David Hume
A Causalidade
«Em que consiste a nossa ideia de necessidade quando
dizemos que dois objectos estão necessariamente ligados entre si? A este
respeito repetirei o que muitas vezes disse: como não temos ideia
alguma que não derive de uma impressão se afirmarmos ter a ideia de ligação
necessária (ou causal) deveremos encontrar alguma impressão que esteja na
origem desta ideia. Para isso, ponho-me a considerar o objecto em que
comummente se supõe que a necessidade se encontra. E como vejo que esta se
atribui sempre a causas e efeitos, dirijo a minha atenção para dois objectos
supostamente colocados em tal relação (causa-efeito) e examino-os em todas as
situações possíveis. Apercebo-me de imediato que são contíguos em
termos de tempo e lugar e que o objecto denominando causa precede o
outro, a que chamamos efeito. Não existe um só caso em que possa ir
mais longe, não me é possível descobrir uma terceira relação entre esses objectos.
Suponhamos que uma pessoa, embora dotada das mais fortes faculdades de
razão e reflexão, é trazida subitamente para este mundo; observaria, de facto,
imediatamente uma contínua sucessão de objectos e um acontecimento sucedendo-se
a outro, mas nada mais seria capaz de descobrir. Não conseguiria, a princípio,
mediante qualquer raciocínio, alcançar a ideia de causa e efeito, visto que os
poderes particulares pelos quais todas as operações da natureza são executadas,
nunca aparecem aos sentidos; nem é justo concluir, unicamente porque um
evento, num caso, precede outro, que o primeiro é, por isso, a causa e o
segundo o efeito. A sua conjunção pode ser arbitrária e casual. Pode não
haver motivo para inferir um a partir do aparecimento do outro. E, numa
palavra, tal pessoa, sem mais experiência, nunca poderia utilizar a sua
conjectura ou raciocínio acerca de qualquer questão de facto ou certificar-se
de alguma coisa para além do que está imediatamente presente à memória e aos
seus sentidos.
Suponhamos, de novo, que ela adquiriu mais experiência e viveu durante
tanto tempo no mundo que observou que objectos ou eventos familiares se
combinam constantemente; qual é a consequência desta experiência? Imediatamente
infere a existência de um objecto a partir do outro. Apesar de tudo,
não adquiriu, mediante toda a sua experiência, ideia ou conhecimento algum do
poder secreto pelo qual um objecto produz outro, nem é induzida, por
processo algum de raciocínio, a tirar essa inferência; mas, apesar de tudo,
vê-se levada a tirá-la e, embora deva estar convencida de que o seu
entendimento não participa da operação, continua, no entanto, no mesmo rumo de
pensamento. Existe algum outro princípio que a leva a formar tal conclusão.
Este princípio é o costume ou hábito, pois, onde quer que a repetição de
qualquer acto ou particular manifeste uma propensão para renovar o mesmo acto
ou operação, sem ser impulsionado por raciocínio ou processo algum do
entendimento, dizemos sempre que essa propensão é o efeito do costume.»
Hume, D., Investigação
sobre o Entendimento Humano,
Lisboa, Edições
70, 1989, pp. 46-47.
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