclusão. Para evitar a confusão, devemos deixar claro:
num argumento válido, se as premissas são verdadeirasa conclusão não pode ser falsa; por outro lado, se as premissas forem falsas, a conclusão pode ser verdadeira ou falsa! A única garantia que a validade nos dá é no caso de premissas verdadeiras. De premissas falsas pode-se concluir qualquer coisa, não há controle, digamos assim.
num argumento válido, se as premissas são verdadeirasa conclusão não pode ser falsa; por outro lado, se as premissas forem falsas, a conclusão pode ser verdadeira ou falsa! A única garantia que a validade nos dá é no caso de premissas verdadeiras. De premissas falsas pode-se concluir qualquer coisa, não há controle, digamos assim.
Verdade é a concordância do sentido de uma proposição com a realidade. Se eu digo que a cidade de São Paulo é a mais desenvolvida do Brasil, a proposição é verdadeira. Se eu tivesse dito que São Paulo é a capital de Minas Gerais, seria uma proposição falsa. A decisão entre a verdade ou falsidade de uma proposição depende da verificabilidade do que foi asserido, por exemplo, se eu digo “Rio de Janeiro é a cidade mais violenta do mundo”, o valor-verdade desta proposição pode ser desconhecido até que eu verifique se existe alguma cidade no mundo onde a violência é maior, apesar de muitos serem tentados a considerá-la evidentemente verdadeira. Filósofos mais recentes, como Russell, chamaram a atenção para a importância do contexto em que uma proposição é afirmada, por exemplo, a proposição “São Paulo é a cidade mais desenvolvida do Brasil” poderia ser falsa se fosse dita daqui a 50 anos, da mesma maneira que a proposição “Rio de janeiro é a capital do brasil” era verdadeira em 1800, mas evidentemente falsa se proferida neste exato momento. Ou seja, uma proposição pode ser verdadeira em um determinado momento e falsa em outro.
Assim como o conceito de validade não pode ser aplicado a proposições, o conceito de verdade não pode ser aplicado a argumentos. Logo, é um equívoco dizer “este argumento é verdadeiro”.
Mas vale ressaltar que estamos definindo essas palavras sob o rigor filosófico, sendo quase desnecessário lembrar que na linguagem comum, tais termos como “verdadeiro”, “válido” e etc. são usados com muito mais liberdade, então em certos casos dizer que “tal argumento é verdadeiro”, pode não ser filosoficamente exato, mas pode ser reformulado como “a conclusão de tal argumento é verdadeira”.
A validade de um argumento depende de sua forma. Isto deve ser tomado em um sentido absoluto. Existem várias combinações de premissas verdadeiras e falsas distribuídas em inferências válidas e inválidas. A ocorrência de premissas verdadeiras nem sempre significa que o argumento que as contêm é válido. Isso será visto logo a seguir.
obs: Em lógica buscamos a correção nos argumentos. Em inglês esta propriedade é chamada de soundness. Os argumentos corretos são aqueles que possuem premissas e conclusão verdadeiras, e além disso, possuem uma forma válida. Portanto, não basta o argumento ter uma forma válida e enunciar proposições falsas; da mesma maneira, não basta um argumento ter proposições verdadeiras e uma forma inválida. Os argumentos devem ser corretos.
Silogismo
Aristóteles foi o responsável pela criação de toda a teoria do silogismo. Silogismos, grosso modo, são inferências que consistem em duas premissas e uma conclusão, sendo cada proposição composta por um sujeito e predicado ligados por um verbo, podendo cada proposição ser do tipo:
A: Universal Afirmativa(Todo S é P),
E: Universal Negativa (Nenhum S é P),
I: Particular Afirmativa (Alguns S são P) ou
O: Particular Negativa (Alguns S não são P).
Os termos S e P são mediados pelo termo médio M nas premissas e ligados (ou separados) na conclusão, e desta forma, o silogismo consiste em 3 termos. O termo médio aparece 2 vezes, uma vez em cada premissa, e se relaciona com um termo em cada uma delas.
A validade do silogismo depende exclusivamente da forma que as premissas e conclusão estão dispostas, as possibilidades de combinação na ordem dos tipos e termos são classificadas entre diversos modos e figuras do silogismo, resultando num total de 256 formas possíveis, onde apenas 19 são válidas.
Todo silogismo é um argumento, mas nem todo argumento é um silogismo, justamente porque o silogismo é uma forma específica de argumentação.
A validade do silogismo depende exclusivamente da forma que as premissas e conclusão estão dispostas, as possibilidades de combinação na ordem dos tipos e termos são classificadas entre diversos modos e figuras do silogismo, resultando num total de 256 formas possíveis, onde apenas 19 são válidas.
Todo silogismo é um argumento, mas nem todo argumento é um silogismo, justamente porque o silogismo é uma forma específica de argumentação.
Para ilustrar a importância da forma (estrutura) da inferência, invoco o (pseudo)silogismo mais utilizado em toda a história da filosofia:
Todos os homens são mortais
Sócrates é homem
Logo, Sócrates é mortal.
Posso seguramente dizer que a maior parte dos seres humanos, até os leigos em filosofia, concordarão que no silogismo acima é válido e se ocultarmos a conclusão, ela surgirá imediatamente na mente ao pensarmos nas duas premissas:
Todos os homens são mortais
Sócrates é homem
Logo …
É neste instante que nos deparamos com a necessidade lógica. No argumento válido, a conclusão, de alguma forma já está contida nas premissas e parece ser inevitável que a aceitemos como consequência.
Por este silogismo ser válido, pode-se dizer que a forma dele é válida, ou seja, não importa quais termos estejam no lugar de “homens”, “mortais” e “sócrates”, a conclusão será sempre necessária.
Se substituirmos os termos sujeito, predicado e termo médio por outras palavras, teremos o seguinte resultado:
Se substituirmos os termos sujeito, predicado e termo médio por outras palavras, teremos o seguinte resultado:
Todos os filósofos são jogadores de futebol
Sócrates é filósofo
Logo, Sócrates é jogador de futebol
Neste caso, a verdade da primeira premissa pode ser discutida e mostrar-se como falsa, resultando em uma conclusão falsa, mas de qualquer maneira, o silogismo ainda continua válido. Vamos examinar outro caso:
Todos os animais aquáticos têm duas asas
A vaca é um animal aquático
Logo, a vaca tem duas asas.
Apesar de ter premissas e conclusão falsas, o argumento também é válido. E finalmente:
Todas as aranhas tem 4 patas
O tigre é uma aranha
Logo, o tigre tem 4 patas.
Também é um argumento válido, com duas premissas falsas e uma conclusão verdadeira. Isso é surpreendente e pode ser usado para confundir muitas mentes, pode ser usado por muitos sofistas. Este último exemplo mostra que o fato de uma conclusão ser verdadeira não quer dizer que o argumento é correto(em inglês, sound), ou seja, válido e com premissas e conclusão verdadeiras; é por isso que ao avaliar um argumento deve-se verificar como a conclusão foi alcançada, ou seja, deve-se verificar as premissas, em todo argumento.
A forma geral deste argumento, ou silogismo, é:
Todo M é P
S é M
Logo, S é P
e a conclusão vai ser sempre inevitável, quaisquer que sejam os termos que apareçam no lugar dos símbolos S, P e M.
Lola
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