THOMAS NAGEL
Prémio
A Academia Sueca das Ciências atribuiu
este ano o Prémio Rolf Schock de Lógica e Filosofia ao americano Thomas Nagel.
Em anos anteriores o prémio foi atribuído a alguns dos mais importantes
filósofos dos últimos cinquenta anos: W. V. Quine, Michael Dummett, Dana S.
Scott, John Rawls, Saul Kripke, Solomon Feferman e Jaakko Hintikka.
Quem é?
Thomas Nagel nasceu no dia 4 de Julho
de 1937 em Belgrado, na antiga Jugoslávia, e é hoje professor de Filosofia e
Direito na Universidade de Nova Iorque. Estudou nas universidades de Cornell e
Oxford, e doutorou-se em Harvard com a supervisão de John Rawls.
Filósofo
É justamente
considerado um dos mais importantes filósofos contemporâneos, destacando-se
pela abrangência dos temas estudados e pela precisão do seu pensamento, sem
contudo perder o dom de uma escrita literariamente agradável e desprovida de
tecnicismos supérfluos.
O que escreveu?
Entre os seus artigos mais influentes estão "Como
é Ser um Morcego?" (1974), "O Absurdo" (1971) e "Sorte
Moral" (1976), todos reunidos no seu livro Questões Mortais (1979). Entre os seus livros mais
influentes estão A Possibilidade do Altruísmo (1970) e Visão a Partir de Lugar Nenhum (1986).
Questões Filosóficas
Nagel ocupou-se de problemas centrais
da filosofia - como o problema do livre-arbítrio, o fundamento da acção moral e
a natureza da mente - sendo em todas essas áreas uma referência central para
qualquer filósofo posterior. A sua abordagem tipicamente socrática à filosofia
torna-se evidente no extraordinário Que Quer Dizer Tudo Isto? (1987), uma introdução
para jovens que apresenta a força dos problemas filosóficos e o labirinto do
pensamento filosófico com uma precisão, vivacidade e elegância difíceis de superar.
Nagel caracteriza-se por dar a máxima atenção à força original dos problemas
filosóficos genuínos, não procurando fingir que temos teorias convincentes para
todos eles, ou que podemos eliminá-los ou dissolvê-los. O objectivo da sua
introdução à filosofia é precisamente fazer os jovens - e menos jovens - sentir
a força dos problemas filosóficos, concebidos como realidades vivas que nos
batem à porta mal pensamos outra vez e não como meras ficções ou narrativas
inventadas por pessoas ociosas do passado. Foi com base nesta concepção da
filosofia que Nagel formulou a crítica talvez mais contundente a Richard Rorty,
que defendia a ideia positivista de que não há problemas filosóficos
precisamente por não haver métodos científicos para os resolver. Nagel defendeu
que Rorty concebia os problemas filosóficos como meras ficções ou
"narrativas" inventadas para passar o tempo por nunca ter sentido a
sua força, encarando-os sempre ao invés como meros formalismos escolares ou
académicos.
Ética
Na ética, Nagel defendeu posições
fortemente kantianas, segundo as quais os fundamentos da moral se encontram na
própria razão e não no sentimento, opondo-se assim a David Hume. O seu primeiro
livro é precisamente uma defesa da irracionalidade da acção imoral. O modo como
Nagel formulou a plêiade de problemas relacionados com este aspecto da
fundamentação da moral tornou-se entretanto canónica: a questão central é saber
se a razão é motivacionalmente inerte, como defendia Hume, ou se pelo contrário
um agente pode ter razões para agir que sejam externas às motivações que já
tinha previamente. O debate entre o internalismo e o externalismo é hoje
central em ética, opondo-se o externalismo de Nagel ao internalismo de outro
grande filósofo contemporâneo da moral, falecido em 2003: Bernard Williams.
Filosofia da Mente
A abordagem de Thomas Nagel aos
problemas da filosofia da mente foi citada na atribuição do prémio Rolf Schock.
Ao invés de enfrentar isoladamente os problemas mais técnicos da filosofia da
mente, Nagel insere-os no problema mais geral de compatibilizar duas
perspectivas diferentes e dificilmente reconciliáveis sobre a realidade: a
perspectiva pessoal e a impessoal, a que ele chama respectivamente perspectiva
da primeira pessoa e da terceira pessoa. No artigo "Como é Ser um
Morcego?" Nagel ilustra dramaticamente esta distinção argumentando que há
um sentido em que nunca poderemos saber como os morcegos percepcionam o mundo,
dado que o fazem em grande parte por ecolocação. Podemos evidentemente saber
tudo, cientificamente, sobre como funciona a ecolocação - afinal, usamo-la nos
radares. Mas isso é conhecimento impessoal ou na terceira pessoa, e este é o
tipo de conhecimento que caracteriza a ciência. Em termos pessoais, da nossa
própria perspectiva, nunca poderemos saber como é percepcionar o mundo por
ecolocação, por mais que saibamos cientificamente sobre isso - um pouco como
alguém que nunca foi a Paris mas viu muitos filmes e leu muita informação sobre
Paris: há um sentido em que esta pessoa sabe muitas coisas sobre Paris, mas há
outro sentido em que ela não conhece Paris. Assim, Nagel reformula o problema
central da filosofia da mente nestes termos: por mais que possamos ter um
conhecimento na terceira pessoa sobre o cérebro, esse conhecimento nunca poderá
esgotar o tipo de conhecimento na primeira pessoa que temos dos fenómenos
mentais. A mente e o cérebro são assim, num certo sentido, irreconciliáveis.
Nagel usa o conflito entre as duas
perspectivas no seu artigo sobre o sentido da vida, "O Absurdo", no
qual defende que a vida humana é necessariamente absurda precisamente porque
nunca poderemos reconciliar a perspectiva da primeira pessoa que temos sobre
nós próprios com o conhecimento de que somos apenas mais uma coisa no mundo,
sem qualquer importância. A ideia é que não podemos evitar viver a nossa
própria vida, e isso implica entregarmo-nos a ela da perspectiva da primeira
pessoa, dando-lhe imensa importância, mas que ao mesmo tempo é constitutivo da
nossa natureza como seres dotados de racionalidade a capacidade para olhar para
nós próprios objectivamente, "por cima do nosso ombro", e ao fazê-lo
verificamos inevitavelmente que atribuímos a nós mesmos uma importância que não
poderemos realmente ter.
Impostos ...
Mais recentemente, Nagel ocupou-se de
dois outros temas filosóficos: a teoria dos impostos e o relativismo. No que
respeita ao primeiro, escreveu com Liam Murphy o livro O Mito da Propriedade: Impostos e Justiça (2002),
no qual ataca a noção típica da direita de que os impostos são necessariamente
um roubo perpetrado pelo estado. A ideia da direita é que se deve cobrar o
mínimo possível de impostos, suficientes para fazer funcionar os serviços
mínimos do estado que, por uma ou outra razão, não podem ser privatizados:
exército, polícia, burocracia e os próprios políticos. A justificação desta
ideia, defendida por filósofos como Robert Nozick, falecido em 2002, baseia-se
na noção considerada errada por Nagel e Murphy de que há propriedade e riqueza
antes de haver estado. O argumento é assim o de que é falacioso pensar que o dinheiro
que se paga de impostos é na realidade nosso, e que ao invés devemos pensar que
toda a riqueza que produzimos só se tornou possível com o estado, pelo que só é
possível precisamente por haver impostos: sem impostos, nenhuma riqueza seria
possível.
...e relativismo
Quanto ao relativismo, Nagel publicou
em 1997 A Última Palavra,uma das mais sofisticadas defesas da
objectividade, em quatro áreas centrais: linguagem, lógica, ciência e ética.
Usando a sua distinção central entre as perspectivas da primeira e da terceira
pessoa, Nagel argumenta que os filósofos pós-modernistas e outros que declaram
todo o pensamento humano inevitavelmente subjectivo estão sem se aperceber a
tentar ter a última palavra sobre o nosso pensamento, última palavra essa que
não se pode ter. A última palavra consistiria em ver todo o nosso pensamento a
partir do exterior, a partir da terceira pessoa, para declarar dessa
perspectiva que todo o nosso pensamento é inevitavelmente paroquial. Mas não se
pode realmente entender o pensamento humano a partir do exterior, tal como não
podemos entender a ecolocação a partir do exterior, e só a partir dessa
perspectiva exterior da terceira pessoa poderíamos alguma vez declarar que todo
o nosso pensamento é paroquial.
Publicações em Portugal
De Nagel estão publicados em Portugal
os livros Que Quer Dizer Tudo Isto? e A Última Palavra (ambos na Gradiva). O artigo
"Como é Ser um Morcego?" está publicado na revista online Crítica, e a Dinalivro anuncia para breve uma antologia
de textos que incluirá "O Absurdo".
Desidério Murcho
Professor de Filosofia,
Lola
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