Cinismo
Neste link é possível ler
um breve trecho de "Crítica da Razão Cínica", de Peter Sloterdijk. No
excerto, o filósofo alemão narra a ocasião em que o pensador Theodor Adorno foi
impedido de subir ao palco do anfiteatro da Universidade de Frankfurt, onde
faria uma palestra, frustrado por algumas estudantes que levantaram suas roupas
e mostraram os seios em sinal de protesto. A intenção de Sloterdijk com a
história não é contar um causo filosófico, mas ilustrar sua reflexão sobre o cinismo. Porque mostrar
uma parte do corpo, que em geral segue sempre coberto, pode ser encarado como
uma forma de crítica, protesto ou mesmo violência? Não seria isso a indicação
do cinismo em nossa cultura?
"O
filósofo estava justamente em vias de começar sua preleção, quando um grupo de
manifestantes o impediu de subir ao tablado. [...] Entre os desordeiros, se
fizeram notar algumas estudantes que, em protesto, desnudaram seus seios diante
do pensador. De um lado, achava-se a carne nua, que exercia uma 'crítica', de
outro, o homem amargamente desiludido, sem que praticamente nenhum dos
presentes tivesse experimentado o significado de crítica – cinismo em ação. Não
foi a violência nua que emudeceu o filósofo, mas a violência da nudez. [...]
Onde encobrimentos são constitutivos de uma cultura, onde a vida em sociedade
está submetida a uma compulsão à mentira, na efetiva enunciação da verdade
surge um momento agressivo, um desnudamento involuntário. [...] Uma mistura de
cinismo, sexismo, 'objetividade' e psicologismo forma a atmosfera na
superestrutura do Ocidente: uma atmosfera de crepúsculo, boa para corujas e
para a filosofia.
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Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
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Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
Peter Sloterdijk: o cinismo e
a nudez da verdade
por
Peter Sloterdijk - 20.05.2016
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1969. O
filósofo Theodor Adorno é impedido, por manifestantes, de subir ao palco da
Universidade de Frankfurt, onde palestraria. As estudantes levantaram suas
blusas, expondo seus seios ao autor de Teoria Estética, lançado no ano anterior
ao protesto. Algo comum já na época, mas que suscitou, em Adorno, uma reação
intrigante para seu conterrâneo Peter
Sloterdijk: “Não foi a violência nua que emudeceu o
filósofo, mas a violência da nudez", comenta Sloterdijk.
Tornar
o corpo uma forma de violência emudeceu Adorno, mas deu luz ao pensamento de
Sloterdijk, exposto na obra Crítica da razão cínica, o maior best-seller alemão de filosofia desde a
Segunda Guerra Mundial.
Neste
breve excerto do livro, Sloterdijk fala sobre esta transformação social e
comenta o porquê dela ter lhe estimulado - sobre como a verdade, em uma
sociedade cuja cultura é constituída por encobrimentos, surge de um
desnudamento agressivo e involuntário.
*
* *
Devem ter notado: há um rastro de
consideração exagerada na fundamentação para que ela possa ser totalmente
verdadeira. Aceito a impressão de que se trataria de uma tentativa de salvação
para o “Esclarecimento" e para a Teoria Crítica; os paradoxos do método
salvador cuidam para que essa não permaneça como uma primeira impressão.
Se parece de início que o Esclarecimento
desembocaria na desilusão cínica, então a página é logo virada e a investigação
do cinismo se transforma na fundamentação de uma boa ausência de ilusões. O Esclarecimento
sempre significou, de saída, desilusão no sentido positivo e, quanto mais se
progride, tanto mais próximo se acha um instante no qual a razão nos conclama a
tentar uma afirmação.
Uma filosofia a partir do espírito do
sim também inclui o sim ao não. Não se trata nesse caso de nenhum positivismo
cínico, de nenhuma atitude “afirmativa". O sim, que tenho em vista, não é
o sim de um vencido. Se se esconde nele algo da obediência, então seria da
única obediência que podemos supor em relação a homens esclarecidos, a
obediência a uma experiência própria.
A neurose europeia concebe a felicidade
como uma meta e o empenho racional como caminho até ela. É preciso quebrar sua
compulsão. É preciso dissolver o vício crítico do aprimoramento, e isso em
favor do bem, do qual desviamos tão facilmente em longas marchas. De maneira
irônica, a meta do empenho maximamente crítico é o deixar-se levar mais
desprendido.
Não muito tempo antes da morte de
Adorno, houve uma cena em um auditório da Universidade de Frankfurt que se
ajusta como uma chave à análise do cinismo aqui iniciada.
O filósofo estava justamente em vias de
começar sua preleção, quando um grupo de manifestantes o impediu de subir ao
tablado. Algo desse gênero não era incomum no ano de 1969. Nesse caso, porém,
algo obrigou as pessoas a olharem mais atentamente. Entre os desordeiros, se
fizeram notar algumas estudantes que, em protesto, desnudaram seus seios diante
do pensador.
De um lado, achava-se a carne nua, que
exercia uma “crítica", de outro, o homem amargamente desiludido, sem que
praticamente nenhum dos presentes tivesse experimentado o significado de
crítica – cinismo em ação.
Não foi a violência nua que emudeceu o
filósofo, mas a violência da nudez. Justo e injusto, verdadeiro e falso foram
misturados nessa cena de maneira inextrincável, de uma maneira que é pura e
simplesmente típica para cinismos. O cinismo ousa se mostrar com verdades nuas,
que mantêm algo falso no modo como são expostas.
Onde encobrimentos são constitutivos de
uma cultura, onde a vida em sociedade está submetida a uma compulsão à mentira,
na efetiva enunciação da verdade surge um momento agressivo, um desnudamento
involuntário. Todavia, o impulso ao desentranhamento é, em longo prazo, o mais
forte.
Em primeiro lugar, a nudez radical e o
desvelamento das coisas nos livram da compulsão para a imputação desconfiada.
Querer aceder à “verdade nua" é um tema da sensibilidade desesperada, que
se dispõe a rasgar o véu das convenções, mentiras, abstrações e discrições a
fim de chegar às coisas mesmas. Quero perseguir este tema. Uma mistura de
cinismo, sexismo, “objetividade" e psicologismo forma a atmosfera na
superestrutura do Ocidente: uma atmosfera de crepúsculo, boa para corujas e
para a filosofia.
In fronteiras do pensamento
Lola
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