É a
crença verdadeira justificada conhecimento?
Nos últimos anos fizeram-se várias tentativas para estabelecer
as condições necessárias e suficientes para que alguém conheça uma dada
proposição. Essas tentativas têm sido muitas vezes tais que podem ser
formuladas de modo semelhante ao seguinte:
a) S sabe
que P se, e só se,
i. P é
verdadeira,
ii. S acredita que P e
iii. S está justificado a acreditar que P1
Por exemplo, Chisholm defende que o que se segue fornece as
condições necessárias e suficientes para o conhecimento:2
b) S
sabe P se, e só se,
i. S aceita
que P,
ii. S tem provas adequadas para P, e
iii. P é verdadeira
Ayer
apresenta as condições necessárias e suficientes para o conhecimento da
seguinte maneira:2
c) S
sabe que P se e só se
i. P é
verdadeira,
ii. S está seguro que P é verdadeira
iii. S tem o direito de estar seguro que P é verdadeira.
Irei argumentar que a é
falsa, pois as condições dadas acima não constituem uma condição suficientepara a
verdade da proposição de que S sabe
que P.
O mesmo argumento irá mostrar que b e c falham se
substituirmos “tem provas adequadas para” ou “tem o direito de estar seguro
que” por “está justificado em acreditar que”.
Irei começar por chamar a atenção sobre dois aspectos. Em
primeiro lugar, se tomarmos “justificado” no sentido em que S está justificado
em acreditar que P constitui uma condição necessária para que S saiba que P,
então é possível que uma pessoa esteja justificada em acreditar numa proposição
que é de facto falsa. Em segundo lugar, para toda a proposição P, se S está
justificado em acreditar que P e P implica Q e S deduz Q de P e aceita Q como
resultado desta dedução, então S está justificado em acreditar que Q. Tomando
em consideração estes dois aspectos, irei passar a apresentar dois casos nos
quais as condições estabelecidas em a se
verificam para algumas proposições, apesar de ser ao mesmo tempo falso que a
pessoa em causa conheça essa proposição.
Caso I
Suponha-se que Smith e Jones se tinham candidatado a um certo
emprego. E suponha-se que Smith tem fortes provas a favor da seguinte
proposição conjuntiva:
d) Jones
é o homem que vai conseguir o emprego, e Jones tem dez moedas no bolso.
As provas que Smith tem a favor de d podem ser
que o presidente da companhia lhe tenha assegurado que no fim Jones seria
seleccionado e que ele, Smith, tenha contado as moedas do bolso de Jones há dez
minutos. A proposição d implica:
e) O
homem que vai ficar com o emprego tem dez moedas no bolso.
Suponha-se que Smith vê que d implica e e que
aceita e com
base em d,
a favor da qual ele tem fortes provas. Neste caso, Smith está claramente
justificado em acreditar que e é
verdadeira.
Mas imagine-se que, além disso, sem Smith o saber, é ele e não
Jones que vai ficar com o emprego. Imagine-se também que, sem o saber, ele
próprio tem dez moedas no bolso. A proposição e é assim verdadeira, apesar de a
proposição d,
a partir da qual Smith inferiu e, ser
falsa. Assim, no nosso exemplo, as seguintes proposições são verdadeiras:
1) e é
verdadeira, 2) Smith acredita que e é
verdadeira e 3) Smith está justificado a acreditar que e é
verdadeira. Mas é igualmente claro que Smith não sabe que e é
verdadeira; pois e é
verdadeira em virtude das moedas que estão no bolso de Smith, ao passo que
Smith não sabe quantas moedas tem no bolso e baseia a sua crença em e no facto de
ter contado as moedas do bolso de Jones, que ele erradamente acredita tratar-se
do homem que irá ficar com o emprego.
Caso II
Suponha-se que Smith tem fortes provas a favor da seguinte
proposição:
f) Jones
tem um Ford.
As provas de Smith poderão ser que, desde que ele se lembra,
Jones sempre teve um carro, e sempre foi um Ford, e Jones acabou de oferecer
boleia a Smith enquanto estava ao volante de um Ford. Imaginemos agora que
Smith tem outro amigo, Brown, ignorando por completo o seu paradeiro. Smith
selecciona aleatoriamente três nomes de localidades e constrói as seguintes
três proposições:
g) Ou
Jones tem um Ford ou Brown está em Boston.
h) Ou Jones teve um Ford ou Brown está em Barcelona.
i) Ou Jones tem um Ford ou Brown está em Brest-Litovsk.
f implica cada um
destas proposições. Suponha-se que Smith tem consciência de que f implica cada
uma das três proposições que ele construiu e que procede à aceitação de g, h e i com base
em f.
Smith inferiu correctamente g,
h e i de
uma proposição a favor da qual tem fortes provas. Smith está assim
completamente justificado em acreditar em cada uma destas três proposições.
Claro que Smith não faz ideia onde está Brown.
Mas imagine-se agora que se verificam mais duas condições. Em primeiro
lugar, Jones não teve
um Ford, mas andava a conduzir um carro alugado. Em segundo lugar, por uma
grande coincidência, sem que Smith soubesse de nada, o lugar mencionado na
proposição h é
por acaso de facto o lugar onde Brown se encontra. Se estas duas condições se
verificarem, então Smith não sabe
que h é
verdadeira, apesar de 1) h ser
verdadeira, 2) Smith acreditar de facto na verdade de h e 3) Smith
estar justificado a acreditar na verdade de h.
Estes dois exemplos mostram que a definição a não fornece
uma condição suficiente para
que alguém saiba uma dada proposição. Os mesmos casos, com as modificações
apropriadas, serão suficientes para mostrar que nem a definição b nem a
definição c fornecem
tal condição.
Edmund
Gettier
Originalmente
publicado em Analysis 23:121-3 (1963),
com o
título “Is Justified True Belief Knowledge?”.)
Notas
- Platão
parece estar a levar em consideração uma tal definição em Teeteto 291, e
provavelmente aceita uma em Ménon 98.
- Roderick M. Chisholm, Perceiving: A Philosophical Study (Ithaca,
NY, 1957), pp. 16.
- A. J. Ayer, The Problem of Knowledge (London,
1956).
Sem comentários:
Enviar um comentário