A lógica proposicional - disciplina que substitui cada proposição simples por uma letra e a liga com outras proposições, simbolizadas por letras, através de conectivas - possui deficiências estruturais no conjunto de leis que a constituem. Tão cantada pela harpa de alguns tecnocratas do «pensamento», é, no entanto, uma lógica menor que no seu intuito de simplificação do pensamento, agilizou, em certos casos, e simultaneamente empobreceu este. Eis algumas objecções ao corpo teórico desta lógica.
A AFIRMAÇÃO DO CONSEQUENTE NEM SEMPRE É FALÁCIA
Os manuais de Filosofia, do 11º ano em Portugal, incluem a seguinte regra da lógica proposicional, advinda da lógica clássica de predicados:
«No silogismo condicional do tipo modus ponens (p→q, p, logo q) - composto por duas premissas, a primeira delas condicional, e uma conclusão - a afirmação, na segunda premissa, do consequente da primeira é inválida, cria uma inferência inválida ou falácia.»
Eis um exemplo extraído de um manual escolar português:
Exemplo 3- Falácia da afirmação do consequente:
«Se Pedro pensa, então vive.
«Como Pedro vive
«Então, Pedro pensa».
(in «Razão e Diálogo», manual de Filosofia 11º ano, de Neves Vicente, Porto Editora, Porto, 2004, pag. 63).
De facto, trata-se de uma falácia ou erro de pensamento porque nem sempre o viver humano implica o pensar: se Pedro estivesse num estado vegetativo, fruto de uma lobotomia, viveria sem pensar, pelo menos aparentemente.
No entanto, se construirmos de outro modo um silogismo modo ponens, continuando a afirmar na segunda premissa o consequente da primeira premissa, não existe falácia. É o caso seguinte:
«Se estou em Lisboa, visito a torre de Belém.
«Visito a torre de Belém.»
«Logo, estou em Lisboa».
Neste silogismo a segunda premissa afirma o consequente da primeira mas
o silogismo não se converte em falácia. É válido (formalmente) e verdadeiro (materialmente). Porquê?
Porque o consequente da primeira premissa (lugar da torre de Belém) está incluído, implicitamente, no antecedente (lugar de Lisboa, isto é género que inclui, como espécie ou indivíduo, o lugar Torre de Belém).
Portanto, a regra geral da lógica proposicional segundo a qual «a afirmação do consequente na segunda premissa de uma inferência modo ponens invalida esta» é falsa: sempre que o consequente estiver englobado no antecedente da primeira premissa, ou dito de outro modo, sempre que o antecedente for um predicado do consequente ( No caso acima, «estar em Lisboa» é um predicado de «Torre de Belém»: a Torre de Belém está em Lisboa), a afirmação do consequente não gera uma falácia mas constrói um silogismo válido.
Não sei se Bertrand Russel ou Alfred Withehead, lógicos famosos do século XX, responderam a esta objecção (não conheço a totalidade da obra destes filósofos) mas de todos os manuais de lógica que conheço não encontrei, sequer, levantada esta objecção que me parece óbvia e de fundamento sólido.
As conectivas ou operadores proposicionais (conjuntor, disjuntor inclusivo, disjuntor exclusivo, condicional e bicondicional) são insuficientes para construir uma lógica proposicional correcta. Seria necessário juntar-lhes o sinal de inclusão e o de exclusão de uma proposição ou de um conceito desta em relação a outra proposição ou a um conceito desta mas isso implica entrar na lógica de predicados, na lógica ideal-substancial.
A lógica proposicional é demasiado rígida para ser uma lógica viva, científica. É parcialmente válida e parcialmente errónea, como se viu no exemplo que acima dei.
Sem operar constantemente com a lógica de predicados, com as noções de género, espécie e indivíduo, - sem dúvida o maior contributo que o velho Aristóteles deu à filosofia e à lógica, a par das noções de acto e potência e de quatro causas de um ente - não é possível estruturar um pensamento lógico científico. Logo, por si só a lógica proposicional não oferece consistência suficiente: é inconsistente em determinadas regras.
A REGRA DA DUPLA NEGAÇÃO, GERADORA DE FALÁCIAS
Um dos argumentos com o negador, intitulado regra da Dupla Negação - simbolização: ~ ~(p^q),então p^q ) - é considerado válido nos manuais de Lógica Proposicional. Diz o manual de J.Neves Vicente, da «Porto Editora»:
Formulação da regra da dupla negação:
Se temos como premissa uma proposição duplamente negada, podemos inferir como conclusão a sua afirmação, e vice-versa.
«Exemplo 2 da dupla negação (válido):
«Se não é certo que Russel e Whitehead não são os autores dos Principia Mathematica
«então é certo que o são»
Simbolização: ~ ~(p^q) I- p^q
(in «Razão e Diálogo», manual de Filosofia 11º ano, de Neves Vicente, Porto Editora, Porto, 2004, pag. 77).
No entanto, se analisarmos do ponto de vista da lógica ideal substancial, verificamos que o exemplo é uma falácia ad ignoratiam: o facto de não termos a certeza se Russel e Whitehead não são os autores de um dado livro, não permite inferir com absoluta segurança que sejam os autores desse livro.
Dou outro exemplo:
«Se não é certo que Deus e os anjos não são os autores do mundo da matéria
«Então é certo que são os autores do mundo da matéria».
Isto é uma falácia. Se uma proposição é incerta, meramente verosímil, não pode ser transformada por esta via lógico «dedutiva» em proposição afirmativa válida e verdadeira. Esta inferência da dupla negação salta «por cima» do princípio do terceiro excluído (uma coisa ou qualidade pertence ao grupo A ou não A, excluindo outra hipótese) que considera a existência de três pólos (verdadeiro, falso e versosímil) reduzindo-os, momentaneamente, a dois campos, segundo a lei da contradição principal da dialéctica: o campo do verdadeiro (confirmado) e o campo do não verdadeiro (que inclui o falso e o verosímil ou provavelmente verdadeiro).
Aqui reside a grande falha da lógica proposicional: a não utilização do princípio lógico do terceiro excluído - que contempla as frases do tipo «Provavelmente, o átomo existe», «Não é certo que Deus seja o criador de tudo» - absolutamente indispensável a um raciocínio correcto.
Lola
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