sábado, 2 de dezembro de 2017

Dedução e indução



                       





                   







Dedução e indução

Qual a diferença entre a validade dedutiva e a validade indutiva? 

A primeira coisa a dizer é que alguns alunos trazem a ideia falsa de que nas deduções se parte do geral para o particular, ao passo que nas induções se parte do particular para o geral. As duas ideias são falsas, o que é fácil provar recorrendo a dois contra-exemplos simples:


Alguns estudantes são portugueses.

Logo, alguns portugueses são estudantes.

Todos os canários que vi são amarelos.
Logo, o canário do Luís é amarelo.

No primeiro caso, temos uma dedução, mas tanto a premissa como a conclusão são particulares e não gerais. No segundo, temos uma indução, mas a conclusão é particular ao passo que a premissa é geral. 

Estes contra-exemplos são também suficientes para mostrar que uma variante da ideia que muitos estudantes trazem está errada, nomeadamente, a ideia de que na dedução as premissas são mais gerais do que a conclusão e na indução as conclusões são mais gerais do que as premissas. 

Pondo de lado estas ideias erradas, qual é a diferença real entre dedução e indução? A diferença é algo subtil, pois envolve as intenções de quem raciocina ou argumenta, e não apenas o raciocínio ou argumento em si. Eis a definição correcta de raciocínio dedutivo e indutivo:
  • Um raciocínio é dedutivo se, e só se, se pretende que a sua validade exclua a possibilidade de ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.
  • Um raciocínio é indutivo se, e só se, se pretende que a sua validade torne improvável, mas não exclua, a possibilidade de ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.
Como é evidente, nenhuma destas definições é particularmente operativa para alunos do ensino secundário, e isto não é o género de coisa que deveria ser avaliado em exames nacionais. O que se deve avaliar é apenas a distinção entre validade dedutiva e validade indutiva, pois neste caso as coisas não apenas são muito directas, como são operativas (pois está em causa compreender a própria validade). A diferença é esta:
  • Um raciocínio é dedutivamente válido se, e só se, é impossível que tenha premissas verdadeiras e conclusão falsa.
  • Um raciocínio é indutivamente válido se, e só se, não é impossível que tenha premissas verdadeiras e conclusão falsa, mas é improvável. 
Esconde-se aqui mais uma subtileza: "impossível" em que sentido? Há vários sentidos de possibilidade e impossibilidade: lógica, metafísica, física. A impossibilidade aqui em causa é a lógica. Mas o que é afinal tal coisa? Isso ultrapassa o âmbito deste apontamento, mas a minha posição é que não existe realmente tal coisa: a impossibilidade lógica é apenas composta de dois elementos: 1) a única impossibilidade real que existe, que é a metafísica, e 2) uma dada relação epistémica entre as premissas e a conclusão. Isto, contudo, é uma subtileza que, decididamente, não deve fazer parte do ensino secundário. 

Como se vê, a diferença entre validade dedutiva e validade indutiva é muito clara; e o seu domínio é operativo e importante para os alunos. Mas a distinção entre dedução e indução está longe de ser clara e operativa, pois envolve o conceito não-lógico de ter uma dada intenção. Efectivamente, para o dizer de maneira simples, os argumentos não têm em si qualquer característica que faça deles dedutivos ou indutivos; o que se passa é que quem apresenta tais argumentos tem em mente um padrão dedutivo de validade, ou então um padrão indutivo de validade. Mas o argumento em si não é dedutivo nem indutivo: é apenas um argumento em que há ou não há validade dedutiva ou validade indutiva. 

As pessoas não se dão muitas vezes conta da subtileza que envolve a definição de argumento dedutivo porque, estranhamente, se esquecem que há argumentos dedutivos inválidos. É o caso da afirmação da consequente, por exemplo:

Se Eça de Queirós nasceu em Paris, não nasceu em Portugal.
Ora, ele não nasceu em Portugal. 
Logo, nasceu em Paris.

Esta é uma dedução inválida, e por isso é incorrecto definir argumento dedutivo dizendo que nestes a conclusão se segue logicamente das premissas, ou algo equivalente a esta ideia. Por isso, é incorrecto contrastar a dedução com a indução dizendo que no primeiro caso a conclusão se segue logicamente das premissas, ao passo que no segundo isso não acontece. (Além disso, mesmo a definição de validade dedutiva em termos de a conclusão se seguir logicamente das premissas é inadequada porque é circular: quem precisa que lhe seja explicado o que é a validade dedutiva certamente não faz ideia alguma do que é isso de uma conclusão se seguir logicamente de premissas!)

Porque há argumentos dedutivos inválidos, tudo o que podemos dizer para explicar por que são dedutivos é que quem os apresentou tinha em mente o padrão de validade dedutiva; um argumento dedutivo inválido é dedutivo porque é um argumento dedutivamente válido falhado, digamos assim.

Em conclusão, talvez a insistência em pedir aos alunos para falar da diferença entre dedução e indução seja um resquício do tempo em que, erradamente, se pensava que a diferença era uma questão de se partir do geral para o particular ou ao contrário. Quando se vê claramente que isto é um erro, nada há de adequado para avaliar no que respeita a tal distinção, pois não só é demasiado subtil como é largamente irrelevante; o que é relevante e muito directo é a diferença entre a validade dedutiva e a validade indutiva, e é isso que deve ser trabalhado com os alunos e avaliado. 


 



Lola

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