quinta-feira, 15 de março de 2018

Thomas Nagel




THOMAS NAGEL


Prémio
A Academia Sueca das Ciências atribuiu este ano o Prémio Rolf Schock de Lógica e Filosofia ao americano Thomas Nagel. Em anos anteriores o prémio foi atribuído a alguns dos mais importantes filósofos dos últimos cinquenta anos: W. V. Quine, Michael Dummett, Dana S. Scott, John Rawls, Saul Kripke, Solomon Feferman e Jaakko Hintikka.

Quem é?
Thomas Nagel nasceu no dia 4 de Julho de 1937 em Belgrado, na antiga Jugoslávia, e é hoje professor de Filosofia e Direito na Universidade de Nova Iorque. Estudou nas universidades de Cornell e Oxford, e doutorou-se em Harvard com a supervisão de John Rawls.

Filósofo
 É justamente considerado um dos mais importantes filósofos contemporâneos, destacando-se pela abrangência dos temas estudados e pela precisão do seu pensamento, sem contudo perder o dom de uma escrita literariamente agradável e desprovida de tecnicismos supérfluos.

O que escreveu? 
Entre os seus artigos mais influentes estão "Como é Ser um Morcego?" (1974), "O Absurdo" (1971) e "Sorte Moral" (1976), todos reunidos no seu livro Questões Mortais (1979). Entre os seus livros mais influentes estão A Possibilidade do Altruísmo (1970) e Visão a Partir de Lugar Nenhum (1986).

Questões Filosóficas
Nagel ocupou-se de problemas centrais da filosofia - como o problema do livre-arbítrio, o fundamento da acção moral e a natureza da mente - sendo em todas essas áreas uma referência central para qualquer filósofo posterior. A sua abordagem tipicamente socrática à filosofia torna-se evidente no extraordinário Que Quer Dizer Tudo Isto? (1987), uma introdução para jovens que apresenta a força dos problemas filosóficos e o labirinto do pensamento filosófico com uma precisão, vivacidade e elegância difíceis de superar. Nagel caracteriza-se por dar a máxima atenção à força original dos problemas filosóficos genuínos, não procurando fingir que temos teorias convincentes para todos eles, ou que podemos eliminá-los ou dissolvê-los. O objectivo da sua introdução à filosofia é precisamente fazer os jovens - e menos jovens - sentir a força dos problemas filosóficos, concebidos como realidades vivas que nos batem à porta mal pensamos outra vez e não como meras ficções ou narrativas inventadas por pessoas ociosas do passado. Foi com base nesta concepção da filosofia que Nagel formulou a crítica talvez mais contundente a Richard Rorty, que defendia a ideia positivista de que não há problemas filosóficos precisamente por não haver métodos científicos para os resolver. Nagel defendeu que Rorty concebia os problemas filosóficos como meras ficções ou "narrativas" inventadas para passar o tempo por nunca ter sentido a sua força, encarando-os sempre ao invés como meros formalismos escolares ou académicos.

Ética
Na ética, Nagel defendeu posições fortemente kantianas, segundo as quais os fundamentos da moral se encontram na própria razão e não no sentimento, opondo-se assim a David Hume. O seu primeiro livro é precisamente uma defesa da irracionalidade da acção imoral. O modo como Nagel formulou a plêiade de problemas relacionados com este aspecto da fundamentação da moral tornou-se entretanto canónica: a questão central é saber se a razão é motivacionalmente inerte, como defendia Hume, ou se pelo contrário um agente pode ter razões para agir que sejam externas às motivações que já tinha previamente. O debate entre o internalismo e o externalismo é hoje central em ética, opondo-se o externalismo de Nagel ao internalismo de outro grande filósofo contemporâneo da moral, falecido em 2003: Bernard Williams.

Filosofia da Mente
A abordagem de Thomas Nagel aos problemas da filosofia da mente foi citada na atribuição do prémio Rolf Schock. Ao invés de enfrentar isoladamente os problemas mais técnicos da filosofia da mente, Nagel insere-os no problema mais geral de compatibilizar duas perspectivas diferentes e dificilmente reconciliáveis sobre a realidade: a perspectiva pessoal e a impessoal, a que ele chama respectivamente perspectiva da primeira pessoa e da terceira pessoa. No artigo "Como é Ser um Morcego?" Nagel ilustra dramaticamente esta distinção argumentando que há um sentido em que nunca poderemos saber como os morcegos percepcionam o mundo, dado que o fazem em grande parte por ecolocação. Podemos evidentemente saber tudo, cientificamente, sobre como funciona a ecolocação - afinal, usamo-la nos radares. Mas isso é conhecimento impessoal ou na terceira pessoa, e este é o tipo de conhecimento que caracteriza a ciência. Em termos pessoais, da nossa própria perspectiva, nunca poderemos saber como é percepcionar o mundo por ecolocação, por mais que saibamos cientificamente sobre isso - um pouco como alguém que nunca foi a Paris mas viu muitos filmes e leu muita informação sobre Paris: há um sentido em que esta pessoa sabe muitas coisas sobre Paris, mas há outro sentido em que ela não conhece Paris. Assim, Nagel reformula o problema central da filosofia da mente nestes termos: por mais que possamos ter um conhecimento na terceira pessoa sobre o cérebro, esse conhecimento nunca poderá esgotar o tipo de conhecimento na primeira pessoa que temos dos fenómenos mentais. A mente e o cérebro são assim, num certo sentido, irreconciliáveis.
Nagel usa o conflito entre as duas perspectivas no seu artigo sobre o sentido da vida, "O Absurdo", no qual defende que a vida humana é necessariamente absurda precisamente porque nunca poderemos reconciliar a perspectiva da primeira pessoa que temos sobre nós próprios com o conhecimento de que somos apenas mais uma coisa no mundo, sem qualquer importância. A ideia é que não podemos evitar viver a nossa própria vida, e isso implica entregarmo-nos a ela da perspectiva da primeira pessoa, dando-lhe imensa importância, mas que ao mesmo tempo é constitutivo da nossa natureza como seres dotados de racionalidade a capacidade para olhar para nós próprios objectivamente, "por cima do nosso ombro", e ao fazê-lo verificamos inevitavelmente que atribuímos a nós mesmos uma importância que não poderemos realmente ter.

Impostos ...
Mais recentemente, Nagel ocupou-se de dois outros temas filosóficos: a teoria dos impostos e o relativismo. No que respeita ao primeiro, escreveu com Liam Murphy o livro O Mito da Propriedade: Impostos e Justiça (2002), no qual ataca a noção típica da direita de que os impostos são necessariamente um roubo perpetrado pelo estado. A ideia da direita é que se deve cobrar o mínimo possível de impostos, suficientes para fazer funcionar os serviços mínimos do estado que, por uma ou outra razão, não podem ser privatizados: exército, polícia, burocracia e os próprios políticos. A justificação desta ideia, defendida por filósofos como Robert Nozick, falecido em 2002, baseia-se na noção considerada errada por Nagel e Murphy de que há propriedade e riqueza antes de haver estado. O argumento é assim o de que é falacioso pensar que o dinheiro que se paga de impostos é na realidade nosso, e que ao invés devemos pensar que toda a riqueza que produzimos só se tornou possível com o estado, pelo que só é possível precisamente por haver impostos: sem impostos, nenhuma riqueza seria possível.

...e relativismo
Quanto ao relativismo, Nagel publicou em 1997 A Última Palavra,uma das mais sofisticadas defesas da objectividade, em quatro áreas centrais: linguagem, lógica, ciência e ética. Usando a sua distinção central entre as perspectivas da primeira e da terceira pessoa, Nagel argumenta que os filósofos pós-modernistas e outros que declaram todo o pensamento humano inevitavelmente subjectivo estão sem se aperceber a tentar ter a última palavra sobre o nosso pensamento, última palavra essa que não se pode ter. A última palavra consistiria em ver todo o nosso pensamento a partir do exterior, a partir da terceira pessoa, para declarar dessa perspectiva que todo o nosso pensamento é inevitavelmente paroquial. Mas não se pode realmente entender o pensamento humano a partir do exterior, tal como não podemos entender a ecolocação a partir do exterior, e só a partir dessa perspectiva exterior da terceira pessoa poderíamos alguma vez declarar que todo o nosso pensamento é paroquial.

Publicações em Portugal
De Nagel estão publicados em Portugal os livros Que Quer Dizer Tudo Isto? e A Última Palavra (ambos na Gradiva). O artigo "Como é Ser um Morcego?" está publicado na revista online Crítica, e a Dinalivro anuncia para breve uma antologia de textos que incluirá "O Absurdo".

Desidério Murcho 
Professor de Filosofia, 
Universidade Federal de Ouro Preto





Lola

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