Timothy Morton
"É urgente mudar a nossa relação com
outros seres do Universo, sejam animais, vegetais ou minerais"
Filósofo do Antropoceno, colaborador de
Björk, o inglês Timothy Morton defende, ante a crise ambiental, que é urgente
abandonar a visão antropocêntrica e abraçar um novo paradigma em que todos os
seres do Universo, humanos e não humanos, coexistam. Esta sexta vai estar no
Fórum do Futuro no Porto.
É
necessário repensar as nossas ideias sobre o que significa existir, o que é a
Terra ou a sociedade, a partir das questões ecológicas que enfrentamos. É este
o desafio, gigante, mas essencial, do britânico Timothy Morton (Londres, 1968), figura
inquieta e complexa, um dos filósofos mais influentes da actualidade,
que vai estar esta sexta-feira no grande auditório do Rivoli, no contexto do Fórum do Futuro no Porto,
para reflectir sobre o destino do planeta com o artista e realizador Ben
Rivers.
Nos
últimos tempos a sua ascensão mediática é fulgurante. Professor na Universidade
Rice de Boston, publicou 14 livros e o seu trabalho tem influenciado figuras como a islandesa Björk ou
os artistas Haim Steinbach, Philippe Parreno e Olafur Eliasson, com os quais tem vindo a
colaborar. Não é porque as suas ideias sejam de fácil assimilação. São até
intrincadas e controversas, mas têm beneficiado de uma maior compreensão devido
aos problemas do planeta e à necessidade de os discutir. Talvez por isso aquilo
que há pouco tempo parecia confinado aos circuitos académicos tem tido cada vez
mais impacto fora deles, disseminando-se por vários quadrantes.
“Hoje
quase tudo o que fazemos é uma questão ambiental. Isso não era verdade há
algumas décadas, ou pelo menos não havia essa percepção”, diz-nos Morton. “Os
seres humanos tornaram-se uma força geofísica à escala planetária e isso tem
consequências. Mas é apenas quando nos deparamos com as nossas acções sobre o
planeta que percebemos o quanto realmente fazemos parte dele. Por isso, perante
a crise ambiental, é urgente abandonar a visão antropocêntrica que ainda vai
subsistindo.”
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"Grande parte da crise ecológica em que estamos imersos tem que ver com a nossa forma de pensar e isso pode mudar.” Timothy Morton |
O que tem vindo ele a dizer? No seu livro mais citado (Ecology without Nature, 2007), questiona a noção de “natureza” e a divisão que diz ser errónea entre humanidade e natureza, propondo um novo olhar ecológico. Diz que temos de mudar a perspectiva antropocêntrica. Os seres humanos não são a medida de todas as coisas. É preciso reavaliar o papel da humanidade e o seu impacto no planeta. Refere que uma característica distintiva do mundo actual é a presença daquilo que denomina como “hiperobjectos” (aquecimento global, biosfera, buracos negros), algo que excede, em escala e no tempo, a apreensão humana. No seu último livro, Humankind (2017), expõe que seres e entidades não humanas são tão importantes, e reais, como nós, argumentando que por isso são merecedoras de solidariedade. “É urgente mudar a relação com outros seres do Universo, sejam animais, vegetais ou minerais”, afirma.
Esteve
ligado ao movimento filosófico Ontologia Orientada para Objectos (OOO) que
propõe outra relação com o mundo, os objectos e as hierarquias. O ser humano
deixa de ser o centro do Universo e não se posiciona acima de outros seres. No
fim de contas postula que todas as entidades são interdependentes, de objectos
a animais, de plantas a minerais. “Temos de abandonar essa crença de que ainda
controlamos o planeta. O desastre ecológico não é iminente. Ele já aconteceu”,
afirma provocatoriamente ou não. A esse fenómeno chama-lhe “ecologia negra”.
Teorias
que, convenhamos, transformam a percepção do que significa existir neste
planeta. “Bem, sim, podem mudar profundamente as coisas”, declara. “Tendemos a
ser menos violentos em relação aos seres sobre os quais possuímos qualquer tipo
de consciência. E isso reduz o antropocentrismo que tanto tem perturbado as
questões ecológicas. Dito isto, essa consciência não é uma espécie de prémio
que nos faça sentir muito evoluídos. Ou pondo a questão de outra forma: seja
qual for o tipo de consciência que exista, a sensação que fica é que ela está
fora de prazo.”
As
suas teorias podem parecer exóticas, mas estão em sintonia com a noção de que
estamos a entrar numa nova fase da História do planeta (aquilo
a que Morton e outros chamam Antropoceno), depois de 12 mil anos na
época geológica Holoceno, conhecida pelo clima temperado e estável. Por detrás
do Antropoceno está a concepção desse momento na História do planeta em que a
influência humana é predominante. Hoje os seres humanos serão a principal causa
da transformação da Terra.
Começamos
a alterar a Terra de uma forma tão drástica que, de acordo com muitos
cientistas, uma nova era, mais volátil, está a emergir na forma de clima
extremo, falta de recursos ou espécies em extinção. As provas desse impacto
humano preponderante (em termos geológicos) já estão aí na forma de camadas,
incluindo os plásticos fossilizados e as camadas tanto de carbono como das
partículas radioactivas. Neste quadro, o Antropoceno tornou-se uma ferramenta
útil para colocar a actividade humana na perspectiva do tempo geológico longo,
sendo ao mesmo tempo um momento de tomada de consciência para a humanidade.
Não
só nos deparamos com a destruição ecológica ou o aquecimento global, como
sabemos a todo o momento que estamos a fazê-lo. Morton acredita que isto
constituiu uma revolução na compreensão do nosso lugar no Universo. “Vivemos
com uma precisão moral que antes não existia”, afirma, recorrendo a um exemplo
inscrito na obra Dark Ecology: For a Logic of Future Coexistence (2016):
“Quando ligamos a ignição do carro, não estamos a pensar que vamos prejudicar a
Terra, quanto mais contribuir para causar a sexta extinção em massa nos 4500
milhões de anos da História da vida neste planeta, mas é isso que acontece, se
multiplicarmos esse acto individual pelos milhões e biliões de vezes em que
isso é feito colectivamente pela espécie humana ao longo do tempo.”
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"Os humanos são uma força geofísica à escala planetária. Grande parte da crise ecológica em que estamos imersos tem que ver com a nossa forma de pensar e isso pode mudar.” Timothy Morton |
Nos
últimos anos muitos ambientalistas têm vindo a alertar-nos para cataclismos
ambientais. Morton é mais iconoclasta. Para ele a catástrofe já aconteceu.
“Durante gerações pensávamos que estávamos simplesmente a manipular ou a
controlar outros seres num vazio a que chamamos ‘meio ambiente’, mas essa ideia
de que a ‘natureza’ está separada de nós tem sido posta em causa. Está tudo
interligado. Sempre esteve. Até as coisas que julgamos estar a deitar fora –
mas a deitar fora para onde, se do planeta Terra não saem? – exigem a nossa
solidariedade.” É isso. Mesmo aquilo que consideramos lixo, garrafas de
plástico, ar poluído ou excrementos não desaparece. Quando muito vai apenas
para outro sítio. "Estamos todos, humanos e não humanos, por assim dizer,
imersos na mesma realidade simbiótica.” Está tudo interligado. A solução é a
coexistência ecológica.
Num
dos seus livros mais conhecidos (Hyperobjects: Philosophy and Ecology after
the End of the World, 2013) discorre sobre o facto de a ciência apenas
sublinhar o quão estamos apanhados “na malha” juntamente com outros seres, como
os micróbios que constituem cerca de metade das células do nosso corpo. “Um
hiperobjecto é qualquer entidade que é tão maciçamente distribuída no tempo e
no espaço, existindo em tantas escalas temporais e espaciais ao mesmo tempo,
que é praticamente impossível compreender tudo de uma só vez”, afirma ele,
tentando dar exemplos.
“Nós,
seres humanos, necessitamos de dispositivos prostéticos muito poderosos, como
os computadores mais rápidos da Terra, para obter, por exemplo, a sensação de
aquecimento global. Ou imagine todos os copos de poliestireno na Terra – todos
os que foram ou serão produzidos. Nem todos estão a ser usados agora! Alguns
estão em aterros sanitários, outros flutuando no oceano ou à espera num
armazém. Em parte, a consciência ecológica significa estar ciente de que não
estamos apenas perto desses objectos. De alguma forma somos parte deles.”
Na
sua desmesura, essas entidades, os hiperobjectos, alertam-nos para os limites
da ciência e em consequência do domínio humano. O que talvez signifique mudar
de paradigma: de um em que predomina a exploração através da ciência para outro
que Morton denomina como “solidariedade através da ignorância”. “Se falharmos
nisso, iremos continuar a causar destruição, a ameaçar formas de vida que
prezamos e até a colocar em causa a nossa existência, porque dependemos dessa
coexistência.” Em contraste com as fantasias de que iremos ser salvos pela
tecnologia, o Antropoceno postula que não podemos superar limitações ou a
dependência face a outros seres.
Ao
mesmo tempo só agora parecemos tomar consciência da magnitude e da continuidade
das mudanças que enfrentamos. Isso não significa que estejamos condenados a
aceitá-las passivamente, diz-nos Morton: “Não existe nada que possamos fazer em
relação ao passado, é certo. Da mesma forma que me parece imperativo aceitar o
Antropoceno como algo real. Os humanos transformaram-se numa força geofísica à
escala planetária. Mas aceitar isso não significa que tenhamos de nos colocar
na posição fetal e escondermo-nos. Grande parte da crise ecológica em que
estamos imersos tem que ver com a nossa forma de pensar e isso pode mudar.”
Como é normal algumas das ideias que defende têm sido alvo de críticas. Uns acusam-no de não compreender a ciência contemporânea. Outros de propor ligações demasiado ambiciosas. Também existe quem o acuse de, principalmente à esquerda, não ter em atenção que a espoliação na Terra não dever ser atribuída à humanidade em geral, mas sim ao capitalismo (predominantemente branco, ocidental e masculino), algo que parece contestar, e ao mesmo tempo transcender, na sua última obra.
Também
existem correntes ambientalistas que o contestam. A sua visão da “natureza” é
tudo menos harmónica. E não existe qualquer espécie de paternalismo no seu
pensamento. Proclama que é urgente colocarmo-nos ao lado de animais ou
minerais, ou que temos de repensar a forma como olhamos para a ecologia, mas
não o diz como opção. É porque essa é, na sua visão, a única forma de todos
podermos sobreviver.
Ainda
assim considera-se um optimista. Quando lhe perguntamos de onde lhe advém essa
faceta, discorre sobre algumas das suas inspirações como a arte, a música, a
meditação, o budismo, a física, a biologia e a ecologia e “o fio que corre
através disso tudo, contemplar, ouvir, tentar compreender”. E conclui: “O meu
optimismo advém daí, desse trabalho de afinar e estar aberto ao mundo. Às vezes
surpreendo-me com o que penso ou digo e isso acontece porque acredito mesmo que
nos podemos surpreender.”
Publico
10 de Novembro
de 2017, 7:26
Lola
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