Facebook e Manipulação
A perfeita máquina de manipulação
As ferramentas que a rede criou são perfeitas para manipular sentimentos
e distribuir informação falsa, pondo em causa os fundamentos da sociedade
aberta.
A frase é de Matteo Salvini, o populista italiano que
venceu as eleições legislativas no dia 4: “Obrigado a Deus pela Internet,
obrigado a Deus pelas redes sociais, obrigado a Deus pelo Facebook.” Não é por
acaso: a sua campanha ganhou dimensão graças à manipulação dos sentimentos dos
utilizadores da rede social criada por Mark Zuckerberg. Num tribunal, esta
seria a prova número 1 apresentada por uma acusação ao Facebook.
A cartilha seguida foi exactamente a mesma que antes
tinha sido usada na eleição de Donald Trump e no referendo sobre o “Brexit”
britânico: uma análise de sentimentos dos utilizadores do Facebook, a par de
uma segmentação muito fina de informação capaz de manipular as emoções dos
eleitores. Segue a prova número 2: Brad Parscale, o director de campanha de Donald Trump,
foi claro quando, em Lisboa, aproveitou a Web Summit para dizer: “Ganhámos as
eleições no Facebook.” Por causa disto, decorrem extensas audições no Senado
americano que discutem até onde foi a manipulação dos eleitores americanos e de
que forma ela decorreu.
No referendo que decidiu a saída do Reino Unido da
União Europeia, mais do mesmo (é a prova número 3): a receita original foi
testada aqui, graças aos 50 milhões de perfis roubados do Facebook pela
empresa Cambridge Analytica. Esta empresa
é detida pela família Mercer, principal financiadora da campanha de
Donald Trump e dos projectos de Steve
Bannon, o demagogo que fundou e dirigiu o site Breitbart e que agora anda pela
Europa a difundir os planos para uma Internacional Populista. O caso foi
revelado este sábado no jornal britânico Observer e
confirma que o Facebook sabia de tudo, mas optou por tentar esconder os factos
do grande público.
Manipulação
de sentimentos
Até muito recentemente, era o próprio Facebook que
fazia gáudio em demonstrar a sua capacidade para manipular os sentimentos e
influenciar eleições. A rede social foi desde o início pensada para estimular o
máximo de interacções entre utilizadores, de forma a que as campanhas
publicitárias pudessem ser dirigidas com a máxima precisão – em função das
informações que todos os utilizadores, todos os dias, deixam no Facebook e nos
outros sites que usam nos aparelhos onde têm a aplicação. A recolha de dados é tão
extensa e tão apurada que permite que os algoritmos da empresa conheçam melhor os
utilizadores do que a sua família,
como revelou o estudo de 2015 cujos dados acabaram por ser comprados pela
Cambridge Analytica. Douglas Rushkoff, teórico dos media digitais,
referiu-se à forma como os dados são explorados no seu livro Throwing
Rocks at the Google Bus: “Combinando isto [os dados dos
utilizadores] com a capacidade da Internet em monitorizar utilizadores
individuais, temos uma solução de marketing verdadeiramente personalizada. Em
vez de comprarem anúncios que todos os visitantes de uma página da Web vêem, os
anunciantes podem limitar os seus gastos com publicidade para o seu
público-alvo.” E, nos estudos de caso que usava para promover a compra de
publicidade na rede social, era o próprio Facebook que demonstrava como
conseguiu influenciar a votação em vários escrutínios – mas desde sábado que
estes exemplos desapareceram da página, apesar de esta ser a prova número 4.
Ora, foram estas ferramentas que foram usadas para
estimular a vitória de Trump. Agora que as investigações estão a ser tornadas
públicas, começa a perceber-se a forma como decorreu a manipulação. Prova
número 5: por um lado, estimulou-se a divisão no eleitorado de Hillary,
espalhando notícias falsas que criaram dúvidas sobre a sua capacidade de
representar efectivamente os cidadãos visados na segmentação dos anúncios (por
exemplo, fazendo chegar a cidadãos negros notícias em que eram inventadas
declarações insultuosas da candidata). Por outro lado, espalharam-se
informações que mobilizaram de forma acirrada os potenciais apoiantes de Trump,
dando a entender a cada pequeno grupo de utilizadores que ele seria o ideal
para os representar (em que, por exemplo, os funcionários de uma pequena
empresa de exploração de petróleos receberiam notícias que atestavam como o
candidato apoiava essa indústria e, ao mesmo tempo, os habitantes desse estado
eram visados em posts que mostravam Trump como defensor da
qualidade de vida da região). O próprio líder da campanha reconheceu que fazia
60 mil variações diárias de publicações para explorar de forma mais certeira os
sentimentos da população. Numa eleição com o eleitorado americano tão dividido,
esta acção foi decisiva – passou para segundo plano que as notícias
fossem falsas e que o objectivo fosse manipular emoções, o que se pretendia era
a vitória.
Agora sabe-se que a Rússia teve uma intervenção
decisiva na campanha eleitoral americana e que pagou milhares de anúncios no
Facebook para alterar os sentimentos e a percepção face aos candidatos, na
maior acção de propaganda e ingerência alguma vez registada. O caso levou à acusação de 13 operacionais russos por parte do
procurador especial Robert Mueller,
está a azedar as relações entre as superpotências e pode no limite conduzir à
queda de Trump – se se concluir que houve conluio com o Kremlin para disso
retirar benefícios. E, dadas as muitas ligações da família Mercer e da família
Trump a interesses russos, o cerco começa a ficar muito mais apertado para o
Presidente americano. São as provas números 6 e 7.
Quando em 2010 abriu o Facebook ao mercado, Mark
Zuckerberg anunciou, triunfante: “Ao dar às pessoas o poder de partilhar,
oferecemos a oportunidade de fazer com que as vozes de todos sejam ouvidas a
uma escala surpreendente. Estas vozes vão crescer em número e em volume. Não
vão poder ser ignoradas. Esperamos que, a seu tempo, os governos se tornem mais
atentos aos problemas que as populações levantam directamente, substituindo os
intermediários que são controlados por alguns.” Só faltou dizer que o que iria
acontecer seria a manipulação da escolha dos governos por quem mais paga e quem
melhor manipula. É a oitava e derradeira prova.
Franklin Foer, jornalista que tem documentado a interacção
das grandes empresas com a cultura popular e que escreveu um livro sobre o
tema, tem uma visão muito pessimista: “Estamos à beira deste precipício que é a
era das artes e ideias criadas por algoritmos. As máquinas sugerem os tópicos
mais populares a serem debatidos pelos humanos, e estes cada vez mais obedecem.
Em vez de experimentarmos e procurarmos a novidade, deixamos que os dados nos
mostrem o caminho, moldando-nos de acordo com uma fórmula.”
O norte-americano argumenta que estamos na era da “manipulação
desmedida” e que não podemos baixar os braços. “A eleição de Donald Trump
trouxe também o choque do reconhecimento colectivo de que a nossa cultura
mediática está degradada e uma sensação de que precisamos de defensores da
verdade mais empenhados do que os guardiões do Facebook e da Google.
Compreender o problema não basta. Temos de deixar que a nossa análise ao
problema nos guie até soluções radicais antes que transformemos de forma
irreversível os nossos mais importantes valores e instituições”, apela.
É cada vez mais óbvio que o Facebook é uma ferramenta
pensada desde o início para manipular utilizadores. Se o
objectivo inicial era a venda de publicidade, é importante ter em conta
que todas as evoluções na rede foram propositadas para melhor interferir com os
desejos e expectativas dos cidadãos. A acusação agora é pública: a
ferramenta que só queria vender publicidade transformou-se na melhor arma de
intervenção política alguma vez inventada, com impacto directo na vida de um
terço dos cidadãos do planeta.
In Público
20 de Março de 2018, 6:06
Lola
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